Umaro Sissoco Embaló, que esteve horas sob custódia de militares golpistas, no Palácio do Governo, em Bissau, onde várias pessoas foram feridas durante uma sucessão de tiroteios que começaram pela hora de almoço, regressou, como o Novo Jornal noticiou logo após a informação divulgada pelo Governo português, ao seu gabinete perto das 17:30 locais, menos uma que em Angola, devido à intervenção de militares leais ao Chefe de Estado.

Embora ainda muito esteja por explicar, sendo densas as dúvidas ao longo do dia de terça-feira, o que pode nunca acontecer, o Presidente guineense disse aos cidadãos que se tratou de uma acção bem organizada mas que falhou na totalidade, apesar de terem, segundo informações oficiais provenientes de Bissau, sido mortas pelo menos cinco pessoas e várias terem ficado feridas, algumas com gravidade.

A intenção dos atacantes era "matar" o Presidente, o primeiro-ministro e todos os membros do Governo que estavam presentes na reunião do Conselho de Ministros.

Esta declaração de Embaló foi feita com membros do Governo ao seu lado, incluindo o primeiro-ministro, Nuno Nabiam, considerando que se tratou de uma tentativa de derrubar a democracia guineense perpetrada por pessoas com ligações ao tráfico de droga na região.

Pela voz do Presidente ficou-se a saber que o forte tiroteio que se ouviu durante horas a fio foi o contra-ataque das forças de segurança que impediram o sucesso deste atentado à democracia e pediu à população para permanecer em casa e com serenidade.

Mas tudo se desenrolou longe dos olhares do jornalistas, que foram mantidos à distância por homens armados que montaram barricadas improvisas nas imediações do Palácio do Governo.

Isto, até que um grupo de militares entrou, cerca das 17:20 locais, mais uma em Luanda, no palácio governamental guineense, em Bissau, e ordenou a saída dos governantes que estavam no edifício

Quando começou o ataque, no decurso do Conselho de Ministros, alguns membros do Governo conseguiram fugir por um muro de vedação nas traseiras do palácio e confirmaram à Lusa que estão em segurança.

Depois de forte tiroteio junto do Palácio do Governo pela hora do almoço, e depois, a meio da tarde, soube-se que se tratava de uma invasão do espaço do Conselho de Ministros por tropa sem farda mas fortemente armada.

Para além da "dica" ténue de que se tratou de um golpe preparado com apoio de narcotraficantes, avançada pelo Presidente da República, mais nada se sabe sobre as motivações ou sequer se se tratou de uma sublevação militar com ramificações étnicas, como se supos inicialmente.

CPLP condenou intentona

A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), através da presidência rotativa angolana, também condenou de imediato a tentativa de golpe de Estado em Bissau.

Na qualidade de presidente em exercício da CPLP, Angola "condena veementemente a tentativa da tomada do poder pela força na Guiné-Bissau".

A CPLP, via nota do Ministério das Relações Exteriores angolano, "saúda a firme resposta das autoridades nacionais" ao terem conduzido ao "restabelecimento da ordem" deixando um apelo à "calma e tranquilidade".

Também o Presidente da República, João Lourenço, via telefone, transmitiu, segundo nota da Presidência, "uma mensagem de encorajamento e solidariedade" a Umaro Sissoco Embaló.

Na sequência dos "tumultuosos acontecimentos" de terça-feira em Bissau, o Chefe de Estado angolano, que preside à CPLP, telefonou ao Presidente da Guiné Bissau a meio da manhã desta quarta-feira, 2 de Fevereiro.

SG da ONU exigiu respeito pela ordem constitucional - CEDEAO também

O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que, enquanto chefe do Governo português acompanhou de perto o conflito de 1998/99, sabendo bem, por isso, o risco gigantesco de uma avalanche de violência étnica neste pequeno país com 32 etnias, apressou-se a pedir que as partes parassem rapidamente com a violência.

Guterres, que já está a lidar com as batatas quentes no Mali, em Conacri e no Burkina Faso, veio exigir que os militares guineenses respeitassem integralmente as instituições democráticas do país e a sua Constituição.

Também a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) veio rapidamente a público, através de um comunicado, condenar esta tentativa de golpe militar, responsabilizando os militares golpistas pela segurança dos líderes políticos eleitos democraticamente, nomeando especificamente o Presidente Embaló e os membros da sua equipa.

Mais um golpe na África Ocidental

Este é o 4º golpe (ainda está por esclarecer a sua natureza) na África Ocidental em cerca de um ano, depois do Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso, havendo ainda a situação dramáica no Sudão a reforçar a ideia de que o continente está a reviver um período infeliz da sua história, trazendo à memória a segunda metade, e, especialmente, o último quarto, do século XX, onde os golpes e as intentonas se seguiam umas às outras,

História

A Guiné-Bissau é um pequeno Estado lusófono na costa da África Ocidental, com perto de 2 milhões de habitantes, divididos pelo território continental e o arquipélago dos Bijagós. A sua população incorpora 32 etnias, sendo os balantas e os fulas as mais volumosas, com territórios bem definidos e marcas culturais bem vincadas, apenas diluídas nas últimas décadas devido à islamização de algumas delas.

Entre algumas destas etnias há rivalidades ancestrais que periodicamente assomam à superfície deste mosaico étnico-linguístico-cultural e que, como já sucedeu nas últimas décadas marcadas por golpes e intentonas, se agigantam nos quartéis, gerando forte tensão e mesmo conflitos armados, nomeadamente envolvendo os balantas, conhecidos no país pela sua vocação guerreira e temerária.

Recorde-se que este é um dos países mais instáveis política e militarmente no continente africano, tendo, desde 1973, ano da sua independência unilateral, vivenciado uma dezena de golpes, com a morte inicial de Amílcar Cabral, o líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ainda envolta em mistério, o primeiro episódio sangrento de muito.

Com a guerra de 1998/99, terminou o regime ditatorial do Presidente Nino Vieira, que viria a ser morto em 2009, depois de ter regressado ao país, em 2005, para se candidatar à Presidência, tendo ganho o pleito eleitoral folgadamente.

Pelo meio foram mortos vários Chefes Militares, desde logo o histórico Ansumane Mané, líder do golpe de 1998, que deu início ao conflito que só terminou um ano depois, morto a tiro em 2000, ou Tagme Na Waie, em 2009, ou antes Veríssimo Correia Seabra, em 2004, depois de ter afastado à força o Presidente Kumba Yalá, em 2003.