"Trabalho com bancos em Cabo Verde, com bancos em outros países africanos, bancos que nos apoiam, que acreditam nos projectos, que acreditam na validade dos projectos que nós propomos. Portanto, tenho muitas dívidas, tenho muito financiamento por pagar, as taxas de juros são elevadas, nem sempre é fácil também ter essa sustentabilidade do negócio, para conseguir enfrentar toda a parte financeira dos negócios, mas também boas equipas e trabalhamos para isso", afirmou a empresária, filha do ex-Presidente da República de Angola José Eduardo dos Santos, em entrevista à agência Lusa à margem da visita que realizou nos últimos dias a Cabo Verde.
Questionada pela Lusa sobre as recorrentes dúvidas sobre a origem dos seus investimentos, a empresária angolana, com interesses na indústria, no sector da energia, na banca, na distribuição e retalho e nas telecomunicações, entre outras áreas, sobretudo em Angola e Portugal, afirma que está habituada a passar por complexos processos de avaliação de idoneidade, até tendo em conta as relações, nos negócios, com parceiros internacionais.
Algo que, diz, acontece "principalmente" quando se trata de "um empresário vindo de África": A "quem são pedidas inúmeras informações sobre como é que vai financiar o seu negócio, qual a origem dos seus fundos, que planos é que tem para o seu negócio, etc. Portanto, hoje em dia, todas as empresas de uma forma geral têm esses pedidos, são pedidos normais. No meu caso, eu até tenho mais [pedidos de esclarecimento] do que outras empresas porque obviamente há a questão das pessoas politicamente expostas e é certo, há sempre atenção de tentar perceber como é que são fundados e financiados os negócios".
Actualmente, diz que trabalha com mais de 15 bancos em todo o mundo e que não se preocupa com as dúvidas que habitualmente se colocam sobre os seus investimentos.
"Quando há rumores que falam de erário público, é falso. Felizmente nunca trabalhei com o erário público. Eu gosto de trabalhar com o mercado, com o sector privado, eu gosto de fazer um produto que as pessoas queiram comprar, mas queiram comprar porque ele é bom e tem um bom preço", garantiu, apontando casos como o banco BIC ou a operadora de telecomunicações Unitel como exemplos de projectos privados que lançou com sucesso.
"Eu não tenho preocupações com as dúvidas [sobre a origem dos investimentos], porque como digo, sempre fui alvo de escrutínio e é normal, não é algo que me preocupa, tenho parcerias com empresas internacionais que estão obrigadas a um nível mais elevado de governança, antes de trabalharem com um parceiro têm que verificar que esta pessoa é idónea e que representa e que é aquilo que diz ser, trabalho com grandes grupos mundiais, com grandes multinacionais, com consultoras que são do top cinco mundiais, trabalho com bancos, com banca comercial", enfatizou.
Ainda assim, observa que há mais susceptibilidade no mundo ocidental para aceitar "a ideia de que se o dinheiro vem de África, ou de empresários africanos ou angolanos, se calhar é duvidoso".
"Muitas vezes isto está ligado ao preconceito. Existe um preconceito sim. Hoje acho que é muito à base de falta de informação. Quando olhamos para os "media" hoje, a narrativa de que se fala de África é muito negativa, e praticamente de África só falamos de política, de governos, de guerras, de conflitos, de desastres. Raramente falamos de empresas, empresários africanos são muito pouco conhecidos, ou seja, os actores das economias africanas ainda são pouco conhecidos na Europa e no Ocidente. E isso traz um nível de desconfiança. E essa desconfiança, claramente, não é só comigo", garante.
Isabel dos Santos, de 46 anos, foi considerada pela BBC como uma das 100 mulheres mais influentes no mundo e pela Jeune Afrique como uma das 100 pessoas mais influentes em África.
Na entrevista à Lusa, insistiu em recordar que o percurso como empresária começou em Angola, há mais de duas décadas. "Eu gosto que as pessoas se lembrem que eu não comecei a trabalhar ontem, não comecei a trabalhar em 2010, comecei a trabalhar nos anos 90, portanto é um percurso muito, muito longo, e ao longo deste percurso nós vamos construindo reputação, vamos construindo relações, com empresas, com bancos, e vamos crescendo, vamos sendo apoiados e efetivamente é assim que eu tenho que trabalhar", sublinha.
A empresária diz que a chave do seu sucesso, tal como o de outros empresários, incluindo portugueses, foi o forte crescimento da economia angolana de 2002 a 2017, precisamente quando começou a investir em Angola.
"E tivemos sorte. Angola cresceu. A economia angolana de 2002 a 2017, durante 15 anos, teve um crescimento médio de quase 8-9%", recordou, apontando que o Produto Interno Bruto (PIB) angolano cresceu, neste período, quase 900%, de 30 mil milhões para 130 mil milhões de dólares.
"Exactamente neste período houve também muitos empresários e muitas empresas portuguesas que ganharam dinheiro e lucro em Angola, centenas de milhões de euros, e estas questões nunca são postas em causa. Por isso, é preciso também não ter dúvidas que as empresas e os empresários angolanos neste mesmo meio ambiente de negócio obviamente também ganharam dinheiro, também trabalharam, investiram... Aliás, os investimentos estão presentes, os postos de trabalho são óbvios, os locais estão construídos, não são investimentos abstratos", rematou.