Tanto o Brent, em Londres, como o WTI, em Nova Iorque, iniciaram a sessão de hoje com fortes ganhos, trespassando barreiras simbólicas, como os 70 USD no caso do Brent e dos quase 67 USD no WTI, tendo chegado aos 66,97 USD.

Estes ganhos não são uma surpresa porque há largos meses que se sabe que à medida que o Sars CoV-2 vai perdendo fulgor, a economia planetária, primeiro nos países com campanhas de vacinação mais avançadas, e depois no resto do planeta, seguirá em sentido oposto, como, de resto, as organizações internacionais do sector, seja a OPEP+, que agrega os membros da OPEP e um grupo de desalinhados liderados pela Rússia, como a Agência Internacional de Energia, têm dito nos seus relatórios periódicos.

Há analistas que não têm dúvidas sobre uma subida ainda mais forte do valor do barril assim que a crise actual na Índia, onde estão a ser batidos recordes diários em número de casos e de mortes por Covid-19, estiver ultrapassada porque se trata do 4º maior importador de crude mundial e uma das mais robustas economias do planeta.

Mas, para já, é na Europa e nos EUA que está o epicentro dos ganhos no sector energético, com um crescente número de países a abrir de prolongados confinamentos e nos Estados Unidos, com o sucesso da campanha de vacinação lançada pela Administração Biden, a ter início uma robusta recuperação igualmente impulsionada pelos estímulos económicos na ordem dos milhares de milhões de dólares.

Estes dados estão a impor-se às más notícias que chegam da Ásia, desde Singapura a Taiwan, onde foram repostos severos confinamentos, mas especialmente da Índia, onde os analistas entendem é que o Governo de Narendra Modi está objectivamente a investir na vacinação da população - foram proibidas as exportações de vacinas e a Índia é o mais fabricante mundial -, sendo de esperar resultados para breve desse esforço.

E o mundo vai contar ainda com a disponibilização de vacinas pelos EUA, depois de Joe Biden ter anunciado que pelo menos 20 milhões serão enviadas para o exterior já no início de Junho, o que será um forte impulso à vacinação global e um sinal de que os EUA chegaram ou aproximaram-se fortemente da imunidade de grupo, o que sucede com pelo menos 70% da população imunizada.

E no Reino Unido foi "decretada" a abertura quase total depois de meses seguidos de confinamento rigoroso.

E se as razões para o optimismo que está a tomar conta dos mercados são conhecidas, ameaças são igualmente evidentes e passam por, no imediato, a esperada retoma das exportações do Irão, um dos grandes exportadores, o 5º em todo o mundo, que pode colocar no mercado até 2 milhões de barris por dia (mbpd) mas que pode chegar aos 5 mbpd.

Isto se, como se espera, chegarem a bom porto as negociações indirectas entre Teerão e Washington para o fim das sanções norte-americanas e o regresso dos americanos ao acordo nuclear que levou os iranianos a suspenderem, em 2015, o seu programa nuclear a troco do seu regresso à economia mundial com um forte aligeiramento das restrições que o antecessor de Joe Biden na Casa Branca, Donald Trump, reintroduziu de forma unilateral.

A acontecer este retomar das exportações iranianas, um dos pilares que sustentam a valorização actual do crude pode desabar. Isto é, os cortes estratégicos em curso no seio da OPEP+, cerca de 5,5 mbpd até Julho, sendo actualmente perto de 7 mbpd, podem ser enfraquecidos na sua eficácia se o Irão adicionar mais até 2 mbpd no imediato à produção global do "cartel".

Ameaças

Mas o pior pode estar ainda para chegar. O que a OPEP+, grupo a que Angola pertence, mais teme é que a indústria do petróleo de xisto, ou fracking, norte-americana volte a uma situação de produção a todo o vapor com a valorização do barril nos mercados internacionais.

Isto, porque o barril extraído através do fracking, que consiste na injecção de água e químicos no subsolo a elevada pressão e a grandes profundidades para implodir o xisto e daí extrair crude e gás, tem um elevado breakeven e só é viável, na maioria das explorações, a partir dos 70 USD.

Ora, com o mercado a pagar esse valor, esta indústria alternativa, fortemente implantada nos Estados Unidos, que permitiu mesmo a este país passar da condição de importador para exportador, apesar de ser o maior consumidor planetário, poderá estar a sair da penumbra para onde foi enviada pela crise pandémica.

E se isso suceder, mesmo com a retoma da economia global nesta saída da crise da Covid-19, a OPEP+ poderá ser obrigada a mexer nos planos de corte, o que pode implicar novas restrições à produção entre os seus membros, como é o caso de Angola, que luta de forma tenaz para aumentar a sua produção, essencial para a economia nacional que é, ainda, fortemente dependente desta matéria-prima.

Crude sob fogo cruzado

Mas o petróleo está claramente sob fogo e na mira do mundo aflito com os efeitos da poluição atmosférica sobre o planeta, com esforços jamais vistos na procura de reduzir o seu consumo, como o plasmado no Acordo de Paris, que obriga à sua quase anulação até 2050, ou ainda às cada vez mais severas restrições a que os hidrocarbonetos estão sujeitos.

