«Foi uma pessoa com extraordinária sensibilidade»

Garcia Bires - Embaixador de Carreira

Habitualmente, encontrávamo-nos lá para as bandas do antigo bairro Lixeira, onde, com o Francisco Pereira e Víctor Webba, trocávamos as experiências vividas e sorrateiramente falávamos dos rumores cuidadosamente resguardados do dia-a-dia.

A PIDE (sem o acrónimo DGS) já estava implantada no País. Por isso, tínhamos de encontrar várias artimanhas para ludibriar o colono e o "bufo". Embora o Zé Eduardo fosse de muitas poucas palavras, de quando em vez, soltava uma frase carregada de humor.

(...)

As lembranças que até hoje transporto e o mau grado do ambiente fúnebre que nos envolve desfilam aquelas que marcaram a nossa fugaz juventude. Fugaz porque, por vontade própria, não teve tempo de vivê-las na sua plenitude.

Nós fomos a geração que recebeu das mãos de outra mais adulta, instruída e politicamente formada a instrução moral para continuar a luta daqueles que violentamente foram forçados a interrompê-la. Ouvíamos a valentia daqueles que, naquela altura, se encontravam nas masmorras da PIDE em Luanda, Cabinda, Namibe ou Cunene. As nossas mãos tinham o dever de levantar cada vez mais alto a chama da independência, acesa com a prisão dos elementos do célebre "Processo dos 50" e da detenção e prisão de Agostinho Neto.

Saí em Luanda em Outubro de 1961. Passados aproximadamente dois anos, o Presidente José Eduardo, acompanhado por outros nacionalistas, chegava ao Congo. Estávamos no exílio, no ex-Congo Belga, e no mesmo movimento. Quando o Presidente Eduardo dos Santos estava no 3.º ano do curso de Petróleo e Gás na Universidade de Bacu.

«Falava pouco, era uma pessoa muito ponderada»

Brito Sozinho - Nacionalista e embaixador de Carreira

Fiquei muito chocado [com a notícia da morte de José Eduardo dos Santos]. Era uma coisa que eu não esperava. Antes de ele ir para Barcelona, estivemos juntos, conversámos. Falámos de muita coisa, do País, que tinha de ir para frente, que tinha de melhorar, que todos tínhamos de trabalhar para melhorar o nosso País.

Ele falava pouco. Perguntavas uma coisa e ele ficava muito tempo para te responder. Era uma pessoa muito ponderada, silenciosa.

Não estava abalado, nem magoado, nem nada. Era um homem com que a gente podia conversar. Ele só dizia: "O País tem leis e as leis têm de ser cumpridas, têm de ser postas em prática".

Quando fosse ao seu encontro, recebia-me bem e ficávamos a conversar. Perguntava-lhe como é que está a família e ele dizia que está boa.

Ele estava a escrever, dizia que tínhamos de escrever [memórias]. Nós tivemos com a família [em Barcelona, de onde veio recentemente]. Tivemos com a irmã, Marta, e foi tudo bem. Não puseram nenhum impedimento. Deixei lá o general Furtado. Ele disse: "Camarada Brito, podes ir. Eu fico aqui. Tenho que sair daqui com o corpo".

Quando [o Presidente José Eduardo dos Santos] esteve na véspera de regressar a Barcelona, estive com ele. Informou-me que iria a Barcelona, mas que, depois, regressaria ao País. Desejei-lhe rápidas melhoras, agradeceu-me com um "obrigado!". E, a partir daí, nunca mais falámos. Tenho muitas memórias [do Presidente José Eduardo dos Santos], uma delas é quando fugimos [para o Congo Leopoldville]. O camarada Salvador Sebastião disse: "Vocês tem de sair daqui". José Eduardo reforçava que tínhamos de sair e juntar-nos aos camaradas que estão em Brazzaville e Leopoldville. Fomos eu, Mário Santiago, José Eduardo dos Santos [já falecidos].

«Era uma emanação da geração da Luta de Libertação»

Ângela Bragança - Ex-ministra da Hoteleira e Turismo

Em primeiro lugar a coragem, [destacar] o patriotismo e a determinação com que José Eduardo dos Santos assumiu, em Setembro de 1979, a responsabilidade de substituir Agostinho Neto num momento em que tudo parecia desabar com o passamento físico do Fundador da Nação e Guia Imortal. Como ele disse, na ocasião «não é uma substituição fácil, tão pouco uma substituição possível, apenas (uma substituição necessária)». Era necessário prosseguir a obra de Neto - consolidar a independência conquistada a 11 de Novembro de 1975, fortalecendo os pilares do País, que existia há pouco mais de três anos, após a libertação das amarras do colonialismo português.

