Um grupo de militares, segundo relatos provenientes de Bissau, sem estarem fardados, invadiu a sala onde decorria o Conselho de Ministros.

Foram ouvidos tiros, incluindo de bazuca.

Pouco depois um grupo de indivíduos armados cercou o edifício e, com recurso a barricadas improvisadas, impediu a passagem para a área próxima dos acontecimentos.

A população foi vivamente aconselhada a permanecer em casa.

Há rumores de vítimas mortais a circular em alguns media e nas redes sociais mas confirmados, segundo a Lusa, estão apenas quatro feridos que foram levados, um em estado grave, para o Hospital Simão Mendes, a principal unidade hospitalar da capital guineense.

O primeiro-ministro, Nuno Nabiam, estava, com o Presidente da República, no interior do Palácio cercado pela tropa.

Segundo relatos de Bissau, Umaro Embaló chegou ao local do Conselho de Ministro com um forte e bem armado grupo de seguranças.

Perto das 16.30, hora de Luanda, ainda não havia informação sólida sobre as pretensões dos militares nem se o tiroteio sentido em duas alturas distintas. à hora de almoço e a meio da tarde, provocou vítimas, embora circulem relatos nas redes sociais de que há mortos na sequência do tiroteio.

Também não há informação consistente sobre contra quem foi despoletado mais este episódio violento na capital da Guiné-Bissau, um país que vive desde a sua independência mergulhado em golpes de Estado, tentados ou consumados.

Este episódio, mais um em Bissau, sucede dias depois de uma remodelação no Governo da iniciativa do Presidente da República que gerou uma reacção fortemente crítica do primeiro-ministro Nuno Nabiam.

Uma das razões possíveis para esta situação em Bissau é a relação conflituosa entre a Presidência da República e o Governo, que, sublinhe-se, é um Executivo de iniciativa Presidencial e composto por elementos das forças políticas que apoiaram a eleição de Embaló mas que, ultimamente não escondem o clima de nervos à flor da pele no seu seio e na relação tensa com o Chefe de Estado.

Uma fonte contactada em Bissau pelo Novo Jornal, admitindo ser cedo para se perceber o alcance desta iniciativa dos militares, colocava como o mais plausível tratar-se de uma reacção de uma facção étnica da tropa a agir em defesa de um dos lados da "barricada" na "guerra" entre Embaló e Nabiam.

Recorde-se que as FAGB têm uma forte componente Balanta na sua hierarquia e igualmente no nível de soldados e o primeiro-ministro é uma figura destacada da etnia Balanta, que é a mais numerosa no país. Enquanto o PR, Umaro Sissoco Embaló é de origem étnica Fula, com escassa representatividade nos quartéis.

Os balantas, tradicionalmente animistas, são a maior etnia da Guiné, com perto de 30 por cento da população enquanto os fulas, islamizados, são a segunda maior etnia, com pouco mais de 23% da população.

Segundo estão a relatar os media internacionais com jornalistas no terreno, um dos episódios que pode ter determinado esta alegada e aparente tentativa de golpe foi a polémica aterragem em Bissau de um avião, um Airbus A340, que depois o Governo mandou reter mas que tinha obtido autorização do Chefe de Estado para usar o aeroporto na capital do país, o que gerou uma acesa roca de acusações.

O Executivo chegou a afirmar que se tratava de um avião com carga suspeita, tendo, depois, no Parlamento, retirado a afirmação. Mas o que ficou foi, mais uma vez, a sombra do narcotráfico na Guiné-Bissau, fama que já vem de longe, tendo mesmo alguns oficiais das Forças Armadas sido detidos além-fronteiras acusados de tráfico internacional de cocaína.

Alguns media estão a relatar que ocorreram trocas de tiros igualmente fora da cidade de Bissau, em áreas onde estão situados alguns dos principais aquartelamentos das Forças Armadas da Guiné-Bissau.

O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que, enquanto chefe do Governo português acompanhou de perto o conflito de 1998/99, sabendo bem, por isso, o risco gigantesco de uma avalanche de violência étnica neste pequeno país com 32 etnias, já se apressou a pedir que as partes parem rapidamente com a violência.

Guterres, que já está a lidar com as batatas quentes no Mali, em Conacri e no Burkina Faso, veio agora exigir que os militares guineenses respeitem integralmente as instituições democráticas do país e a sua Constituição.

Também a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) já veio a pública, através de um comunicado, condenar este golpe militar, responsabilizando os militares golpistas pela segurança dos líderes políticos eleitos democraticamente, nomeando especificamente o Presidente Embaló e os membros da sua equipa.

Membros do Governo libertados

Entretanto, a Lusa noticiou já que militares entraram cerca das 17:20 no palácio governamental guineense, em Bissau, e ordenaram a saída dos governantes que estavam no edifício, atacado esta terça-feira numa tentativa de golpe de Estado, mas o paradeiro dos chefes de Governo e de Estado é desconhecido.

Segundo fonte governamental, "cerca das 17:20 (menos uma que em Luanda), os militares chegaram ao Palácio do Governo e disseram aos membros do Governo para saírem" e o local ficou apenas com militares, acrescentou a mesma fonte, indicando desconhecer o paradeiro do primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, e do Presidente, Umaro Sissoco Embaló.

Quando começou o ataque, no decurso do Conselho de Ministros de hoje, alguns membros do Governo conseguiram fugir por um muro de vedação nas traseiras do palácio e confirmaram à Lusa que estão em segurança.

Mais um golpe na África Ocidental

Este é o 4º golpe (ainda está por esclarecer a sua natureza) na África Ocidental em cerca de um ano, depois do Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso, havendo ainda a situação dramáica no Sudão a reforçar a ideia de que o continente está a reviver um período infeliz da sua história, trazendo à memória a segunda metade, e, especialmente, o último quarto, do século XX, onde os golpes e as intentonas se seguiam umas às outras,

História

A Guiné-Bissau é um pequeno Estado lusófono na costa da África Ocidental, com perto de 2 milhões de habitantes, divididos pelo território continental e o arquipélago dos Bijagós. A sua população incorpora 32 etnias, sendo os balantas e os fulas as mais volumosas, com territórios bem definidos e marcas culturais bem vincadas, apenas diluídas nas últimas décadas devido à islamização de algumas delas.

Entre algumas destas etnias há rivalidades ancestrais que periodicamente assomam à superfície deste mosaico étnico-linguístico-cultural e que, como já sucedeu nas últimas décadas marcadas por golpes e intentonas, se agigantam nos quartéis, gerando forte tensão e mesmo conflitos armados, nomeadamente envolvendo os balantas, conhecidos no país pela sua vocação guerreira e temerária.

Recorde-se que este é um dos países mais instáveis política e militarmente no continente africano, tendo, desde 1973, ano da sua independência unilateral, vivenciado uma dezena de golpes, com a morte inicial de Amílcar Cabral, o líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ainda envolta em mistério, o primeiro episódio sangrento de muito.

Com a guerra de 1998/99, terminou o regime ditatorial do Presidente Nino Vieira, que viria a ser morto em 2009, depois de ter regressado ao país, em 2005, para se candidatar à Presidência, tendo ganho o pleito eleitoral folgadamente.

Pelo meio foram mortos vários Chefes Militares, desde logo o histórico Ansumane Mané, líder do golpe de 1998, que deu início ao conflito que só terminou um ano depois, morto a tiro em 2000, ou Tagme Na Waie, em 2009, ou antes Veríssimo Correia Seabra, em 2004, depois de ter afastado à força o Presidente Kumba Yalá, em 2003.