Este estudo, que chega a conclusões aterradoras para a saúde do planeta e a sua capacidade para suportar a vida, especialmente a vida humana, foi realizado através da análise exaustiva a 98% das montanhas que entre 2017 e 2018 estavam cobertas de gelo glaciar, que são massas de gelo compactado ao longo de milhares de anos, gerando a imagem poética de "neves eternas" que, afinal, não o são por muito mais tempo se nada for feito para impedir as alterações climáticas que estão por detrás destas constatações.
Em causa está, por exemplo, o acesso à água potável oriunda das montanhas geladas para milhões de pessoas na Ásia, especialmente das encostas dos Himalaias (onde, apesar de tudo, as notícias são melhores que noutros cantos do mundo), dos Andes, na América do Sul, mas também de África, onde as três montanhas que ostentam "neves eternas", o Monte Kilimanjaro, o Monte Quénia e a Cadeia Montanhosa de Rwenzori, no Uganda, estão cada vez mais despidas, como já em 2020 foi revelado devido ao risco sério de o degelo africano colocar em risco a vida de milhões de pessoas que se dedicam à agricultura alimentada pelas suas águas, além do turismo em claro declínio, além outras cadeias montanhosas, como a do Atlas marroquino, terem cada vez menos acumulação periódica de gelo no Inverno que alimenta barragens e rios ao longo largos meses do ano.
Este estudo agora divulgado, e que está a ser destacado pelos grandes media internacionais devido ao que expõe em perigo para a humanidade, resulta da análise de milhares de imagens por satélite que permitem obter dados rigorosos sobre a espessura das camadas de gelo de 250 mil montanhas com glaciares e que não deixa margem para dúvidas sobre o galopante degelo em curso em todo o mundo motivado claramente pelas alterações climáticas que têm, como a generalidade dos organismos internacionais, desde logo as Nações Unidas, força motriz os gases com efeito de estufa produzidos pela queima de petróleo e dos seus derivados.
Este tipo de estudos, sublinhe-se, por norma, são um estímulo para a transição energética que deve estar definitivamente em fase de não-retorno até 2050, como foi dito de forma clara na última CImeira Glogal do Clima, a COP26, o que exige, até lá, a rápida substituição dos hidrocarbonetos como a energia que move o mundo para as energias verdes, cujo impacto vai afectar fortemente as economia petro-dependentes, como a angolana, se não for feito um esforço eficaz e suplementar para a diversificação destas economias.
Através da análise destas 250 mil imagens de satélite foi possível verificar, graças a este estudo que foi divulgado pelo jornal Nature Geoscience, que a variação da espessura do gelo de que dependem largos milhões de pessoas devido à água potável que produz é de tal modo gritante que muda por completo aquilo que era dado como garantido e que agora é uma espécie de antecâmara de um desastre global se nada for feito.
Mas nem tudo parece ser um desastre completo, porque nos Himalaias, segundo os dados agora revelados pelos cientistas do do Instituto Francês do Ambiente e Geociências e do norte-americano Dartmouth College, contêm mais 37% de gelo que os dados conhecidos até aqui, embora, no lado oposto, nos Andes sul-americanos, estes sejam agora menos 27% que o estimado até agora.
Mas os Himalaias são uma excepção num mundo onde o degelo é uma evidência perigosa, como o afirma Mathieu Morlighem, professor de Ciências da Terra no Dartmouth College e co-autor deste estudo, que, citado pela Bloomberg numa notícia no The Print, sublinha que em todo o resto do mundo analisado o cenário é diferente e aponta para um encolhimento gritante dos glaciares, como é o caso, por exemplo, da capital da Bolívia, La Paz, que depende da água destes glaciares que estão em forte processo de redução da sua espessura e que podem, mais depressa do que se esperava, desaparecer, colocando em risco mais de 2 milhões de pessoas.
O que fazer perante este cenário?
O também co-autor deste estudo, o glaciologista, disciplina que estuda a formação dos glaciares, Romain Millan, do Instituto Francês do Ambiente e Geociências, citado pelas agências, disse, depois da sua divulgação, que o que se espera agora é que os cientistas e os decisores públicos usem estes dados como uma caixa de ferramentas para modelar a forma como a humanidade vai encarar e estar no futuro face à disponibilidade de água, antecipando os efeitos das alterações climáticas sobre os glaciares e fontes de água doce" que alimentam milhões de pessoas e a agricultura e a indústria do turismo de que dependem outras centenas de milhares de milhões de pessoas.
Um dado agora reafirmado é que os glaciares mais emblemáticos do mundo, como sejam os da Gronelândia e da Antártida (que não foram tidos em conta neste estudo por não se tratarem de massas de gelo de glaciares), os maiores e mais espessos do mundo, estão a derreter a uma velocidade muito superior ao que se estimava até agora, mas foi igualmente avançado como notícia menos má que se estes derretessem todos, o nível do mar subiria ligeiramente menos do que se projectava até aqui.