Era muito jovem, com apenas 37 anos. Ele era uma emanação da geração da Luta de Libertação Nacional, conduzida pelo MPLA, de onde brotaram jovens determinados, audaciosos e com um elevado patriotismo. José Eduardo dos Santos, com apenas 19 anos, integrou-se na Luta de Libertação Nacional, participando nas diferentes facetas, dentre elas a de líder da JMPLA e, com a Independência Nacional, assumiu a relevante pasta de ministro das Relações Exteriores e, nesse contexto, desempenhou a relevante missão de lutar pelo reconhecimento de Angola como estado independente e, consequentemente, como membro da ONU, o que se alcançou a 1 de Dezembro de 1976 - Angola foi admitida nesta data como 146.º membro da Organização das Nações Unidas - uma conquista diplomática de grande alcance que marcava não só o reconhecimento mas a abertura de Angola para o mundo.

Na abertura para o mundo, é de realçar a sua liderança na transição do sistema político de partido único e da economia centralizada à instauração do multipartidarismo e opção pela economia de mercado. Defendeu que era necessário "converter o partido numa estrutura capaz de liderar mudanças que se impunham no sentido da abertura, do pluralismo, da democracia, da livre iniciativa e da aproximação e da tolerância entre os angolanos".

A forma como realizou a gestão do conflito armado, através de uma intensa acção diplomática e liderança na chefia militar, nunca vacilando ante a intervenção de potências poderosas que promoveram uma invasão de forças estrangeiras, sem precedentes, ao nosso País. Essa posição firme assegurou a defesa das nossas fronteiras, a soberania e a integridade territorial, marcas indeléveis da sua gestão, o que conduziu à independência da Namíbia (21 de Março de 1990) e ao fim do apartheid (17 de Março de 1991), cumprindo, assim, com o desiderato de Agostinho Neto - na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul esta a continuação da nossa luta.

Realço José Eduardo dos Santos como o "Arquitecto da Paz", pela forma esclarecida, determinada e focada como desenvolveu a trajectória de luta pela Paz que culminou com a assinatura do Acordo entre o MPLA e a UNITA a 4 de Abril de 2002, e que pôs fim a um conflito armado que durou décadas e abriu espaço para a reconstrução nacional e para o lançamento das bases para o desenvolvimento económico do País.

Por último, destaco o período em que o crescimento económico, resultante do boom do preço do petróleo, não foi perfeitamente compaginado com o desenvolvimento de políticas que resultassem na melhoria das condições dos angolanos, o que fundamentou a definição de um novo rumo para o MPLA, alicerçado na tese - "corrigir o que está mal e melhorar o que está bem" e uma nova liderança.

De destacar a serenidade com que exerceu a liderança e a relação com os militantes e quadros no partido, bem como a assertividade na comunicação, qualidades que projectaram a sua imagem além-fronteiras.

Quanto a momentos hilariantes, recordo-me de José Eduardo dos Santos em 1978, na Feira do Partido, no Bairro Popular, em torneios de futebol nas celebrações do partido, entre a multidão e militantes, jogando, divertindo-se com os demais. Eram tempos mais descontraídos, diferentes daqueles em que as pesadas funções já não lhe permitiam tanto tempo.

«Inscreveu o seu nome como um lídimo artífice da paz»

Assunção dos Anjos - Embaixador

São, efectivamente, inúmeras as memórias que guardo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, com quem tive a honra de trabalhar, directamente, ao longo do período que vai de Janeiro de 1976 a Dezembro de 1992.

Sucessivamente, na Divisão de África e Médio Oriente do Ministério das Relações Exteriores, nos gabinetes do primeiro vice-primeiro ministro, do ministro do Plano e, posteriormente, no gabinete do Presidente da República, a partir de Setembro de 1979.

Foi um trabalho árduo, mas envolvente, que se realizava no âmbito de um PROJECTO POLÍTICO e de um ESTILO DE LIDERANÇA, estribado nos mais elevados valores e princípios de probidade, rigor, tolerância, equidade, espírito patriótico e proeminentes níveis de responsabilidade cívica e profissional.

Era esta a ambiência que prevalecia no gabinete do Presidente da República, de acordo com as instruções expressamente dimanadas do então Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos.

