"A luta continua", disse o ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à sua filha, a mais importante empresária angolana, como a própria informou nas redes sociais, onde acrescentou que o seu pai também a incentivou a ter "coragem" depois de ter sabido da decisão do Tribunal Provincial de Luanda (TPL) do arresto preventivo dos seus bens e congeladas as contas bancárias das suas empresas, nomeadamente nos bancos BIC e BFA, a UNITEL, a ZAP, a FINSTAR, a Cimangola, a CONDIS, o Continente Angola e a SODIBA.

Depois de se ter sabido, a 30 de Dezembro, da decisão do TPL lavrada a 23, Isabel dos Santos saltou ainda mais para a ribalta, com a imprensa mundial a dar destaque a esta situação, tendo a empresária, depois de ter saído a terreiro para afirmar que não fora ouvida, nem sequer o seu marido, Sindika Dokolo, ou ainda o empresário português Mário da Silva, igualmente envolvidos na decisão judicial, aproveitado, seja nas redes sociais ou através de entrevistas a jornais e tv internacionais, com destaque para a agressiva entrevista à Al Jazeera, para alertar para o perigo que passaram a correr as empresas visadas que diz terem sido mesmo "condenadas".

Nas várias plataformas onde se fez e faz ouvir de forma contínua nos últimos dias, Isabel dos Santos deixou o aviso de que há salários para pagar que podem não o ser, dívidas das empresas que podem ficar por acertar, matérias-primas necessárias que podem não chegar... com a clara intenção de sublinhar a possibilidade de falências e milhares de postos de trabalho poderem ser perdidos.

Isto, mesmo que as administrações das suas nove empresas visadas tenham sido judicialmente encarregues de garantir o seu "normal" funcionamento, inclusive através da movimentação das contas contendo os dinheiros necessários para a sua actividade diária e regular.

E em Portugal...

Mas é em Portugal que este caso tem estado, nas últimas horas, a gerar mais notícias e tentativas, através do comentário político e económico na generalidade dos jornais e canais de televisão, de prever o que vai acontecer, ate porque Isabel dos Santos tem uma palavra forte a dizer em empresas importantes para o tecido económico luso, como na energia, através da Galp, na indústria, pela Efacec, nas telecomunicações, com a NOS, ou ainda na banca, através do EuroBIc.

Perante as multiplicações possíveis da decisão judicial tomada em Angola pelo TPL, a portuguesa CMVM já fez saber, como se pode ler na imprensa portuguesa, que "está a acompanhar as implicações da referida decisão judicial, designadamente no que respeita a eventuais obrigações de prestação de informação ao mercado".

Embora, como foi ainda noticiado, seja de evidenciar que a citada decisão judicial incida quase integralmente em entidades de direito angolano, o que permite à CMVM afirmar em Lisboa que não é exigível às empresas suas participadas que forneçam informação detalhada e oficial ao mercado, pelo que se sabe até ao momento.

Mas se o tiver de fazer, em questão estão participações importantes na energia, através da GALP, com a empresa Esperaza, onde no fim de deslindada uma complexa teia de participações, a empresária controla uma quota importante.

Também nas telecomunicações, com Isabel dos Santos a mandar de facto na NOS, uma das maiores operadoras naquele país, ou ainda na indústria da mobilidade, engenharia e energia, como é a Efacec Power Solutions.

E na banca, Isabel dos Santos é a maior accionista do EuroBic, um banco de média dimensão em Portugal, o que levou o Banco de Portugal, na condição de regulador, a pronunciar-se publicamente sobre o assunto, avançando que está atento a "todos os factos novos que possam ser relevantes" para a avaliação dos accionistas.

Em causa está, fez saber o Banco Central, os dados novos que sejam considerados relevantes para "efeitos de avaliação e reavaliação da adequação de quaisquer pessoas que exerçam funções de administração/fiscalização ou sejam accionistas de instituições por si supervisionadas".

Nas notícias difundidas nas últimas horas pela imprensa portuguesa, conclui-se que o BdP fez esta declaração pública porque os accionistas têm de ter um determinado registo que lhes condiciona ou não a capacidade para o exercício das funções onde o BdP recolhe e fornece informações junto das entidades nacionais e internacionais que podem ser relevantes para essa análise continuada.

