As eleições Presidenciais na RDC são sempre das mais observadas em todo o mundo, seja por parte dos países africanos, seja no resto do mundo. Se no caso dos países do continente, a incandescente política congolesa permite ter o risco de violência sempre activo, especialmente neste período, onde as relações com o vizinho Ruanda, devido à acção do M23, movimento de guerrilha apoiado por Kigali, nos Kivu Norte e Sul, estão sobre brasas, no resto do mundo a preocupação é o risco de disrupção no fornecimento de alguns dos minerais estratégicos mais relevantes para as economias ocidentais.
É para manter esta atenção de proximidade o mais visível possível que a União Africana enviou para a RDC uma delegação de quase 70 observadores, com chegada prevista para esta quarta-feira, 13, onde deverá permanecer até 26 de Dezembro.
Neste período, o grupo vai manter múltiplas reuniões com os protagonistas do processo eleitoral, sendo o objectivo imediato garantir que todos têm garantida a sua segurança e igualmente de oportunidades, sendo o seu relatório final, como sempre acontece, de extrema importância para a aceitação geral da votação, que se espera igualmente vir a ser fortemente contestada, como, de resto, o tem sido por parte dos principais candidatos entre os 24 que disputam o lugar de Félix Tshisekedi.
O candidato e Presidente da RDC tem apostado num compromisso para acabar de vez com a violência das guerrilhas, especialmente o M23, que há pouco mais de dois anos regressou em força às acções de desestabilização (ver links em baixo nesta página) com o apoio, como Tshisekedi defende e a ONU confirmou em documento divulgado em 2021, do Ruanda, por causa da exploração dos recursos naturais do leste do Congo, especialmente o coltão, o cobalto e as "terras raras".
Até ao mpmento, como se pode depreender da leitura dos media congoleses, apesar dos riscos sempre presentes, a campanha tem decorrido com relativa tranquilidade, apesar de acusações repetidas dos candidatos da oposição mais acesa, de vantagens ilegítimas por parte de Tshisekedi e de uso das forças de defesa e segurança para obstruir e dificultar as suas campanhas.
As sondagens já divulgadas apontam para uma vitória do incumbente, mas Félix Tshisekedi arrisca ter de disputar uma renhida segunda volta.
Falta uma semana
São 44 milhões de eleitores inscritos para escolherem quem vai dirigir um dos mais populosos, mais de 100 milhões de habitantes, e o segundo mais extenso país de África, apenas superado pela Argélia, mas seguramente o mais cobiçado actualmente pelas grandes potências mundiais pelas riquezas infinitas e estratégicas do seu subsolo.
Se estes dados não fossem suficientes para atrair as atenções mediáticas do mundo para estas eleições, a complexidade da sua realidade política e o risco de uma explosão de violência, como tantas vezes sucedeu no passado, a que acresce a guerra que assola o leste do país, junto às fronteiras com o Ruanda e o Uganda, sê-lo-ão seguramente.
A ONU, que ainda tem neste gigante africano uma das mais onerosas e maiores missões de paz em todo o mundo, a MONUSCO, já fez o que sempre faz, pediu a todos os actores deste "filme" para respeitarem as regras da democracia e aceitarem o resultado, mas outros organismos foram mais longe e admitem que dificilmente não haverá caos pós-eleitoral.
Uma das questões mais complexas de gerir é a acção regional contra a guerrilha do M23, no leste da RDC, que é apenas uma das mais de 30 milícias e guerrilhas a actuar no país, e na qual Angola desempenha um importante papel (ver links em baixo nesta página).
Quem vai correr para o poder com Tshisekedi?
Neste pleito, que se agiganta como um dos mais importantes desde a década de 1990, quando a RDC entrou em sucessivas guerras civis, com o massacre/genocídio de mais de 800 mil tutsis no Ruanda, em 1994, às mãos da maioria Hutu, crises das quais nunca mais se livrou, como o demonstram as mais de duas dezenas de guerrilhas que operam no seu vasto território, especialmente nas regiões com os subsolos mais ricos, e os mais de 7 milhões de deslocados internos, além dos milhões que fugiram para os países vizinhos, entre estes Angola, o Presidente Tshisekedi vai enfrentar vários pesos-pesados da política congolense e uma surpresa que promete virar tudo do avesso.
Sendo Félix Tshisekedi, de 60 anos, aquele que surge com mais fôlego para esta corrida eleitoral, até porque, apesar de surgir como "independente", conta com o apoio incondicional de Jean-Pierre Bemba, o seu vice, e um dos pesos mais pesados da política congolesa, além da sua "União Sagrada", que junta à UDPS (União para a Democracia e o Progresso Social) um grupo de pequenos partidos e figuras públicas, além de recursos financeiros avultados, como sempre sucede quando se ocupa o poder há vários anos.
Como tem sido usual, contra Tshisekedi vai estar Moïse Katumbi, o multimilionário e antigo homem forte do Katanga, uma das províncias mais ricas da RDC, vizinha de Angola, devido à abundância de cobre, entre outros minérios relevantes, como o manganês e o ouro, e que ele dominou por muitos anos.
Depois de um exílio forçado que o manteve longe das eleições de 2018, devido a incompatibilidades graves com o antigo Presidente Joseph Kabila, Katumbi surge agora reforçado por uma separação a mal com Tshisekedi, apoiado por uma fortuna colossal que muitos atribuem a justificação ao que é o mal que corrói o Congo, a exploração e a corrupção em torno dos seus recursos naturais.
