A ventania aparentemente menos agressiva para a produção de crude nos EUA e no México do "ida", que, apesar de tudo, obrigou ao fecho de dezenas de plataformas, não é a única razão para a perda de vigor na cavalgada que o petróleo vinha fazendo há pelo menos duas semanas: uma possível aproximação diplomática entre a Arábia Saudita e o Irão, os grandes e mais poderosos inimigos do universo islâmico do Médio Oriente, está igualmente a acalmar os mercados.
É em Bagdad que pode estar a ocorrer uma histórica aproximação entre Teerão e Riade, após a convocação, pelo Governo iraquiano, de uma Cimeira do Médio Oriente, onde estão também o Kuwait, Egipto, Jordânia ou, entre outros países da região, o Qatar. E, como carta fora do baralho, mas com fortes interesses na região, o Presidente francês, Emmanuel Macron, parece estar a apostar fortemente num resultado positivo porque o próprio voou para a capital iraquiana.
Tudo isto resulta num abrandamento das sucessivas subidas do valor da matéria-prima há quase 20 dias porque a tensão de décadas entre iranianos e sauditas, que, para além das distinções políticas, têm na religião - o Irão como mais importante país do ramo xiita e a Arábia Saudita, do lado sunita - a razão da faísca que alimenta as chamas da tensão político-militar no Médio Oriente e em especial no Golfo Pérsico, por onde é transportado mais de 20% de todo o crude consumido no planeta. E esta fonte de possível ignição pode estar, senão a desaparecer, pelo menos a alargar o espaço entre o dedo e o gatilho.
Estas são as duas forças motrizes que estão a exercer pressão sobre o barril de Brent que, hoje, abriu a semana, nos contratos para Outubro, a subir para os 73,70 USD mas, depois do furacão ter chegado a terra, iniciou um período de perdas fixando-se, apesar de tudo, acima dos 72 USD, nos 72,39 USD, mais 0,47% que no fecho da sessão de sexta-feira, perto das 09:20, hora de Luanda, ao mesmo tempo que em Nova Iorque, à mesma hora, mas para entregas em Setembro, o barril valia 68,03 USD e com igual tendência de perdas depois de um início se sessão com ganhos.
Os especialistas citados pelas agências sublinham que ainda é cedo para se ter uma "full picture" dos efeitos do "ida", tendo Vivek Dhar, analista de commodities australiano, citado pela Reuters, notado que uma oscilação, especialmente nos refinados, é ainda possível depois de se perceber até que ponto a retoma na produção das plataformas e nos oleodutos foi afectada pelos ventos que os fustigaram nas últimas horas.
A Reuters avança ainda que, com a chegada do furacão de categoria 4, num máximo de 5, a produção de crude foi interrompida pelas companhias que operam no Golfo e, 95%, retirando momentaneamente de circulação perto de 1,75 milhões de barris por dia, sendo que esta área é responsável por quase 20% da produção total de petróleo nos EUA, a maior economia do mundo e um dos três maiores produtores, com Rússia e Arábia Saudita.
O milagre diplomático de Bagdad
O que se espera em Bagdad não é menos que um milagre diplomático mas é isso mesmo que o Iraque pretende com uma Cimeira que pode ser histórica e ter um impacto gigantesco no curso do negócio do petróleo ao sentar à mesma mesa sauditas e iranianos, com diversos actores regionais presentes, como o Kuwait, do Egipto, do Qatar, Jordânia e Turquia, tendo como protagonista de fora o Presidente francês Macron.
Esta Cimeira regional ocorre depois de o Iraque ter conseguido manter conversações bilaterais secretas entre sauditas e iranianos, países que estavam há vários anos de relações cortadas e com permanentes fontes de tensão abertas, inclusive com ameaças de guerra, o que era, e ainda é, uma relevante razão para sucessivas crises nos mercados petrolíferos.
O resultado desta Cimeira do Médio Oriente é de difícil antecipação e, por isso, tem estado fora das conjecturas dos analistas dos mercados petrolíferos, mas uma coisa é certa: se Riade e Teerão acertarem agulhas sobre o papel de cada um nesta estratégica região e isso levar a uma baixa de tensão, os efeitos sobre o valor do crude nos mercados pode ser de uma enorme relevância para os países da OPEP, como é o caso de Angola.
Isto, porque a dependência do petróleo é de tal monta nestes países, nomeadamente Angola, como se sabe há muito e a ministra das Finanças, Vera Daves, acaba, em entrevista ao Novo Jornal, de colocar numa nova e ilustrada perspectiva assumindo que se o sector petrolífero se movimentar contra o País "toda a economia entra em stress", que o impacto no médio prazo pode ser impossível de esconder.
A tensão no Médio Oriente é uma das grandes fontes de oscilações no valor do barril e as economias que dependem da exportação da matéria-prima, embora não o assumam, vivem momentos de exultação económica sempre que uma nova crise emerge do caldeirão do Golfo Pérsico e, com esta iniciativa iraquiana, o leque de possibilidades para crises diminui substancialmente.
Os analistas, para já, admitem que os dois países querem e facto chegar a um entendimento que permita afastar os grandes obstáculos mas só com o decorrer dos trabalhos, que estão a ser acompanhados, além dos já citados, por elementos do Conselho de Segurança da ONU, da Liga Árabe, do G20 e do Conselho de Cooperação do Golfo, será possível perceber o que será o futuro nesta região estratégica para a economia mundial.
Este encontro histórico das duas grandes famílias do Islão no Médio Oriente é fruto dos esforços diplomáticos do primeiro-ministro iraquiano, Mustafa Al-Kadhimi, que visa ainda arrefecer a crise no Líbano, essencialmente económica, mas igualmente com razões políticas por detrás, ou o problema do acesso à água na vasta região, que, a prazo, tende a ganhar maior dimensão como foco potencial de conflitos regionais - como, de resto, já o é no conjunto dos problemas que envolvem Israel.