Entretanto, os resultados da elevada Clarividência, da riqueza do pensamento estratégico e a dimensão histórica do ex-Presidente José Eduardo dos Santos não se fizerem esperar e foram definidos programas imediatamente postos em execução, visando:

- A consolidação da nossa Independência;

- A manutenção da identidade nacional e da integridade territorial do País;

- Lançamento das bases para a Reconciliação, Unidade e Reconstrução Nacional;

- A erradicação do espectro da Guerra e a conquista definitiva da paz.

O ex-Presidente inscreveu, assim, o seu nome nos anais da história do País, de África e do Mundo como um lídimo ARTÍFICE DA PAZ.

Depois do regresso ao meu Quadro de Origem, no MRE, em 1993, ocupei a Chefia de algumas Missões Diplomáticas no exterior, tendo exercido, posteriormente, o cargo de ministro das Relações Exteriores.

Os encontros com o Chefe de Estado eram os constantes das disposições regulamentares em vigor, mas recebíamos sempre incentivos no sentido de se cumprir integralmente e com mais assertividade as instruções específicas, de modo a melhorarmos a nossa imagem externa e afirmarmos o nosso País como um "player" importante no nosso Continente e, progressivamente, ir aumentando a capacidade de intervenção do País à escala global.

«Nunca foi um estadista exuberante no seu modo e estilo de vida»

José Patrício - Embaixador de Angola na Turquia

As minhas memórias sobre o Presidente José Eduardo dos Santos estão ligadas a três momentos históricos: a minha participação na Reunião Multipartidária de Janeiro de 1992, as eleições de 1992 para que fui nomeado director-geral e a minha indicação, em 2008, para o Tribunal Constitucional. O primeiro momento foi talvez o mais importante, porque marcou o meu regresso a Angola depois das minhas atribulações durante os primeiros dias da independência nacional.

O Presidente José Eduardo Santos protagonizava, na altura, uma mudança radical do regime angolano e eu fui das pessoas que acreditaram que a história nos podia dar uma segunda oportunidade. Lembro-me de que o Presidente, tendo seguido as minhas intervenções nessa reunião multipartidária, me tinha mandado dizer que gostaria que eu voltasse definitivamente para Angola. Isso acabou por se realizar com a minha nomeação para director-geral das eleições alguns meses depois.

Assumi, desde então, a necessária independência partidária para bem poder exercer o mandato eleitoral que me foi conferido e assim mantive essa mesma independência até hoje. Voltei a encontrar-me com o Presidente aquando da sua tomada de posse como em 2012 e voltei a vê-lo passar os seus poderes ao Presidente João Lourenço, em 2017. De todos estes momentos, guardei sempre do Presidente José Eduardo dos Santos a memória de alguém que não era nem sectário, nem violento e queria genuinamente o melhor para Angola e para os angolanos.

Acho que não é razoável esperar que todos os angolanos pensem da mesma maneira do Presidente José Eduardo dos Santos e o recordem como eu, por exemplo, o recordo. Tenho ouvido, durante estes dias, muitas pessoas elogiando o seu legado de paz e unidade nacional e outras preferindo realçar o que não foi conseguido, apesar de muitas vezes prometido, como as melhores condições de vida para os angolanos em comparação com as fortunas exageradas que foram criadas em torno da pessoa do próprio Presidente.

Pelo que conheci do Presidente José Eduardo dos Santos, prefiro lembrar o homem que esteve quase quatro décadas ao serviço de Angola, mais de metade desse tempo em guerra, não apenas civil, mas internacional, uma guerra que poderia ter mudado o destino de Angola tal como a temos hoje, e que mudou igualmente o destino da África Austral. Nos seus últimos 15 anos no Governo, tentou desenvolver um País devastado pela guerra, que tinha de começar pela sua reconstrução sem benefício de qualquer Plano Marshall, apesar dos efeitos de uma guerra de agressão.

A "agenda de consenso", que integrava um programa destinado a alavancar o País económica e socialmente e o seu o plano de dar uma habitação condigna a cada família, foram projectos de José Eduardo Santos que a queda do petróleo deitou por terra. Também é verdade que as suas esperanças na diversificação acelerada da economia por via da transformação de uma economia socialista em economia capitalista não se realizaram como ele a pensou. Deixou, no entanto, obra que mais do que lembrada deve ser continuada. Essa será a melhor maneira de o recordar e homenagear.