Também na lista de candidatos principais, entre os 24 que se apresentaram no calendário legal para o efeito, está Martin Fayulu, de 66 anos, o segundo na corrida de 2018, que contestou até à exaustão a vitória de Félix Tshisekei, alegando que foi vítima de uma fraude generalizada e sem precedentes.
Este antigo executivo de multinacionais como a ExxonMobil, e político popular na RDC, que ainda hoje se diz ser o Presidente eleito, nunca tendo reconhecido a vitória de Tshisekedi, suportado por uma coligação de partidos e movimentos, a Lamuka, nunca perdoou o "roubo" da sua eleições há cinco anos.
E promete mesmo que desta vez nada será como em 2018, porque vai ter um aparelho de vigilância de tal modo coeso e cerrado, que não será possível a Félix Tshisekeidi usar a fraude como alavanca para se manter no poder.
Outro candidato com algum peso, mas claramente atrás dos já referidos, é Adolphe Muzito, antigo primeiro-ministro e ex-membro da coligação Lamuka, que agora deixou para tentar a sua sorte a 20 de Dezembro, com o apoio do Partido Novo Elã, que tem como linha mestra do seu projecto político para o Congo a mudança de regime de um sistemasemi-presidencialista, mas que na verdade é totalmente dominado pelo Chefe de Estado, para um regime parlamentarista.
É ainda este candidato que tem a proposta mais radical para acabar com a crise de estabilidade no leste da RDC, com a construção de um muro intransponível com o Ruanda e o Uganda, pelo menos.
Apenas uma mulher surge na lista de 24 concorrentes, Marie-Josée Ifoku, de 58 anos, que, tal como em 2018, surge em nome de uma lista da Aliança das Elites por um Novo Congo, e não faz as coisas por menos, acabar com o domínio dos homens na RDC, que responsabiliza por todos os problemas do país, e das práticas nefastas que têm corroído a estrutura socio-económica do país.
Mas a verdadeira surpresa surgiu há já alguns meses, com o anúncio da candidatura do Prémio Nobel da Paz de 2018, o médico ginecologista, Denis Mukwege, que se notabilizou ao longo das últimas décadas ao devotar a sua vida profissional a salvar milhares de mulheres abusadas sexualmente durante as guerras congolesas.
Com o "dr Mukwege", de 68 anos, como é conhecido em todo o mundo, está uma coligação de oito partidos, a Aliança dos Congoleses, que pretende usar o seu prestígio para transformar o Congo de uma vez por todas, acabando com a violência.
Para já, do ponto de vista mediático, foi o grande chapinhar nas águas da política congolesa, conseguindo atrair ainda mais as atenções para mais um período eleitoral que se prevê, como todos, efervescente e pleno de riscos, até porque algumas das candidaturas têm propostas radicais, que não fecham a porta a um conflito mais robusto com o vizinho Ruanda, a quem acusam de todos os males do leste congolês.
As preocupações da ONU
Num texto publicado pela ICG (Grupo Internacional para as Crises), criado em 1995por diversas personalidades de dimensão internacional, e depois republicado pelo site da ONU Relief Web, do Gabinete de Coordenação da ONU para as Crises Humanitárias (UNOCHA), é feito uma referência a traço grosso sobre a urgência de agir preventivamente para reduzir as possibilidades da eclosão de violência descontrolada no pós-eleições.
"São muitos os riscos e o Governo, para os mitigar, deve garantir que todas as partes vão poder agir em campanha livremente, sem constrangimentos adicionais, e as organizações pan-africanas e ocidentais devem encorajar as partes a comprometerem-se com a ideia de mediação se for necessário", diz este texto do ICG, assinado apenas com a chancela desta organização, logo no início.
Alinha ainda como ideias mais notadas que a situação que a RDC vive é periclitante, sendo que esse registo será transportado para 2024 ao prever-se que a contestação aos resultados se alongue no calendário, e, com ela, os riscos de violência.
Para evitar, ou reduzir as possibilidades de problemas, o ICG nota a necessidade de não criar artificialmente condições para essa contestação, garantindo a lisura na lide de todas as candidaturas por igual, não facilitar em questões de logística eleitoral, garantir que as campanhas da oposição não são perturbadas pelas forças de segurança ou outro tipo de grupos...
A prosa adverte ainda para o crucial papel da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI), deve tudo fazer para limpar a imagem que carrega de que está ao serviço do poder e não da democracia.
Isto, no capitulo do todo nacional, mas, ao mesmo tempo, apontando as atenções para alguns focos regionais de grande tensão, e possível palcos de "violência localizada", como é o caso do leste congolês, no Katanga, no Grande Kasai, onde as pessoas podem ser empurradas para longe das urnas de voto e, logo, para fora da casa da democracia congolesa.
À medida que o tempo corre, e os poderes se multiplicam em acções de pré-campanha e campanha eleitoral, e onde muito está em jogo, desde logo a questão dos acessos externos, as grandes potências, ao subsolo congolês, naturalmente as tensões vão ficar mais ruidosas e o jogo tende a ficar mais e mais violento.
Por isso, ao garantir igualdade de tratamento para todos, o Governo e a CENI estão a reduzir o potencial de conflitualidades no pós-eleições, não só retirando argumentos aos derrotados, mas, essencialmente, secando a sua capacidade de mobilizar as populações para os seus objectivos de desestabilização.