Foi mesmo o crescente número de casos da infecção gerada pelo Sars CoV-2 na Índia e no Brasil, mas também no Japão e na Turquia, e uma ligeira ameaça no continente africano de uma nova vaga pandémica, que bloqueou, para já, aquilo que muitos analistas crêem ser inevitável: um boom económico planetário como resultado da saída da crise gerada pela doença.
E a um boom económico junta-se, sempre, um boom na procura de crude e gás natural, o que é o mesmo que dizer que o valor do barril vai acompanhar este cenário efervescente, até porque tudo se conjuga para ser assim.
OU seja, um desconfinamento gradual mas abrangente nas grandes economias mundiais, um dólar fraco face ao cabaz de divisas mais relevantes, o que permite a compra menos onerosa do barril em termos comparativos entre moedas, as duas maiores economias globais, EUA e China, mostram sinais evidentes de forte crescimento e a OPEP+ não dá indicações de se querer afastar do plano traçado há um mês para a retoma paulatina da produção.
Depois de na quinta-feira o barril de Brent, no fecho da sessão, ter chegado aos 68,90 USD, um valor que já não se via há seis semanas, quando, a 12 de Março esteve por algumas horas nos 69,22 USD, mas que representa uma forte recuperação face a valores médios dos últimos meses de 2019, antes da "explosão" da Covid-19, no início de 2020, a partir da China, onde esteve largos períodos a rondar os 60 USD, quase menos 10 que aquilo que surge nos gráficos por estes dias.
O que, se se olhar para o petróleo como uma referência sólida para medir a temperatura à economia mundial, isso significa que a "febre" pandémica já passou e que o mundo está agora a sair do longo e escuro túnel que atravessou nos últimos 14 meses, mesmo que ainda permaneçam algumas ameaças nas esquinas do advir breve.
Este cenário é o que de melhor as economias petrodependentes, como a angolana, mas também a nigeriana ou até a saudita, poderiam esperar devido à crise que a pandemia ajudou a aprofundar num contexto em que o problema da desvitalização económica destes países já se prolongava desde meados de 2014, quando o barril mergulhou dos 100 USD por barril, acabando mesmo abaixo dos 30 USD no início de 2016.
Isto gerou, como tem sido notório em Angola, mas não só, uma perda de vigor no sector e no desinvestimento das "majors" que operam no offshore angolano, levando a um semi-abandono da infra-estrutura petrolífera que se agravou com a Covid-19, a ponto de em 2020 ser notada apenas uma única unidade flutuante de pesquisa (perfuradora) quando, noutras alturas, estas seriam entre quatro a cinco.
A isso juntou-se como consequência natural uma baixa relevante na produção nacional, que, dos 1,8 milhões de barris por dia (mbpd) em 2008/09, acabou nos actuais 1,22 mbpd e em declínio constante, havendo mesmo estimativas geradas em organismos internacionais que admitem que Angola possa estar a produzir menos de 1 mbpd nos próximos três anos, apesar de ser igualmente reconhecido que o Executivo tem estado a fazer um esforço gigantesco para contrariar esta tendência, através de nova legislação e incentivos fiscais para as companhias do sector.
Mas, no entanto, com este novo contexto, onde as melhorias nos mercados são evidentes, graças à saída aparente da crise pandémica, pelo menos um alívio temporário nas contas públicas está garantido.
O Brent, que serve de referência para as exportações angolanas, estava hoje, perto das 10:00 de Luanda, a perder mais de 0,63%, para os 68.13 USD por barril.
Recorde-se que a OPEP+ tem em curso um plano de retoma da produção até Julho na casa dos 1,1 mbpd, com mais 350 mil bpd em Maio, 350 mil em Junho e 400 mil bpd em Julho, que foi forjado com base nas perspectivas existentes de aumento na procura com a diluição universal da pandemia como factor castrador do consumo.
Mas a ameaça sobre Angola...
... mantém-se no horizonte, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...
O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.
A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.
Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.
Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.
O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.
Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.
E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Ainda assim...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 68 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 29 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.