À chegada a Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa considerou a sua presença na tomada de posse do Presidente eleito, João Lourenço, na manhã de terça-feira, como a reafirmação da "fraternidade" entre os dois povos e Estados, a mesma que, como explicou hoje aos jornalistas no aeroporto 4 de Fevereiro, justificou o facto de ter sido o primeiro Chefe de Estado a felicitar João Lourenço pela sua eleição a 23 de Agosto.
Mas, como pano de fundo para esta sequência de gestos simbólicos de Marcelo Rebelo de Sousa em relação a Angola, como seja a dianteira tomada no envio de felicitações e o facto de ter chegado ao país com 24 horas "livres" para criar a sua "agenda", está um dos momentos mais tensos nas relações entre Luanda e Lisboa.
Crise essa que surgiu em resultado dos processos judiciais que correm nos tribunais portugueses envolvendo altas figuras do Estado angolano, o que levou não só ao adiamento em cima da hora da visita da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnen a Angola, em Fevereiro, mas também do primeiro-ministro António Costa, que deveria acontecer pouco depois.
Desde então, alguns sinais de mal-estar têm sido, claramente, emitidos de Luanda para Lisboa, com o mais evidente deles todos na forma de declaração do Ministério das Relações Exteriores angolano que considerou que estava em curso em Portugal, por causa da forma como a imprensa divulgou os processos judiciais, um "sério ataque à República de Angola, susceptível de perturbar as relações existentes entre os dois Estados".
No mesmo espaço temporal, e com este súbito esfriamento das relações bilaterais, o então ministro da Defesa angolano, João Lourenço, que já tinha sido definido como candidato presidencial pelo MPLA , partido do qual é vice-presidente, e durante uma deslocação a Moçambique, onde, questionado pelos jornalistas, disse que os dois estados estavam "obrigados a encontrar soluções para a situação que foi criada", lembrando, no entanto, que Angola "nunca tratou mal as autoridades portuguesas" e que, por essa razão, o país "exige igual forma de respeito pelas principais entidades do Estado angolano".
João Lourenço insistiu, à semelhança do ministro das Relações Exteriores, na ideia de que "nas relações entre estados deve haver reciprocidade".
Nas declarações preferidas no seguimento destes episódios, tanto o minitro dos Negócios Estrangeiros, como o primeiro-ministro portugueses, Augusto santos Silva e António Costa, sublinharam a independência dos tribunais lusos, querendo salientar que existe uma clara separação entre o funcionamento da Justiça e a actuação do Governo. Em Angola, a Constituição determina o mesmo.
Marcelo, o conciliador
Face a tudo isto, o Chefe de Estado português, que foi convidado para a cerimónia de tomada de posse do Presidente eleito, João Lourenço, e do Vice-presidente, Bornito de Sousa, tendo chegado a Luanda ao início da manhã de hoje, destacou, nas primeiras declarações públicas, o "sentimento de alegria", não só pessoal mas também de milhões de portugueses em relação a milhões de angolanos.
"É um sentimento de grande alegria, um sentimento pessoal, mas sobretudo dos portugueses e das portuguesas que eu represento", disse, destacando que foi esse sentimento que o levou a tomar a dianteiro entre todos os outros no envio das felicitações pela vitória do MPLA e de João Lourenço.
"Porque o nosso relacionamento é mais intenso do que os outros relacionamentos dos outros Estados e, portanto, isso explica o porquê de, naturalmente, sermos dos primeiros ou mesmo os primeiros, atentos como estávamos ao que se passava, a exprimir aquilo que entendíamos que era muito importante: a felicitação ao presidente eleito e a reafirmação de um relacionamento fraternal entre povos e Estados", frisou.
"São expectativas à medida da amizade, é uma amizade profunda entre povos, entre Estados e, portanto, estamos sempre, para além daquilo que em cada momento é preciso ir equacionando, sempre muito empenhados em aprofundar, em adensar, em levar mais longe esse relacionamento", referiu.
No entanto, como se pode ler no português Diário de Notícias, que cita fontes em Luanda, os passos agendados por Marcelo em Luanda nestas horas que antecedem a cerimónia de amanhã, passam pelo contacto com "figuras influentes" do poder angolano, destacando os dois ex-alunos de Marcelo Rebelo de Sousa, os professores catedráticos Carlos Feijó e Raúl Araújo, enfatizando que estes dois nomes estão alinhados para integrarem o futiro Governo de João Lourenço.
Para além da Universidade Agostinho Neto, onde Marcelo encontrará os seus dois antigos alunos, e amigos, também estão previstas deslocações à Escola Portuguesa de Luanda e, já depois da cerimónia de tomada de posse, com a comunidade portuguesa em Angola.