Foi na segunda-feira que, por volta das 19:00 locais, Donald Trump deixou o hospital militar Walter Reed, em Washington, forçando as equipas médicas a adequar a sua linguagem técnica às ordens do Presidente, admitindo que esta saída só era minimamente razoável porque o paciente mais famoso em todo o mundo da infecção provocada pelo novo coronavírus tinha à sua espera, na Casa Branca, vigilância médica altamente especializada 24 sobre 24 horas, de forma a garantir o melhor apoio em caso de necessidade.

Com essa retaguarda assegurada, Donald Trump foi lesto a minimizar a importância da infecção pela Covid-19, mesmo em cima da sua condição de obeso e dos seus 74 anos, duas das mais comuns condições de risco, pedindo aos concidadãos para não se deixarem intimidar pela doença, afirmando mesmo que "não há nada a temer" de uma doença que já matou mais de 200 mil norte-americanos e mais de 1 milhão em todo o mundo.

Com este gesto, Donald Trump acabou por destroçar todos os protocolos médicos em uso no mundo, e nos EUA também, preferindo manter o seu discurso de minimização da patologia, deixando no seu rasto, a caminho de "casa", um conjunto de frases que os médicos especialistas citados pela imprensa norte-americana rapidamente considerarem de extrema gravidade.

Como estas: "Vamos voltar para casa., para o trabalho"; "Vou estar na parte da frente, como vosso líder tenho de fazer isto"; "Sei que existe algum risco, mas tenho de fazer isto", disse, citado pela CNN, que o caracteriza como uma espécie de guerreiro destemido pronto a enfrentar o mais perigoso dos demónios, replicando-se a si mesmo, atirando ainda que "ninguém que seja um líder deixaria de fazer o que eu fiz!".

Trump deixou o hospital pelo seu pé, com uma simples máscara facial, embora a tenha tirado quando chegou a casa, à Casa Branca, a sua residência oficial enquanto Presidente dos EUA, sendo, todavia, portador activo do vírus, mas com alta hospitalar justificada pelos médicos como obedecendo aos requisitos oficiais para isso.

Joe Biden: "É um irresponsável!"

Face a esta situação de evidente risco, e de desafio às normas vigentes em todo o mundo, o candidato democrata às eleições de 03 de Novembro, Joe Biden, considerou, numa entrevista aos media locais de Miami, onde esteve em campanha na segunda-feira, que o Presidente foi "irresponsável".

Isto, porque, como recordou Biden, Donald Trump pode e deve ser considerado responsável pela sua infecção, desvalorizando o risco da doença mas também a questão da segurança nacional porque o Presidente dos EUA não pode deixar-se infectar por clara e evidente irresponsabilidade ao recusar a importância do uso da máscara.

"Qualquer pessoa que apanhe o vírus porque diz simplesmente que as máscaras não são importantes e que o distanciamento social não importa, é responsável pelo que lhe acontece", disse Biden, acrescentando que, no caso de Trump, é ainda "irresponsável porque se trata do Presidente".

Pouco depois de Trump ter deixado o hospital, Joe Biden procurou reganhar algum espaço mediático que a doença de Trump lhe retirou ao concentrar em si toda a atenção dos media de todo o mundo.

O ex-vice-Presidente de Barack Obama, que antes desta nova situação seguia liderar as sondagens, sublinhou igualmente a ideia de que existe "falta de transparência" sobre o real estado de saúde do Presidente dos EUA, que a informação não foi libertada como deveria no caso em questão por se tratar do inquilino da Casa Branca.

E isso mesmo parece coincidir com a generalidade das notícias publicadas nas últimas horas em praticamente todo o mundo, onde se nota a "desinformação" sobre o boletim clínico de Trump, se teve ou não quebras no oxigénio, se foi reanimado, ou se chegou sequer a ser contaminado, como, por exemplo, entre muitas outras figuras destacadas, o cineasta Michael Moore disse publicamente duvidar da veracidade.