«Alguém que não era nem sectário, nem violento»

Onofre dos Santos - Director-geral das eleições de 1992

Como deve imaginar, tive a honra e o privilégio de trabalhar directamente para o ex-Presidente José Eduardo dos Santos nalguns dos períodos mais exaltantes da História contemporânea da Angola independente, no plano militar, social, económico e político-diplomático. De 1984 a 1992, aconteceram episódios marcantes no nosso País e continente, de onde pontificaram batalhas que transformaram a geopolítica na região Austral de África, que deram origem aos Acordos Quadripartidos de Nova Iorque; retirada das tropas cubanas de Angola; implementação da Resolução 435/78 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a Independência da Namíbia; Acordos de Bicesse; primeiras eleições livres e democráticas em Angola e Governo de Unidade Nacional.

Apenas algumas memórias para exaltar a liderança serena de José Eduardo dos Santos na condução de processos de elevada calibragem política que requeriam visão estratégica e muito sangue frio na busca de consensos sem nunca pisar as linhas vermelhas da soberania, unidade nacional e integridade territorial.

Como devem imaginar, todos os colaboradores directos que com ele tiveram o privilégio de partilhar esses momentos só podem estar, como de resto toda a Nação, profundamente consternados por tamanha e prematura perda.

José Eduardo dos Santos nunca foi um estadista exuberante no seu modo e estilo de vida. Enquanto fui seu colaborador directo, fora das horas de serviço, fazíamos matutinos das 6H30 às 8h00, todas as terças, quintas e sábados, com aguerridos trumunos de basquetebol, andebol e futebol, respectivamente.

Contra muitas vontades do establishment partidário, rodeava-se, sobretudo, de jovens que viriam a ser apelidados de "jovens turcos futunguistas" que muita tinta fizeram correr. Eu era um deles, de quem o Presidente José Eduardo dos Santos tinha um especial carinho, também por ser o primeiro secretário do Comité do Partido na Presidência da República, a quem pessoalmente incumbiu de reorganizar e revitalizar as células do Partido na Presidência. Um dia, o seu ajudante de campo Dani chegou até mim, fazendo-me a entrega de umas chaves do carro pessoal do Camarada Presidente e com a sua orientação de que as mesmas seriam para uso exclusivo das actividades partidárias. Era o velho Lada que possuía antes de assumir a Presidência da República e que sinceramente poucas vezes usei por considerá-lo uma relíquia.

Outro momento intrigante e ao mesmo tempo gratificante foi quando eu regressei de Washington DC, depois do reconhecimento de Angola pelos EUA, em que partilhámos um telefonema de celebração. Na audiência que me concedeu no Futungo, após o meu regresso, partilhei o meu sentimento de ter cumprido a missão que me havia sido confiada e manifestei que não gostaria de continuar nessa função, pois sentia que lhe estava a causar alguns constrangimentos pela direcção do partido. Nunca mais me esqueço do tom imperativo como modelou a sua voz e autoridade para me transmitir o seguinte: "Camarada José Patrício, agradeço pela sensibilidade e preocupação, mas esse é um assunto da minha estrita competência...". No dia seguinte, fui nomeado o primeiro embaixador de Angola nos Estados Unidos da América.

«Tiro o chapéu, considero uma pessoade visão muito ampla»

Roberto l M. "Ngongo" - Deputado e general reformado

A primeira recordação é na juventude. Ele era mais velho que eu. Eu jogava andebol e futebol, o Presidente José Eduardo dos Santos também era praticante exímio de futebol e de andebol. Estou a falar no Liceu. Ele estava mais adiantado, estava no 4.º ano e eu no 3.º ou no 2.º, então havia os torneios e daí é que nos conhecemos, só na parte dos desportos. Então, primeiro, Zé Eduardo no Desporto; segundo Zé Eduardo na Cultura, na arte; e, depois, Zé Eduardo o nacionalista, que, com 19 anos, assumiu a sua opção pela luta armada, a libertação do Povo Angolano do jugo colonial. Depois, Zé Eduardo estudante continua a sua vida intelectual, continua a sua vida já quando sai para se juntar à guerrilha, enviado para a União Soviética, aluno exímio, já um líder, porque ele foi chefe dos estudantes angolanos na União Soviética.

Depois, Zé Eduardo o estadista (...), já integrado com a nossa Independência, já como ministro das Relações Exteriores, homem de Estado, homem que lutou diplomaticamente quer na União Africana, quer pelo reconhecimento do nosso País na União Africana e nas Nações Unidas, mesmo com certa oposição do Governo americano, mas que acabou por se abster da aceitação do nosso País como integrante da comunidade das Nações Unidas.

