Ao final da tarde de sexta-feira, o barril estava a ser vendido em Londres, onde o Brent molda o valor das exportações angolanas, acima de 77 USD, um valor unanimemente considerado bom para o deve e haver das contas públicas nacionais, bastando, para o provar, a ideia revelada nos primeiros meses de 2017 pelo então ministro dos Petróleos, Botelho de Vasconcelos, que considerava muito razoável que o crude chegasse aos 60 dólares.
Nessa altura, quando a Organização de Países Produtores de Petróleo (OPEP) acabara de lançar um plano de cortes, associando-se à Rússia e mais 11 produtores não-membros do "cartel", de 1,8 milhões de barris por dia (mbpd), o preço ainda estava a sair do pântano em que caíra a meio de 2014, onde iniciou a queda para os assustadores 29 USD/barril em Fevereiro de 2016, deixando muito para trás os consoladores 147 USD por barril de Junho de 2008, mantendo-se, desde aí, sempre acima dos 100 USD até começar o tombo.
Mas o facto é que 60 USD/barril era, no ano passado, um bom número para o Governo angolano, tendo, depois disso, muito mudado, e o barril escalou de forma significativa até ultrapassar os 80 USD a meio deste ano, balançando actualmente claramente acima dos 75. E é de lembrar que há quem preveja valores muito acima destes até 2020, como pode ler aqui.
Para as contas publicas nacionais, o valor actual representa um "bónus" considerável porque, apesar de ser circunstancial, já se mantém desde o início do ano e o Orçamento Geral do Estado foi elaborado com base no barril a 50 USD, permitindo, entre outras urgências, ocorrer à dívida pública galopante, ajudando à política cambial do Executivo de João Lourenço e a garantir maior flexibilidade ao sector produtivo que tem agora mais garantias de conseguir sair do sufoco provocado pela escassez de divisas que impedia a importação de matéria-prima essencial.
Mas não chega ainda. Pelo menos é o que diz o Ministério das Finanças, sob o argumento de que ainda não houve tempo para tapar todos os buracos provocados pela grave crise, a mais grave crise que Angola já vivenciou desde o fim da guerra, em 2002, pelo menos, iniciada em 2014.
Especialmente no sector petrolífero, onde o afastamento preventivo das multinacionais estancou o investimento na pesquisa e produção, mas também na manutenção das infra-estruturas petrolíferas, a mesma razão que a Agência Internacional de Energia (AIE), no seu relatório de perspectiva para 2018, estima que a produção angolana vai assisti a uma quebra pujante, passando, em cinco anos, ate 2023, de à volta de 1,6 mbpd actualmente para escassos 1,29 mbpd.
Isso mesmo surge agora a ser assumido pela tutela do sector em Angola, com o director do Gabinete de Estatísticas do Ministério das Finanças, Osvaldo João, a sublinhar a importância, face à evidência desse cenário, de diversificar as fontes de financiamento para a economia nacional onde decorre um importante esforço para conduzir com sucesso os projectos e programas embutidos no PDN (Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022).
O "efeito prolongado da queda do preço das matérias-primas nos mercados internacionais", notou, exige esse esforço em Angola e noutros países produtores e foi nesse contexto que surgiu, primeiro o pedido de assistência técnica ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e, agora, o avanço para um pedido de assistência financeira, que vai até aos 4,5 mil milhões de USD, divididos em tranches de 1,5 mil milhões ao longo dos próximos três anos.
FMI e petróleo em alta, a conjugação perfeita?
Para alguns economistas, a resposta a esta questão é que sim, sendo um deles o professor da Faculdade de Economia da Universidade Católica de Angola, Carlos Rosado de Carvalho, que entende que "o Governo fez muito bem" em pedir dinheiro ao FMI.
"O Governo fez muito bem. Tinha de se sujeitar às condições do FMI. Duvido que conseguisse melhores juros do que os do FMI. Estivemos a 'eurobonds' a pagar uma taxa de 9% e creio que, recorrendo ao FMI, os juros serão muito mais baixos", disse o economista, acrescentando que acresce a isso o facto de a chegada do FMI nas condições que estão a ser negociadas "é bom para a credibilidade do país".
