Volodymyr Zelensky aproveitou a presença em Kiev de dezenas de media ocidentais, que ali aterraram para cobrir as visitas de vários líderes europeus e do Canadá, mas não dos Estados Unidos da América, para dizer ao mundo que não abdica de uma solução diplomática.
O chefe do regime ucraniano não afasta, agora, e disse-o pela primeira vez em quase dois anos, de uma solução diplomática para acabar com a guerra com a Rússia, propõe mesmo uma cimeira de paz na Suíça para a Primavera, que alguns, consideram ser apenas mais circo mediático para entreter as opiniões públicas.
Porém, ao mesmo tempo, deixou claro que não abdica do seu plano de paz que compreende a saída de todos os soldados russos das províncias ocupadas desde 2014, incluindo a Crimeia e as que anexou em 2022, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia.
Além de o Presidente Vladimir Putin já ter feito saber que não abdica de um centímetro das regiões anexadas e que agora integram a Federação Russa, a proposta de paz de Zelensky exige ainda a punição dos dirigentes russos por tribunais internacionais.
A Rússia deverá ainda, se esta proposta vingar, pagar a reconstrução do país devastado por um dos mais violentos e letais conflitos em todo o mundo desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945, com centenas de milhares de mortos e feridos e milhões de refugiados.
Como nota o especialista em assuntos militares, o major-general Agostinho Costa, em comentário na portuguesa RTP3, dificilmente se pode dar como razoáveis este tipo de propostas quando, na frente de combate, é o outro lado que está a ganhar terreno.
Como as próprias chefias militares ucranianas admitem, e vários analistas da realidade no terreno, a Rússia, depois de uma falhada contra-ofensiva ucraniana do Verão de 2023, está agora claramente com vantagem, a ganhar dezenas de kms2 por dia.
Aproveitando a escassez de armamento e munições do lado ucraniano, pela redução do fluxo de apoio que vinha dos Estados Unidos até há alguns meses, as forças russas estão a galgar tereno e já somam duas conquistas estratégicas apenas em dias, a cidade de Avdiivka, no Donetsk, e Robotine, em Zaporizhia.
Apesar de parecer um gesto apenas para ganhar espaço nos media ocidentais, esta proposta de Zelensky de uma cimeira de paz na Suíça está a ser acolhida como válida pelos media ocidentais.
Mesmo propondo objectivos irrealizáveis, como seja a total e humilhante derrota da Rússia a todos os níveis, numa dimensão que levaria certamente ao fim da Federação tal como se conhece hoje, com os seis 11 fusos horários, do extremo oriente ao coração da Europa.
O único ponto sensato nas propostas agora apresentadas por Zelensky é que é a primeira vez que admite conversações com a Rússia de Putin, colocando em cima da mesa uma segunda cimeira a seguir à da Suíça, com a Rússia, ao que parece, apenas bilateral.
Mas Zelensky deu ainda outro passo que pode ser interpretado como indo no sentido de uma solução negociada para este conflito que já não tem a mesma simpatia que teve no início no ocidente, onde apenas 10% dos europeus, segundo sondagem recente, acredita numa vitória de Kiev.
A irritação dos europeus
Alias, depois de se conhecer há muito a oposição do líder húngaro, Viktor Orban, ao apoio da União Europeia a Kiev, também agora o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, veio dizer que o Ocidente está a alimentar "uma escalada de tensão" com o apoio à Ucrânia e pede um "plano de paz que faça sentido".
Mas também na Polónia, que já foi o grande aliado de Kiev, a questão do apoio ocidental à Ucrânia está a criar mais incómodo que simpatia, como o demonstram os ataques violentos e a destruição de camiões e comboios oriundos daquele país com bens agrícolas.
Provavelmente considerando este novo contexto, o Presidente ucraniano avançou, também pela primeira vez, com um número de baixas do lado das suas forças, 31 mil mortos, e apontou ainda para a casa dos 180 mil do lado russo, o que é, clara e inequivocamente irreal.
Não fazendo jus à realidade de um lado como do outro, estas cifras apontadas por Zelensky podem encerrar muito mais que aquilo que aparentam, que seria mostrar como Kiev está a sair-se melhor que Moscovo neste conflito e ter um sentido positivo para a paz.
Apesar de haver outras leituras destes números avançados por Zelensky, uma é que, ao apontar para um volume de mortes tão reduzido entre os Ucranianos, pretende afastar um cenário de inviabilidade negocial.
Isto, porque uma eventual cedência de territórios seria muito mais dificilmente aceite com muito mais mortes terem sido, afinal, em vão, considerando que o próprio Zelensky tem justificado as baixas com a justificação de não permitir a perda de soberania territorial.
E ao apontar para as 180 mil mortes do lado russo, que também é abaixo das estimativas dos especialistas, que apontam para cerca de 200 mil a 300 mil, segundo várias fontes, para mais de 400 mil do lado ucraniano, Zelensky está igualmente a facilitar a vida a Vladimir Putin.
Isto, porque também o Kremlin terá de aceitar cedências de forma a conseguir um acordo de paz negociado, especialmente quando olha para os EUA, que também não aceitariam uma solução humilhante, depois de ter investido tanto em armas e dinheiro... e prestígio.
Kiev anuncia nova contra-ofensiva para breve
Usando o "truque" do polícia bom e polícia mau, mas assumindo ambos os personagens, na mesma conferência de imprensa, onde aceitou negociar com o Kremlin, passando por cima do seu próprio decreto que proíbe essa possibilidade, Zelensky mostrou também os dentes.
