Na quinta e sexta-feira, o mundo foi surpreendido com uma fuga de gravidade ainda por apurar, embora a força de combate da NATO e dos EUA nos media ocidentais se tenha apressado a procurar reduzir a seriedade do problema, tendo mesmo procurado culpar a Rússia de falsificar os documentos, com planos para a contra-ofensiva ucraniana, calendários e mapas das operações militares com apoio ocidental, etc.
Hoje, quando ainda se procurava congelar o efeito devastador da fuga no Twitter e no Telegram, a mais importante rede social russa, The New York Times (NYT), que já tinha servido de plataforma de divulgação da primeira parte deste escândalo - terá uma terceira? -, volta à carga e divulga outra série de documentos sensíveis, que foram parar às mesmas redes sociais, aumentando em densidade e gravidade o pesadelo em que mergulhou nas últimas horas o Pentágono e a Casa Branca.
A primeira conclusão desta nova ronda de documentos expostos é que ninguém pode dizer ao certo quando é que esta novela vai acabar e durante quanto tempo estará a ser transmitida nas redes sociais, expondo a fragilidade da segurança informática das secretas da maior potência militar do mundo.
Um especialista em intelligentsia contactado pelo NYT já disse que se trata de um pesadelo para os serviços de segurança ocidentais, porque esta fuga tem mais de 100 documentos a correr pelas redes sociais em todo o mundo, e já, claramente, a serem analisados por todos os governos e organizações, incluindo grupos terroristas.
Como na fuga anterior, também esta está a ser sujeita a uma barreira de comentadores simpáticos para o ocidente nos media europeus e norte-americanos procurando esfumar a gravidade desta exposição com a ideia de que a sua veracidade ainda não está totalmente comprovada, podem ser reais na origem mas com o seu conteúdo manipulado para servir os interesses dos autores do furto, etc.
Apesar de mais vasto tanto na geografia abrangida como na temática, no entanto esta fuga contém igualmente importantes documentos sobre a guerra na Ucrânia, especialmente no que diz respeito à batalha intensa em Bakhmut, onde russos parecem estar a ganhar terreno face às forças ucranianas.
Provavelmente, apesar de menos mediaticamente relevado, a questão da China é ainda mais relevante, porque, segundo o NYT, esta fuga expõe a visão dos EUA sobre o Índo-Pacífico e as ameaças militares ali presentes com origem na China e Taiwan - onde está em curso uma nova e grave crise militar -, mas também sobre o Médio Oriente, onde Washington parece estar a perder o pé, depois da aproximação do Irão, o maior inimigo dos EUA no Médio Oriente, à Arábia Saudita, o maior aliado na região dos Estados Unidos, promovida por Pequim e por Moscovo.
Como da primeira vez, o Pentágono afirma que está a investigar com profundidade esta fuga e os documentos para atestar da sua veracidade, se foram manipulados, etc, além de estar em curso uma gigantesca operação para expurgar todos estes documentos das redes sociais, embora isso de pouco valha porque quem neles tinha interesse já fez cópias há muito tempo.
Mas o mais relevante para a Casa Branca é saber quem esteve por detrás desta fuga, se foi um serviço realizado a partir do exterior ou se foi alguém do interior do sistema de inteligentsia norte-americana que os atirou para a praça pública, o que parece ser o caso, porque muitos destes documentos aparentam terem simplesmente sido fotografados com um telemóvel e divulgados como fotografias.
As teses em consideração mais verosímeis pelos analistas passam por três pontos, primeiro, a possibilidade de se tratar de uma fuga interna com o objectivo de criar dificuldades aos democratas e à Administração Biden, em segundo, uma operação de pirataria informática protagonizada por adversários dos EUA, e em terceiro, tratou-se de uma operação de desinformação/deceção das secretas norte-americanas, que espalharam estes documentos para desviar as atenções ou criar surpresa na guerra da Ucrânia e estes últimos com referências à China e ao Médio Oriente servem apenas para adensar essa dúvida.
"São verdadeiros", diz Agostinho Costa
Sobre este momento periclitante para os EUA/NATO e as forças ucranianas no terreno, o major-general Agostinho Costa, analista militar da CNN Portugal, sublinha, no caso dos primeiros documentos expostos, têm fortes indícios de que são verdadeiros.
No que diz respeito às baixas, "essencialmente expõem a informação que Washington recebe do lado ucraniano", conferindo-lhe assim idoneidade.
"Se do lado ucraniano, sabe-se que os documentos têm a precisão sobre as baixas, que são oito vezes superiores às russas, dada pela informação ucraniana enviada para os EUA, mas não se conhecem as fontes para os dados relativos ao número de baixas russas", acrescentou.
Sobre a parte onde os documentos mostram o lado organizacional da guerra, Agostinho Costa entende que o mais importante é que eles mostram que, "no essencial, o planeamento da guerra é feito do outro lado do Atlântico", ou seja, nos Estados Unidos.
E nota ainda que é também importante ter em conta que estes ficheiros e mapas mostram de forma clara, apesar de se tratar de informação datada a 01 de Março, a disposição das forças ucranianas no terreno, mostram a "heterogeneidade das brigadas ucranianas", que são, como "se confirma agora, porque já se sabia, compostas por material diversos e de diferentes proveniências", o que pode gerar dificuldades logísticas acrescidas.
Enquanto isso...
... em Bakhmut (Artiomovsk, para os russos), onde se desenrola, a par de Adviika, uma das batalhas mais sanguinárias na Europa desde a II Guerra Mundial, as forças russas, do Grupo Wagner, considerados mercenários no ocidente, vão ganhando posições atrás de posições e, como sublinha o coronel Mendes Dias, comentador para assuntos militares da CNN Portugal, já só resta uma pequena parte ocidental da urbe sob domínio ucraniano.
Este ponto é importante porque o Presidente Zelensky admitiu publicamente que a queda de Bakhmut para os russos seria uma estrondosa derrota para os ucranianos e poderia definir o futuro deste conflito, porque abriria o caminho, quase sem oposição, aos tanques de Moscovo para Sloviansk e Kramatorsk, as duas últimas cidades de Donetsk por conquistar por Moscovo.
E é face a este cenário pouco abonatório para os desígnios ucranianos que Volodymyr Zelensky esteve na quarta-feira em Varsóvia, capital da Polónia, onde disse estar à espera com afinco pelas novas remessas de armamento ocidental, bem como o que ainda falta de blindados pesados Leopard-2 e Chalenger-2, bem como os aviões de guerra, para avançar com a tão aguardada contra-ofensiva com a qual Kiev quer brindar os aliados ocidentais da NATO com uma vitória que mude o curso da guerra e a termine rapidamente, como parece ser, cada vez mais, o desejo desses mesmos aliados, quase todos submersos em crises económicas severas e com crescente contestação popular ao apoio a Kiev.
Entretanto, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, estão por estes dias em Pequim, com a questão da guerra na Urânia no topo da agenda, embora, aparentemente, sem grande sucesso nos objectivos definidos antes da partida, que seria pressionar a China para mudar a agulha do seu relacionamento estratégico com a Rússia.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.