Por exemplo, como explicam os autores, enquanto se a massa de gelo da Antártida derretesse totalmente, o mar subiria mais de 50 metros, mas se todos os glaciares do mundo derretessem, o efeito no mar seria de "apenas" 25 centímetros, o que se explica porque as massas de gelo glaciar se situam nas montanhas enquanto no caso da Antártida é todo um continente coberto de, nalguns pontos, de quilómetros de altura de gelo e onde já se sabe há muito que a perda anual de massa gelada aumenta exponencialmente.
Isto, porque, à medida em que o gelo vai derretendo, como os cientistas têm estado a advertir, a sua cobertura vai escurecendo porque se mistura com terra e rochas, elementos escuros que capturam mais a luz solar enquanto as massas mais claras expelem mais a luz solar de volta para a atmosfera.
Estes dados, advertem ainda os seus autores e outros cientistas que estão a ser ouvidos pelos media internacionais, devem impor uma análise aturada aos governos dos países com problemas permanentes ou sazonais de secas, como é o caso de Angola e de toda a África Austral, quase sem excepção, motivando-os para a acção imediata, seja no combate à poluição, seja no combate à desflorestação e avanço das zonas áridas, seja na creiação de legislação eficaz antipoluição dos mares, como é o caso do uso de plásticos não-recicláveis, porque o planeta já está a ficar sem capacidade para lidar com as permanentes ameaças ambientais.
A situação africana vista ao detalhe em estudo da ONU
Este estudo do Instituto Francês do Ambiente e Geociências e do norte-americano Colégio Dartmouth é um alerta renovado que se agrega a muitos outros, naquilo que que é, efectivamente, um momento crucial para a viabilidade da vida humana na Terra, e onde África tem a sua parte substantiva do impacto das alterações climáticas, como garantia, em Outubro de 2021, um aturado estudo da agência das Nações Unidas para o clima.
Esse estudo foi um alerta vermelho carregado para África, onde as secas vão ser ainda mais trágicas que no resto do mundo, milhões de pobres vão deparar-se com condições ainda mais extremas, vão ocorrer cheias e inundações nunca vistas e até as neves eternas do Kilimanjaro, a montanha mais alta do continente, vão desaparecer para sempre em menos de duas décadas.
No relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU, que agrega a maior capacidade mundial de análise sobre o clima, divulgado no ano passado, o esperado desaparecimento dos últimos glaciares africanos já estava colocado em perspectiva e agora apenas reforçada essa visão trágica para o continente.
Mas a diluição das neves perenes do Kilimanjaro, na Tanzânia, do Monte Quénia ou do Rwenzoris, no Uganda, não é o que melhor descreve a tragédia que aguarda, no futuro próximo mais de 120 milhões de pessoas localizadas nas regiões mais afectadas pelo aquecimento global, seja porque as secas vão agravar-se em intensidade e duração, seja porque as cheias repentinas vão ter dimensões nunca vistas ou ainda devido ao calor extremo que pode ir além da capacidade humana de o suportar sem equipamento ou abrigo mínimos.
Tudo, porque, como descreve a OMM nesse relatório elaborado com a colaboração das congéneres da União Africana, as alterações climáticas em rápida aceleração vão ser especialmente sentidas em África devido à incapacidade dos governos em adaptarem os seus países à nova realidade e à natureza severa que algumas regiões do continente conhecem desde sempre, como as secas, as pragas que destroem as colheiras ciclicamente, as inundações repentinas...
Tudo somado, diz a OMM, o Produto Interno Bruto (PIB) africano vão decrescer até 3 por cento nos próximos 20 a 30 anos, reduzindo de forma significativa a capacidade de resposta local e regional aos ainda mais regulares e severos desastres ambientais.
E este relatório não é apenas um exercício de adivinhação, porque 2020 foi já o 3º ano mais quente desde que há registos em África, e o mais quente em todo o mundo, sendo os dois mais tórridos no continente sentidos na última década, em 2016 e 2019, respectivamente.
Para fazer face a estas ameaças, a OMM estima que os africanos vão ter de gastar anualmente entre 40 a 50 mil milhões de dólares norte-americanos para amortecer o impacto destes fenómenos.
Algumas das ameaças que pendem sobre o continente são a subida do nível do mar, afectando milhões de pessoas nas cidades costeiras mais expostas, o alargamento dos desertos, a redução dramática da área arável, a destruição acelerada das florestas, que são das poucas barreiras eficazes ao avanço da aridez, o desaparecimento de lagos e lagoas até aqui dados como certos e ainda o aumento das pragas de insectos, como as de gafanhotos, e doenças entre as populações humanas, algumas delas devido à redução dos habitats selvagens e da maior proximidade entre humanos e espécies selvagens.
O sul de Angola, recorde-se, é um exemplo claro do que significa o impacto das alterações climáticas enquanto factor de exponenciação dos perigos naturais, como a seca, que tem vindo, devido a fenómenos como o El Nino e La Nina, a observar a sua intensificação e duração, afectando cada vez mais pessoas e por mais tempo.
O sul de Angola, como o Novo Jornal noticiava aqui, é uma das regiões da linha da frente dos impactos das alterações climáticas devido, não só mas especialmente, aos efeitos dos fenómenos La Niña e El Niño.