As dúvidas

Os norte-americanos, quando falta cerca de um mês para a ida às urnas, onde Trump se vai bater com Biden para um segundo mandato, estão, segundo a generalidade dos relatos nos media do país, sem poder garantir a 100% se o seu Presidente está ou não doente com gravidade ou até se está, de todo, doente, porque as dúvidas surgiram de imediato e alguns pesos-pesados da sociedade norte-americana, como o conhecido cineasta Michael Moore, mostram fortes dúvidas sobre se se trata ou não de um esquema criado para lidar com as suas dificuldades na campanha, onde vai atrás do adversário em todas as sondagens.

O cineasta acha que Trump e os seus conselheiros eleitorais procuram, através da encenação da doença, um impulso extra para as sondagens e, logo a seguir, criar condições para adiar o pleito eleitoral para conseguir recuperar do atraso que leva nas intenções de voto.

Esquema para adiar eleições?

Vai ou não haver efeitos pesados na campanha para a corrida de Novembro à Casa Branca? Um deles é já evidente: Trump , de 74 anos, não poderá voltar a dizer que a sua condição física "excepcional" lhe confere vantagens sobre Biden, de 77, a quem não se cansou, na campanha até agora feita, nem no debate entre os dois, de sublinhar que chamar velho e cansado e fragilizado, exigindo mesmo um teste ao consumo de drogas porque acreditava que o democrata já mal conseguia caminhar, quando mais aguentar a pedalada exigida pela campanha eleitoral.

E se deixar o hospital poderá voltar à rua, nos próximos dias, mantendo o risco de ser ainda portador do vírus? A estas perguntas, só o tempo dará resposta.

Mas os analistas admitem que esse poderá ser o "A de trunfo" na sua manga, que é dizer que já está com saúde sólida mas que não pode ir para a rua fazer campanha porque ainda se mantém o risco de contágio, o que pode enquadrar uma razão para pedir um adiamento das eleições.

Isto tem especial importância porque o atraso que leva para Joe Biden ainda pode ser recuperado, mas o seu maior inimigo neste momento é mesmo o calendário...

Por outro lado, os seus adversários poderão ter mais tempo para diluir o efeito "sentimental" da doença e reforçar a ideia de que o Presidente foi vítima da sua irresponsabilidade porque sempre fez questão de minimizar a importância da doença, gozando mesmo com Biden por andar sempre com uma "máscara gigante"...

E estão ainda frescas na memória as ridículas afirmações que fez sobre lavagens aos pulmões com lixívia e outros detergentes para matar o vírus.

Uma sondagem recente avança que, nesse sentido, que o Presidente republicano foi vítima da desvalorização da infecção e baixou a guarda.

Por outro lado, Biden está a ser uma das maiores vítimas colaterais da infecção de Trump. Deixou de ter a atenção dos media e as suas iniciativas de campanha não estão a ter o acompanhamento que seria natural nesta fase da campanha, porque o foco está todo no mais famoso doente do mundo por Covid-19 da actualidade.

As eleições podem ser adiadas?

Existe uma lei, que data de 1845, que diz que as eleições nos UA se realizam na primeira segunda-feira de Novembro a cada 4 anos, o que este ao calha a 03 desse mês.

Mas ainda porque, no caso de ser colocada a possibilidade com a actual situação sanitária de Donald Trump, apenas a votação nesse sentido do Congresso e dos Representantes permitiria alterar essa mesma lei de 1845, o que é altamente improvável, visto que, se os republicanos dominam o Congresso, a Câmara dos Representantes está nas mãos dos democratas, e só se isso também interessar a Joe Biden - o que parece, para já, improvável - é que esse adiamento seria possível.

E então, o que poderia levar os democratas a aceitar o adiamento? Simples, se as sondagens mostrarem que os eleitores poderão castigar Joe Biden se Trump conseguir construir a ideia do coitadinho que está doente e os seus adversários querem tirar proveito da sua debilidade.

O que, para já, ainda não parece sero caso e o que mais se aproxima é que os eleitores vejam na sua infecção pela Covid-19 um resultado directo da sua irresponsabilidade.

O que a Constituição garante é que o mandato de Donald Trump, suceda o que suceder com o calendário eleitoral, termina a 21 de Janeiro de 2021, e, a partir daí, o seu poder fica reduzido a zero, tendo de ser escolhido quem vai dirigir o país entre os lideres do Congresso e da Câmara dos Representantes.