Como elemento de acção neste filme surge outro protagonista, pouco dado a protagonismos, que é a Índia, onde as sanções norte-americanas às companhias que importam e transportam crude russo, estão a desviar a máquina refinadora indiana de Moscovo para Washington.
É, provavelmente, um dos primeiros impactos ruidosos de sanções ocidentais na plêiade de alternativas que a Rússia encontrou para diversificar as suas exportações depois dos primeiros pacotes sancionatórios a Moscovo no âmbito da guerra na Ucrânia.
Como artista secundário para este melodrama diário aparecem muitos candidatos, desde logo a perda de robustez do dólar norte-americano, porque, como bem se sabe, esta ainda é a moeda franca mundial para este negócio e as suas oscilações influenciam o valor do barril.
Para as grandes economias mundiais, como a China, a maior importadora e segunda maior do mundo, os EUA, maior consumidor e maior economia global, e a Índia, o 3º maior importador de crude planetário, o mais relevante é perceber como podem evoluir os mercados.
Mas não o é menos para os países com economias petrodependentes, como a angolana, para quem as oscilações nos mercados impactam fortemente a flexibilidade da gestão dos respectivos governos, desde logo na disponibilidade de divisas e no pagamento das dívidas.
Neste sobe e desce, o barril de Brent, que é a referência principal para as ramas exportadas por Angola, começou o dia a perder vigor, depois passou para o verde, e já perto das 15:00, hora de Luanda, estava a valer 86,46 USD, menos 0,4% que no fecho da sessão anterior.
De notar que, apesar das oscilações frequentes ao longo do dia, o Brent nunca deixou a banda dos 86 USD, sendo as diferenças na ordem dos cêntimos.
Nas próximas horas pode, contudo, emergir uma ligeira mudança de foco, porque a Rússia, que é o 3º maior produtor e o 2º maior exportador mundial, vai, finalmente, segundo a Reuters, vai impor às suas companhias petrolíferas a adequação aos compromissos no seio da OPEP+.
Isto, porque, no âmbito da estratégia da OPEP+ para manter os preços equilibrados, que passa, sobretudo, pela gestão dos níveis de produção, com cortes substantivos em curso desde 2017, mas com gume mais afiado desde 2020, a Rússia ainda não tinha, este ano, dado os passos esperados.
Ou seja, reduzir a sua produção diária para os 9 milhões de barris por dia (mbpd), enquanto os analistas da Goldman Sachs, citados pela Reuters, apontam para uma retirada forçada de 900 mbp de crude refinado devido aos ataques ucranianos às suas refinarias.
Apontando a bússola sensível dos mercados para Gaza, depois de o Conselho de Segurança ter, pela primeira vez, com a abstenção dos EUA, aprovado, na segunda-feira, 25, uma resolução que exige um cessar-fogo a Israel, algum sossego se pressentiu nos gráficos sempre nervosos.
Porém, com o passar das horas, percebeu-se que Governo israelita de Benjamin Netanyhau voltou a ignorar o Conselho de Segurança da ONU e ainda mais os ralhetes dos EUA, com novos e ainda mais infames ataques contra civis em Gaza, havendo nota de mais de 70 mortos numa única noite, de ontem para hoje, largando no ar, de novo, um odor de pânico.
Isto, porque o que se passar em Gaza influirá sobremaneira a questão da navegabilidade no Mar Vermelho e no Canal do Suez, sob fogo dos rebeldes Houthis, do Iémen, solidários com o povo palestiniano.
E as contas de Angola? Essas são simples de fazer...
Apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 86 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.