Horas depois, o presidente "simbólico" demitiu por decreto o efectivo primeiro-ministro, Aristides Gomes, que acusa o autoproclamado Chefe de Estado de estar a protagonizar um golpe de Estado.

Entretanto, os miliares saíram mais uma vez à rua e mandaram fechar a rádio e a televisão públicas, voltando a ensombrar Bissau com o fantasma dos golpes sucessivos que marcam a sua história de país independente desde 1973.

O Presidente que não é reconhecido nem pelas Nações Unidas nem pela União Africana por causa de sérias dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral, nomeou para o cargo de primeiro-ministro Nuno Nabian - anterior candidato presidencial que endereçou o seu apoio a Embaló para a segunda volta - num contexto de profundos receios de novos confrontos violentos após a intervenção de militares que, para além de ordenarem o fecho das emissões das estações públicas de rádio e de televisão nacionais, se posicionaram noutros locais estratégicos, como ministérios e Presidência.

Recorde-se que as eleições onde Sissoco Embaló garante ter sido a escolha "clara e limpa" dos guineenses, produziu uma segunda volta das presidenciais a 29 de Dezembro, disputada com Domingos Simões Pereira, líder do histórico Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e cuja confirmação foi feita pela CNE local antes de concluídos os recursos de contestação por "irregularidades graves" apontadas por vários sectores do país.

Foi face a este cenário de possível convulsão naquele pequeno e tumultuoso país lusófono da África Ocidental, com apenas 1,6 milhões de habitantes, mas com um registo histórico de permanente instabilidade político-militar, que Domingos Simões Pereira esteve nas últimas horas em Luanda onde, em audiência concedida pelo Presidente João Lourenço na Cidade Alta, segundo afirmou aos jornalistas no final do encontro, procurou a "compreensão do camarada Presidente" para a grave situação em que está mergulhada a Guiné-Bissau.

Simões Pereira, que não assume a derrota eleitoral, mantém a posição de exigir uma intervenção clara por parte da CEDEAO, organismo regional onde está inserida a Guiné-Bissau, sendo que quer igualmente que a CPLP assuma que a Constituição guineense está a ser violada, acusando o anterior Presidente, José Mário Vaz, de estar, a par dos interesses do Senegal, que tem um olho nas reservas de petróleo existentes no mar de Bissau, por detrás desta imposição de Embaló como Presidente.

Alguns países, como a França e Portugal já pediram aos seus residentes na Guiné para reduzirem os movimentos ao indispensável, embora a situação em Bissau, cidade que, segundo relatos de repórteres no terreno, se mantém calma, sob o olhar atento de militares armados em locais estratégicos, e onde a população está habituada aos cíclicos períodos de convulsão política, lidando com eles já com uma relativa margem de segurança porque raramente é envolvida, seja nos golpes, sejas nos sucessivos assassinatos de lideres políticos ou militares ao longo das últimas duas décadas.

Mas este cenário, já de si periclitante, pode ganhar uma dimensão mais grave porquanto o Presidente da Assembleia Nacional, Cipriano Cassama, que não esteve presente na tomada de posse do Presidente simbólico, garantindo a sua nulidade constitucional, assumiu no Parlamento o lugar de Presidente interino, o que conduz à situação bizarra de um país, dois Presidentes, embora Cassama tenha o respaldo da lei porque a sua posse foi conferida ao abrigo do n.º 2 do artigo 71 da Constituição guineense enquanto Embaló não tem nenhum articulado legal a sustentar a sua tomada do poder.

A situação é ainda mais caricata porque Nabian, para além de líder partidário, é o segundo vice-presidente da AN e foi nessa condição que, antes de ser nomeado primeiro-ministro, conferiu posse a Umaro Sissoco Embaló num hotel da capital guineense, à margem de qualquer respaldo constitucional.

E é neste contexto que Aristides Gomes, o primeiro-ministro a quem Embaló acusa de "apelar à guerra" e ter todo uma "actuação grave" porque incentivou o corpo diplomático a não se fazer presente na cerimónia do hotel, alertou, nas redes sociais, para um assalto ao poder em curso com o intuito de consumar um golpe de Estado.

Recorde-se que todo este cenário de instabilidade surge depois de Embaló ter sido recebido em Portugal pelo primeiro-ministro António Costa e pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, embora tendo esses encontros sido anunciados como cortesia e sem quaisquer tipo de cerimonial de Estado.

A Guiné-Bissau foi a primeira das antigas colónias portuguesas em África a proceder à proclamação da independência, a 24 de Setembro de 1973, nas matas de Madina do Boé, no leste do país, embora o início da fundação da nacionalidade tenha começado com o assassinato em Conacri meses antes, a 20 de Janeiro desse mesmo ano, de Amílcar Cabral, o histórico fundador do PAIGC e considerado o pai da Nação guineense.

Depois, o país teve o seu arranque enquanto Estado com um golpe militar onde o general Nino Vieira derrubou Luís Cabral, irão de Amílcar Cabral o primeiro Presidente do país e governou até finais da década de 1990, quando, numa guerra civil - a Guerra de 07 de Junho - de mais de um ano, onde tiveram participação activa ao lado de Nino Vieira o Senegal e a Guiné Conacri, levou ao derrube de Nino Vieira, que se exilou em Portugal.

Depois de anos de permanente instabilidade política e militar, marcada pela frenética presidência de Kumba Yalá, Nino Vieira regressa a Bissau em 2005, ganhando as eleições que lhe permitiu governar até 2009, ano em que foi assassinado em mais um golpe militar.

Desde então, e apesar de alguns anos de relativa acalmia, a Guiné-Bissau voltou a mergulhar no caos político, embora sem intervenção militar alguma, tendo ficado os últimos anos marcados pelos abusos cometidos pelo anterior Presidente, José Mário Vaz, que lhe permitiram governar por mais dois anos que o limite oficial do seu mandato e que, agora, volta a ferver por entre novas dúvidas quanto à lisura eleitoral num dos mais problemáticos, e dos mais pequenos, países africanos.