Isso ficou evidente logo na baixa da capital, na zona da Vila Alice, nas avenidas Brasil, Deolinda Rodrigues, Hoji ya Henda, Cónego Manuel das Neves e nas ruas da Engenharia, da Missão, Major Canhangulo, Ngola Kiluange, marginal de Luanda e na Sagrada Esperança junto ao Campo do Felício, onde é visível que os amontoados de lixo persistem, resistindo à campanha popular de limpeza lançada pelo GPL.

No entanto, o director do gabinete de comunicação institucional e imprensa do Governo Provincial de Luanda, Ernesto Gouveia, garantiu ao Novo Jornal que "a megacampanha de recolha de lixo vai continuar" embora sem data prevista para o encerramento.

Ernesto Gouveia respondia depois de ser confrontado pelo NJ com os vários amontoados de lixo nas ruas da capital, resíduos domésticos espalhados pelo chão e ao longo da via pública, moscas e um cheiro nauseabundo quase já parte parte do cenário de muitas ruas e avenidas de Luanda.

Ao Novo Jornal Ernesto Gouveia, disse que a recolha não atingiu mais de 40 por cento de Luanda e que a campanha de recolha de lixo ainda não terminou e vai continuar sem data prevista para o encerramento.

"A recolha do lixo não atingiu mais de 40 por cento daquilo que está a ser produzido, vamos continuar a campanha porque o plano emergencial incluiu isso", disse, sublinhando que o GPL está à espera de mais meios para continuar com este trabalho.

"Estamos à espera de meios para ajudar a na campanha de recolha de lixo e há ainda as associações que assumiram a responsabilidade de avançar com as companhas de limpeza e que até ao momento não abraçaram a causa", afirmou.

De recordar que a governadora de Luanda, Joana Lina, durante uma conferencia de imprensa recente sobre este assunto, na Escola Nacional de Administração e Políticas Públicas (ENAPP), disse que a partir de Março, no ultimo Sábado e Domingo de cada mês, respeitando as regras impostas pela pandemia, vão ser repetidas estas campanhas de limpeza.

"Vamos promover e realizar trabalho comunitário e actividades voluntarias nas comunidades. Vamos fazer o bem pelo bem, expressar a nossa solidariedade pelo próximo, plantar alvores, limpar os bairros, cuidar dos jardins, cuidar das escolas, postos e centros de saúde contra o vandalismo crescente no País e na província de Luanda que, infelizmente, está a destruir os nossos bens comuns provocando danos materiais e financeiros incalculáveis", disse a governante.

Recorde-se que o GPL suspendeu em Dezembro de 2020 o contrato de prestação de serviços que mantinha com as seis operadoras de limpeza e recolha de resíduos sólidos, informou esta a governadora provincial, Joana Lina, em conferência de imprensa a 24 desse mesmo mês.

Das seis operadoras, quatro disponibilizaram-se a prestar serviço até 31 de Dezemebro enquanto as outras paralisaram as suas actividades de imediato, situação que levou a um acumular persistente de lixo doméstico por toda a cidade de Luanda.

A partir do primeiro dia do ano, ainda segundo explicou Joana Lina na ocasião, até à primeira quinzena de Janeiro, os trabalhos de limpeza e recolha de resíduos estariam assegurados pelas administrações municipais, distritais e pelas quatro empresas que se mostraram disponíveis em colaborar com o GPL.

Por detrás desta suspensão dos contratos está uma gigantesca dívida de 246 mil milhões de kwanzas fo GPL às empresas que garantiam a limpeza de Luanda.

Já a 12 deste mês, Joana Lina explicava em conferência de imprensa que a dívida total com as operadoras aumentava e nem sempre correspondia à qualidade do serviço prestado, levando a que não houvesse outra alternativa "senão falar com cada uma delas, explicar as dificuldades financeiras e a incapacidade de liquidar a dívida que já ascendia a 246 mil milhões de Kwanzas".

E acrescentou que "o tesouro nacional não estava em condições de liquidar a dívida, já que o valor disponibilizado, segundo as empresas não chegava para cobrir um mês de trabalho".