Como homem estadista, quando ele assume a chefia do País, o Comandante-em-Chefe, militar, tiro o chapéu, considero uma pessoa com uma visão muito ampla, de que era preciso trabalhar na paz, mas, infelizmente, tínhamos de fazer a guerra, e ele dirigia como Comandante-em-Chefe as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola.

Eu não posso esquecer de todas as tarefas que nós fomos recebendo como militares, na altura, eu chefe-adjunto do Estado-Maior General. O chefe do Estado-Maior General era o general do exército Ndalu. Todas aquelas tarefas operacionais (...), sempre buscando as melhores vias para continuarmos a luta pela paz, não deixando que o nosso território fosse tomado pelas forças racistas sul-africanas. Triunfou, e Cuíto Cuanavale foi uma prova disso! O triunfo do Cuíto Cuanavale é dirigido pelo Comandante-em-Chefe José Eduardo dos Santos. É a partir daí que se começou a falar de que a paz vai ser conquistada.

(...) Zé Eduardo dos Santos está à frente de toda esta actividade no sentido de conseguirmos chegar a um acordo com as forças da oposição, na altura rebeldes da UNITA, e, então, aceitou-se, vamos para Bicesse... não resultou, infelizmente, o processo eleitoral. Voltámos à guerra. Ele sempre assumiu e dizia, peremptoriamente, que, continuando a guerra, Jonas Savimbi só tinha três posições: ou aceita conversar e temos um acordo já para acabar a guerra, ou vamos continuar a combatê-lo e, se ele quiser combater, a única solução seria morte na frente de combate. Isso foi o que aconteceu.

A partir daí, temos o "Arquitecto da Paz", a 4 de Abril são assinados os acordos para a Paz e temos o Presidente José Eduardo dos Santos a iniciar o desenvolvimento para a perfeita paz, e a paz é preciso ser bem clara: havia duas forças armadas bem organizadas, quer as Forças Armadas do MPLA, as FAPLA, quer as Forças Armadas da oposição, que eram as FALA, quando soou o apito... "nem mais um tiro", Zé Eduardo disse: "Vamos conversar e não há mais mortes", foi dito: Arquitecto da Paz, não temos mais dúvidas nenhumas... e a construção do País.

Foram cometidos erros, mas, de facto, isso, como nós sempre apreendemos, "errar humano é", mas o que foi feito de brilhante ofusca aquilo que pode ter aparecido como certos desvios, fruto da opulência, fruto da grande visão de que temos de desenvolver o País rapidamente. Criou-se o canteiro de obras. E, hoje, estamos a dar continuidade. Ele cumpriu o seu programa. Em 2017, decidiu retirar-se da arena política, mas a obra que está a ser feita é continuação da obra de Agostinho Neto, a obra de Zé Eduardo dos Santos e, agora, a obra de João Lourenço.

Hoje, estamos a prestar homenagem merecida, fruto de todo o trabalho desenvolvido durante estes anos em que esteve à frente do País. Essa é a figura do estadista que estamos hoje a homenagear, cuja perda lamentamos, mas os seus ensinamentos ficarão para sempre.

«Foi sempre um homem lúcido, cuidadoso, estudioso»

França Ndalu - Nacionalista e general reformado

É um homem que ficará na história, não só na história de Angola, como também na história de África e do mundo, em geral, pelas seguintes razões: sabe que em todos os territórios se combate a guerra, a violência, e todos querem a paz, e, realmente, podemos dizer que [José Eduardo dos Santos] é considerado em Angola um construtor da paz. Foi a pessoa que trabalhou muito para a paz, e lembro-me de que, depois das eleições [de 1992], em que Jonas Savimbi recusou o resultado, ele virou para nós e disse: "Parece que vamos continuar a guerra para conseguirmos a paz". E, realmente, foi o que se começou a fazer: depois da derrota da UNITA e da morte de Savimbi, conseguimos a paz para Angola.

Mas não só trabalhou para a paz em Angola, trabalhou para a paz para todo o território, principalmente para o território africano, particularmente quando tínhamos confrontos com o regime racista da África do Sul. Depois da Batalha do Cuíto Cuanavale, quando os sul-africanos levantaram as mãos praticamente depois de derrotados, ele foi um dos grandes impulsionadores para que chegássemos a acordos credíveis e vantajosos para Angola e para o Namibe, e, inclusivamente, para a África do Sul, porque se pensava já que o regime do Apartheid tinha de chegar ao fim.