A "bomba" que marcou o final do ano

Como o NJOnline noticiou a 30 de Dezembro, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais da empresária Isabel dos Santos, do marido, Sindika Dokolo, e do presidente do Banco de Fomento de Angola (BFA), Mário Leite da Silva, para além de congelar as contas de várias empresas nas quais detêm participações, nomeadamente nos bancos BIC e BFA, e nas empresas UNITEL, ZAP, FINSTAR, Cimangola, CONDIS, Continente Angola e SODIBA.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) expõe que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos intentou uma providência cautelar de arresto no Tribunal Provincial de Luanda contra Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e Mário Filipe Moreira Leite da Silva.

Segundo a PGR Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e Mário da Silva celebraram negócios com o Estado angolano através das empresas Sodiam, empresa pública de venda de diamantes, e com a Sonangol, petrolífera estatal.

No despacho do TPL, avançou-se ainda que Isabel dos Santos, por intermédio do seu sócio Leopoldino Fragoso do Nascimento (general Dino), tem tentado transferir alguns dos seus negócios para a Rússia, tendo a Polícia Judiciária portuguesa interceptado uma transferência de dez milhões de euros para aquele país.

A informação consta do despacho do Tribunal Provincial de Luanda (TPL) que fundamenta a providência cautelar que apreendeu judicialmente os bens da filha do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e do principal gestor da empresária, o português Mário da Silva.

De acordo com o despacho-sentença de 15 páginas a que o NJOnline teve acesso, a operação de transferência foi bloqueada pela Polícia Judiciária portuguesa. Os 10 milhões de euros estavam depositados numa conta titulada pelo general Dino e tinham como destino uma conta num banco na Rússia.

Na decisão, que foi tomada a 23 de Dezembro, mas foi apenas tornada pública esta segunda-feira, 30, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Tribunal Provincial de Luanda dá como provado que a empresária e o marido utilizaram fundos do Estado para fazerem vários negócios, sem que os montantes tivessem sido pagos, e "que os requeridos estão a ocultar o património obtido às custas do Estado", transferindo-o para outras entidades e exportando os capitais.

No documento vem ainda descrito que "por via dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado, tiveram informações de que a requerida Isabel dos Santos pretende vender as participações sociais que detém na Unitel a um cidadão árabe, que já encetou diligência em Angola para aquisição das participações sociais".

De acordo com o documento, um desses negócios partiu da iniciativa do ex-presidente José Eduardo dos Santos (JES).

A resposta

Na primeira reacção, e em comunicado enviado na terça-feira às redacções, Isabel dos Santos dizia que nunca foi notificada ou ouvida no âmbito no inquérito que levou ao arresto das suas contas em Angola, negando as acusações em que é visada num processo que afirma ser "politicamente motivado".

A empresária diz "que nunca foi notificada pela Procuradoria-Geral da República ou citada pelo Tribunal Provincial de Luanda", desconhecendo o teor da acusação e afirmando que "não teve oportunidade de apresentar defesa".

Isabel dos santos nega as acusações em comunicado, dizendo não compreender "nem se conformar com este enquadramento num Estado de Direito democrático como é Angola" e afirmando que pretende "opor-se a cada uma destas alegações em sede e tempo próprio nos termos estabelecidos na lei angolana".

E, já depois de terem passado os dias de maior tensão, a empresária divulgou as palavras que trocou com o seu pai sobre o assunto, onde este lhe disse para ter "coragem porque, relembrando um dos slogans mais pesados do seu passado político enquanto presidente do MPLA e da República, "a luta continua".

E Isabel dos Santos parece não querer deixar de manter essa luta, tendo mesmo acusado o actual poder político, liderado pelo Presidente da República, João Lourenço, de ter "motivações políticas" neste processo, onde é "vítima de perseguição política".

E essa perseguição, avisa, tem como objectivo "mascarar" o insucesso das políticas do Governo e está a condenar a uma situação de grande fragilidade as empresas em questão, deixando a pender a possibilidade de encerramentos, despedimentos e dificuldades acrescidas.

Mas, se por um lado, Isabel dos Santos garante que não foi ouvida pelo TPL, mesmo que alguns juristas garantam que no caso de arresto preventivo essa auscultação não é condição, por outro, a sua presença ubíqua é evidente, como a do seu marido, Sindika Dokolo, embora com menor intensidade, múltiplas plataformas mediáticas, com destaque para as redes sociais, desde o Twitter, ao Instagram, passando pelo Facebook, bem como em dezenas de jornais, rádios e televisões e sites de informação, nacionais e internacionais.