Joana Lina explicou que a situação do Governo Provincial de Luanda para pagar as dividas às empresas prestadoras de recolha de lixo e resíduos sólidos começou a tornar-se insustentável.

"As grandes operadoras, como a Queiroz Galvão, Vista Wast, Rota Ambiental, Nova Ambiental, Sambiente e Elisal, tinham assinado contratos com o GPL para um período de 7 anos, e a lei dos contratos públicos estabelece um período de vigência para 4 anos. O Tribunal de Contas, emitiu uma resolução determinando a redução do prazo e um deles não recebeu sequer o visto bom", referiu, destacando que, "em obediência à lei", que "é o critério maior de toda a nossa acção e à deliberação do Tribunal de Contas, não restou outra alternativa senão a de suspender os contratos com as operadoras concessionárias dos serviços de limpeza pública e avançar para um plano B".

Segundo Joana Lina, toda esta operação foi feita em perfeita concertação com o Ministério das Finanças e equipas conjuntas para apurar as dívidas reclamadas.

"Apesar do termo dos contratos, algumas empresas continuam a limpar a cidade no quadro da responsabilidade social. Mobilizamos várias empresas, algumas eram subcontratadas das operadoras para ajudarem a gerir a fase de transição", acrescentou.

A governadora fez saber ainda que o GPL vai tomar medidas com as empresas que estão a retirar os contentores de lixo das ruas da cidade de Luanda.

"Outras empresas optaram por retirar os contentores de deposição do lixo das ruas de Luanda em clara violação do previsto nos contratos. Por isso estamos a tomar todas as providências para que a legalidade seja resposta", avisou.

A governante anunciou que o GPL está a cumprir todos os procedimentos legais para lançar nos próximos dias novos concursos públicos para concessão do serviço público de limpeza com base no modelo aprovado a 20 de Dezembro de 2018, pela Comissão Económica do Conselho de Ministros, "o qual privilegia para efeitos de pagamento, a área efectivamente limpa", e "não o peso do resíduo depositado no aterro sanitário".

O lixo de Luanda e a Teoria das Janelas Partidas

A questão do lixo em Luanda, segundo alguns analistas, pode ser resolvida ou atenuada a partir da análise da Teoria das Janelas Partidas que foi experimentada em 1969 nos EUA e que esteve na base, anos depois, de uma das soluções mais inovadoras para o crime colossal na cidade de Nova Iorque.

Esta teoria consiste, em síntese, na ideia de que se uma zona da cidade estiver imaculada, limpa, sem lixo visível, os cidadãos tendem a mantê-la assim, mas se existir lixo no chão, a tendência é que as pessoas ali deixem os seus desperdícios domésticos.

Esta experiência sociológica foi realizada em 1969 por um professor da Universidade de Stanford (EUA), Phillip Zimbardo, que recorreu a duas viaturas idênticas mas deixadas em diferentes locais, uma zona pobre de Nova Iorque, o Bronx, e uma área rica, na Califórnia, Palo Alto.

No Bronx, a viatura foi rapidamente devassada, todo foi roubado ou destruído, mas em Palo Alto, o carro não foi tocado... até que um dos elementos da pesquisa partiu uma jaela da viatura e, desde esse momento, foi um ápice até à sua total destruição.

Daí resultou a conclusão de que o comportamento social pode ser modelado e foi isso que sucedeu em Nova Iorque, anos depois, quando a cidade vivia um período de grande violência e crime, tendo a municipalidade apostado em manter por algum tempo os bairros mais expostos a essa situação sem lixo, sem janelas partidas, reparando de imediato todos os equipamentos públicos e em semanas, a população local manteve esse registo, acabando o vandalismo e diminuindo de forma substancial a criminalidade e a violência.

Se esta teoria fosse aplicada em Luanda, na questão do lixo que os cidadãos largam em toda a dimensão da urbe, com o tempo, ao mesmo tempo que se lançaria uma campanha de sensibilização, focando os riscos para a saúde, a limpeza tenderia a ocupar o lugar da sujidade que é hoje evidente e se repete ciclicamente.