Mas, enquanto responsável por mais de 90 por cento das exportações angolanas, o preço do crude nos mercados internacionais é ainda decisivo no equilíbrio das contas nacionais.
E as perspectivas actuais no cenário internacional é propício aos interesses de Angola, desde que as quebras na produção local não sejam demasiado aflitivas, devido a um conjunto alargado de factores, que vai da crise entre os EUA e o Irão por causa do acordo nuclear e a imposição de novas sanções, entre estas o bloqueio às exportações de petróleo já a partir de Novembro mas com efeitos já em campo.
Ou ainda a guerra comercial entre a Administração de Donald Trump e a China, para não falar da prolongada crise venezuelana, cujo Governo caótico de Nicolas Maduro atirou toda a infra-estrutura petrolífera do país para o enferrujamento e, como cereja no topo do bolo, pelo menos para países produtores de crude, a inesperada mas significativa descida dos stocks norte-americanos, que na passada semana desceram quase abruptamente. Tudo isto levou a que o barril subisse cerca de 10 por cento em apenas duas semanas.
E é neste contesto histórico que esta semana, segunda e terça-feira, tem lugar em Pequim, China, o Fórum para a Cooperação África-China (FOCAC), onde o Presidente João Lourenço vai estar à frente de um delegação composta por vários ministros e técnicos, e para o qual são aguardadas informações sobre os projectos de investimento chineses no continente, especialmente, como vinca a agenda da "Cimeira", na área das infra-estruturas, Agricultura, Ciência e Tecnologia.
Com um encontro bilateral com o seu homólogo chinês, Xi JInping, na agenda, João Lourenço, como já foi admitido por alguns media nacionais, pode ainda estar a preparar novos pacotes de ajuda financeira de Pequim, para além de alargar o horizonte da cooperação que já é uma das mais intensas entre o gigante asiático e um país africano, e que já abrange, segundo números oficiosos, mais de 21 mil milhões de dólares, embora outras fontes apontem para valores substancialmente mais elevados.
Estratégia sem precedentes
João Lourenço partiu ontem para participar no III Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que decorre em Pequim e sobre o qual a China-Lusophone Brief, unidade de análise sobre a China e os países de língua portuguesa, destacava, no passado dia 17 de Agosto, que a participação de Angola está inserida numa "estratégia sem precedentes" do Governo de Luanda para atrair mais crédito e investimento estrangeiro.
Segundo os analistas da CLBrief, a estratégia do Governo angolano vai centrar-se na conclusão das conversações com as autoridades chinesas para um novo programa de financiamento, incidindo sobre os projectos e montantes que a China pode prover.
No âmbito dessas negociações, a dívida de Angola à China poderá sofrer um agravamento de 15,5 mil milhões de dólares, conforme o NJOnline noticiou, no final de Maio.
O novo crédito chinês será disponibilizado através de duas instituições financeiras: o Banco Internacional e Comercial da China, de onde sairá a maior fatia, no valor de 13 mil milhões de dólares; e o Banco Chinês de Export-Import, que cederá os restantes 2,5 mil milhões de dólares. Neste segundo caso, o dinheiro permitirá financiar a construção da estrada da Corimba, obra orçada em 690,2 milhões de dólares; o sistema de transporte de electricidade da Barragem de Luachimo, na província da Lunda-Norte, despesa estimada em 760,4 milhões de dólares; e a edificação da futura Academia Naval de Kalunga, Porto Amboim, avaliada em 1,1 mil milhões de dólares.
Angola vai marcar presença na FOCAC com uma comitiva de peso, chefiada pelo Presidente da República, João Lourenço, e integrada pelos ministros de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, das Finanças, Archer Mangueira, e dos Transportes, Ricardo de Abreu, bem como pelo novo secretário do Presidente da República para os Assuntos Económicos, Alcino da Conceição.