Depois disso, claro, tivemos conversações de paz. Foi quando os americanos decidiram fazer o linkage, dizendo que haveria paz na África Austral, mas que tinham de ligar isso à retirada das tropas cubanas. Isso foi tratado, fez-se um tratado, em que as tropas sul-africanos se retirariam da Namíbia e se cumpriria, então, a resolução 435 das Nações Unidas. E assim foi. Tivemos várias conversações. Depois do saudoso Mbinda, eu é que fiquei à frente da delegação angolana para as negociações, e, realmente, ele é que dirigia o que nós iríamos defender, etc. Era muito intransigente naqueles valores que deveríamos defender. Foi sempre um homem lúcido, cuidadoso, estudioso, e, muitas vezes, eu encontrava-o e perguntava o que estava a fazer e dizia que estava a estudar Economia, não entendia muito daquilo e tinha que perceber, porque, senão, não poderia dirigir bem.

Creio que realizou o seu mandato de forma correcta. Só que, como homem e como africano, temos as nossas falhas e muita gente critica, mas quer comparar Angola, por exemplo, com democracia da Suécia, Dinamarca, etc. Mas nós somos africanos, também temos a nossa democracia, os nossos valores, os nossos costumes, que é preciso não esquecer. E, realmente, ele sempre defendeu isso.

«Tivemos boas amizades. Nós fomos amigos»

Francisco Magalhães Paiva "Nvunda" - Nacionalista e general reformado

Convivi muitas vezes com o Presidente José Eduardo dos Santos: primeiro na infância, na juventude, porque nós participámos nas equipas de futebol, os dois, sobretudo no Futebol Clube Luanda em júnior, nos anos 58, 59 e, depois, no Ginásio Futebol Clube que nós, lá no Sambizanga, fundámos, e aí jogámos juntos. Também participámos em muitas actividades, algumas esporadicamente. Em termos de clubes, são esses que eu citei.

Depois, o nosso segundo encontro foi durante a Luta de Libertação Nacional. Estivemos juntos na 2.ª Região Político-Militar, em Brazzaville, portanto. E o terceiro encontro foi depois da Independência, onde estivemos nas instituições do Estado, ele, portanto, nosso Chefe, o Presidente da República, e nós como os seus colaborados, em diferentes níveis de actividades e funções, é claro, e também no partido.

Tivemos boas amizades. Nós fomos amigos, independentemente de termos sido companheiros de luta (de Libertação), e companheiros no domínio do desporto. Fomos verdadeiros amigos, porque vivemos os dois no Sambizanga.

Guardo muitos momentos. Recordo o Presidente Zé Eduardo durante a sua presidência. Durante a guerra civil, tivemos muitos encontros. Eu fui ministro do Interior, e aí tínhamos muito boas relações com o camarada José Eduardo dos Santos.

O Presidente José Eduardo dos Santos merece a minha homenagem e merece a homenagem do nosso Povo.

«Um estadista com a dimensão do mundo»

Hermínio Escórcio - Nacionalista e embaixador de Carreira

Infelizmente, com a partida de José Eduardo dos Santos, só nos resta dizer: até breve! Eu conheci o Presidente em Brazzaville, depois de ter saído das cadeias com o surgimento do 25 de Abril. Quando cheguei a Brazzaville com uma delegação do Interior, o delegado do MPLA era o camarada Lúcio Lara, que, naquela altura, se encontrava ausente do Congo Brazzaville em missão de serviço e quem estava a substituí-lo era, precisamente, o camarada José Eduardo dos Santos, e foi aí que o conheci.

A Isabel, sua filha, teria naquela altura três meses e estava ao colo. A partir daí, ficámos a conhecer-nos e a trabalhar em conjunto em prol do MPLA.

Ora, acontece que, naquilo que nos une na camaradagem de militantes, ele foi sempre um pai extremoso e camarada inteligente, com uma memória privilegiada, um homem sereno, um pensador estratégico, um estadista com a dimensão do mundo e foi um convicto nacionalista com admirável personalidade.

Teve o privilégio de estar sempre presente nas grandes decisões do movimento, que, depois, se tornou partido, para que Angola fosse hoje Nação independente.

Infelizmente, é um patriota que nos deixa, e, assim, o MPLA e a Nação perdem a sua colaboração, mas a sua personalidade será sempre lembrada por todos. Paz à sua alma!

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