Putin não telefonou a Poroshenko ou passou um recado pelos canais diplomáticos para dizer às autoridades ucranianas que devem evitar "actos irreflectidos", optou antes por tornar pública uma conversa com a chanceler alemã Angela Merkel, a quem pediu para interceder junto dos governantes de Kiev no sentido de estes manterem a calma evitando actos sobre os quais não tenham total garantia de que não vão elevar o actual patamar de tensão, que já é alto.

A tensão militarizada entre Moscovo e Kiev já remonta a 2014 quando a Rússia ocupou a Península da Crimeia, uma extensão territorial da Ucrânia no Mar Negro, sob a justificação de que esta é habitada por uma população maioritariamente russa e que historicamente é parte da Rússia.

E ainda porque só deixou de o ser porque no tempo da União Soviética, em 1954, o Presidente Nikita Khrushchev, por razões de natureza administrativa, aceitou integrá-la na Ucrânia, situação que se antevê quando a ex-URSS se desmoronou, levando à independência da Ucrânia.

Sendo uma questão claramente bélica, mantida em latência devido ao posicionamento da NATO e da União Europeia ao lado de Kiev, pontualmente ocorrem episódios que fazem despertar o receio de uma confrontação aberta e de grande escala.

Foi isso que sucedeu no Domingo, quando navios de guerra russos interceptaram embarcações da marinha ucraniana em águas que Moscovo considera suas, apreendendo-os, fazendo feridos entre a tripulação, três apenas na versão de Moscovo, mais de 20, segundo Kiev..

De imediato, o Presidente Ucraniano pediu ao Parlamento para poder instaurar a Lei Marcial, condição em que as decisões militares se impõem às civis, envolvendo praticamente todas as áreas, como a liberdade de imprensa, de manifestação, ou mesmo políticas, ainda para mais quando o país se aproxima de um período eleitoral presidencial, o que foi feito por um prazo de 30 dias.

Com a Lei Marcial activa, para o Kremlin, o sinal é claro: pode estar iminente uma resposta militar alargada das forças ucranianas.

Mas para a NATO, esse cenário também parece possível, até porque, na segunda-feira, esta organização de defesa ocidental, que apoia a Ucrânia neste tenso diálogo com Moscovo, divulgou, apesar de pedir calma a Moscovo para evitar escaladas bélicas, que apoia a integridade territorial reivindicada por Kiev.

Para já, em causa está a forma como os dois países vão lidar com a situação no Estreito de Kertch, uma fina passagem que separa o Mar Negro do Mar de Azov, bordejado pela Rússia e pela Ucrânia, permitindo a ambos os países transitar do Mar de Azov (sem outra saída) para as águas abertas do Mar Negro, cuja importância geoestratégica é enorme porque, que sendo um mar interior, permite passagens para o Mediterrâneo e, através deste, para o Atlântico.

Numa primeira abordagem, Moscovo e Kiev acordaram manter activa a lei internacional, o que obriga a manter aberto o canal de Kertch, mas as tensões estão sempre presentes devido à proximidade e ao ódio crescente entre os dois lados da barricada.

Enquanto o Presidente russo pede a Kiev para não optar por "actos irreflectidos", Poroshenko afirma em público que os seus serviços secretos obtiveram informações plausíveis sobre uma iminente acção armada russa em território ucraniano, avisando que assim que "o primeiro militar russo atravessar a linha de fronteira", não vai "perder um segundo a defender o país", que é o meso que dizer que começa a guerra.

Mas, para o Kremlin, esta atitude ucraniana não é mais que uma manobra orquestrada por Petro Poroshenko para retirar dividendos eleitorais das eleições presidenciais que se avizinham, ou mesmo impedir que estas tenham lugar para se manter no poder ao abrigo de uma Lei Marcial inusitada e desajustada.

Isso mesmo foi dito ontem pelo embaixador russo nas Nações Unidas, durante a reunião de emergência do Conselho de Segurança, onde Dmitry Polyanskiy disse que "toda a gente percebeu imediatamente do que se trata", sublinhando que é tudo feito para "adiar as eleições".

E o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, chamou-lhe mesmo "histeria militarista" das autoridades ucranianas, aconselhando os seus "financiadores ocidentais" a colocarem travões neste ímpeto belicista de Kiev.

OS Estados Unidos, como seria de esperar, mantiveram-se ao lado de Kiev e alheados das explicações russas, ao ponto de a sua embaixadora na ONU, Nikki Haley, ter dito que, com este tipo de comportamento, é impossívem manter uma relação normal com a Rússia, sublinhando o carácter ilegal da apreensão dos navios da armada ucraniana no Estreito de Kertch.