A ONU, como têm sido disso prova os repetidos recados do seu Secretário-Geral, António Guterres, que insiste no objectivo "emissões zero" para combater o aquecimento global através da redução da emissão de gases com efeito de estufa, sendo essa a única forma de garantir que o Planeta Terra não aquece mais que 2 graus centígrados até 2100, temperatura a partir da qual a vida deixa de ter condições de subsistir tal como a conhecemos, podendo o "desastre" ocorrer muito antes se nada for feito para travar o consumo de combustíveis poluentes, sendo o crude o inimigo público nº1 neste capítulo.

Face a este cenário, reforçado pela advertência das Nações Unidas às instituições financeiras e bancos globais de que devem deixar rapidamente de financiar projectos poluentes e apostarem rapidamente nos projectos de reduzidas emissões de carbono e com garantia de serem amigos do ambiente, apontando António Guterres as baterias às infra-estruturas de apoio à extracção e uso de energia fóssil, lembrando que estas estão condenadas a ser financeiramente um erro evidente.

"Não podemos suportar mais grandes infra-estruturas no sector da energia fóssil", disse Guterres, sublinhando, num importante encontro sobre o clima em São Petersburgo, na Rússia, que são evidentes as provas de que "as energias alternativas e limpas são hoje um investimento mais seguro e reprodutivo do capital investido".

E isso parece ser já uma evidencia para as grandes casas financeiras e bancos com alguns deles, como a Goldman Sachs, a mudarem o azimute das suas atenções para outras áreas, no universo das energias limpas ou de baixa emissão de gases com efeito de estufa.

Outros casos são já mais que um sinal de que o petróleo deixou de ser visto com bons olhos pela banca mundial e que, na primeira oportunidade, esta salta do barco, o que não pode deixar de ser um evidente aviso para os países produtores, como Angola, de que é chegado o momento de diversificar as suas economias e afastá-las da dependência da extracção de hidrocarbonetos.

Um bom exemplo é a decisão do australiano Banco Macquarie que se retirou da exposição aos projectos de extracção de carvão e petróleo estabelecendo como meta para isso 2024, outro exemplo vem do Deutsche Bank que deixou, com efeito imediato, de financiar projectos na área do gás e do petróleo onde estava, como os do Árctico, ou ainda a Goldman Sachs, que também anunciou a retirada do financiamento nalguns projectos que tinha em carteira.

E o recado parece ter chegado longe

Pelo menos para as multinacionais do petróleo, isso é já evidente, como fica claro em declarações de alguns dos lideres do sector, sendo bom exemplo o que disse recentemente o CEO da Shell, Bem van Beurden, que entende ter o mundo já atingido o pico do consumo de crude e agora vai ser sempre a descer com a emergência das não-poluentes, enquanto a BP anunciou estar ciente de que as actuais reservas de crude "nunca serão esgotadas" porque as preocupações ambientais e as alterações climáticas estão claramente a afastar o interesse do petróleo.

Alguns analistas, como Alex Kimani avançou no OIlPrice, entendem que 2020 pode muito bem ter sido o ano em que tudo mudou no sector do petróleo e, em geral dos combustíveis fosseis, devido à mudança de paradigma em direcção às energias limpas, podendo mesmo, diz este especialista, mais de 900 mil milhões de dólares, o que corresponde a um terço do valor total das "majors" do crude e gás natural, estão em evidente risco de deixarem de ter qualquer valor.

Todavia, como este processo não tem paralelo na história da indústria das energias fosseis, é muito difícil para os analistas estimar com precisão o momento em que o mundo estará livre da dependência do crude e do gás natural ou mesmo do carvão.

Por isso, alguns analistas notam que existe o risco de as "majors" deixarem de investir na busca de novas reservas e as actuais estarem esgotadas sem que a transição energética esteja concluída, o que poderia levar, ironicamente, a uma explosão do valor do barril nos mercados para patamares jamais vistos.

Um sinal de que isso pode estar a suceder já está disponível nos relatórios internos do chamado "big oil", ou grandes companhias, que já observam um volume de redução das suas reservas superior à sua substituição por novas descobertas devido ao evidente desinvestimento, como o demonstrou a norueguesa Rystad, que disse que as cinco "majors", a ExxonMobil, a BP, a Shell, a Chevron, a Total e a ENI já não estão a repor o que extraem com novas descobertas em mais de 15% ou o equivalente a 13 mil milhões de barris, o que quer dizer que, em 15 anos, estas reservas estarão secas.

E Angola surge como um dos países onde esse desinvestimento parece estar já a afectar fortemente a produção do País, visto que esta tem estado a cair de forma pesada nos últimos anos, passando em cerca de uma década de 1,8 mbpd para os actuais, em queda acentuada, 1,2 mbpd.

Ameaça sobre Angola...

Mantém-se no horizonte uma séria ameaça sobre a produção angolana de crude, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...

O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.

A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.

Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.

Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.

O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.

Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.

E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.

O alerta da Carbon Tracker

Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.

Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.

O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.

Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.

A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.

Ainda assim...

A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.

As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.

Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.

Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.

Para já, com o barril na casa dos 70 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 31 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.

O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.

E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.