O líder do regime ucraniano ameaçou Moscovo com uma nova contra-ofensiva que está já a ser preparada e tem um plano já definido, que só não o anuncia para não dar trunfos ao inimigo.
Esta notícia, que foi quase integralmente ignorada pelos media ocidentais, foi, curiosamente, destaque na TASS, a agência de notícias oficial russa, provavelmente porque a contra-ofensiva do ano passado levou à humilhação dos aliados ocidentais que admitiam que as suas armas modernas e sofisticadas levaram os russos a ajoelhar-se no campo de batalha.
Sabendo-se hoje que o que sucedeu foi o contrário, com um fracasso inequívoco, apesar das centenas de carros de combate alemães, (Leopard), britânicos, (Chalenger) ou norte-americanos, (Abrams), e as chamadas armas-maravilha, como os misseis ou os sistemas de defensa antiaérea, os americanos Patriot ou alemães IRIS-T, este anúncio está a ser encarado como um truque negocial.
Isto, porque se sabe que a Ucrânia está em desespero completo sem o fluxo de armas e munições ocidentais, com o Presidente dos EUA impedido de municiar Kiev devido aos constrangimentos no Congresso, devido à oposição republicana na Câmara dos Representantes, o que deixa a questão sobre com que armas os ucranianos iriam alimentar uma nova contra-ofensiva em larga escala.
Seja como, for, citado pela TASS, Volodymyr Zelensky garantiu aos jornalistas ocidentais que foram a Kiev este fim-de-semana, que tem "um plano claro" que não pode revelar mas que admite que está relacionado com as mudanças recentes no comando militar, onde o ex-CEMGFA, general Valery Zaluzhny, foi substituído pelo general Oleksandr Syrsky.
A isto, concomitantemente, opõe-se a notícia, saída da mesma conferência de imprensa, onde o mesmo Zelensky voltou a excluir a possibilidade de negociações com Vladimir Putin (com outros lideres russos, pode acontecer) até que este aceite todas as suas condições, ou seja a derrota e a humilhação.
Não dizendo nem como nem quando, o Presidente ucraniano disse que vai oferecer ao Kremlin uma forma airosa de aceitar a derrota e as consequências do seu erro ao tê-la começado, embora isso só possa ser enquadrado na Cimeira de Paz que pretende organizar na Suíça.
Kremlin quer negociar, como sempre...
As negociações de paz com Kiev nunca foram negadas por Moscovo, bem pelo contrário, como o reiterou recentemente Putin, na sua entrevista ao polémico jornalista norte-americano, Tucker Carlson, que foi vista em quase 300 milhões de ecrãs online em todo o mundo.
Nessa entrevista, Putin lembrou que logo após a invasão de 2022, russos e ucranianos estavam em negociações de paz avançadas em Istambul e foi o intrépido então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson (na foto, em Março de 2022), que foi a Kiev obrigar Zelensky a retirar-se dessas negociações.
Johnson afastou Zelensk da mesa negocial, com Washington por detrás, oferecendo em compensação "todo o apoio em armas e dinheiro" até onde fosse preciso para "vergar a Rússia sobre os seus joelhos no campo de batalha".
O Presidente ucraniano aceitou e, durante um ano e meio, esse apoio não faltou a Kiev, como a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e o Presidente dos EUA, Joe Biden, foram repetindo, em frases bombásticas, indiciando a derrota humilhante de Putin... até que a famosa contra-ofensiva falhou rotundamente.
Desde então, o rio de armas e dinheiro norte-americano deixou de fluir, os países europeus da NATO mantiveram o fluxo verbal, mas com escassa capacidade de municiar a Ucrânia das armas e das munições que precisa, e Kiev começou a ter de recuar na linha da frente para posições defensivas face ao avanço russo nos mais de 1200 kms de frente.
Trump ao virar da esquina
Saindo deste cenário fortemente marcado pela data simbólica dos dois anos de guerra neste 24 de Fevereiro, onde a Ucrânia voltou a ser acarinhada pelos media ocidentais por 48 horas, tendi já esta segunda-feira, praticamente, regressado para as páginas interiores dos grandes jornais ocidentais, do outro lado do Atlântico vem sobre Kiev a ameaça Donald Trump.
Já se sabe que um regresso de Trump à Casa Branca será, porque o próprio o repete amiúde, ditará o fim dos recursos do país enviados para Kiev, e que este vai "acabar com a guerra em 24 horas".
E se alguma dúvida havia, porque uma vitória nas eleições de 05 de Novembro, se as sondagens, quase todas a indicarem o mesmo desfecho, estiverem certas, esta ficou este fim-de-semana afastada depois de Donald Trump ter arrasado a sua oponente, Nikki Haley, no seu próprio estado, a Carolina do Sul, no embate das primárias republicanas, num claro 60%-40% dos votos.
Agora, só os tribunais podem afastar Donald Trump do boletim de voto, o que é visto pelos analistas como difícil de acontecer, visto que o Supremo Tribunal é maioritariamente conservador e os juízes são em grande medida uma escolha do próprio quando foi Presidente entre 2016 e 2020.
Alguns analistas admitem mesmo que esta mudança de estratégia de Zelensky, em aceitar, mesmo que em condições fantasiosas, falar com o Kremlin, tem em pano de fundo a mudança possível de Presidente nos EUA.
Isto, porque se Trump voltar a mandar em Washington, eventuais negociações com Putin serão sempre em pior condição que se estas tiverem lugar agora, quando ainda manda nos EUA o seu aliado e amigo Joe Biden.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era a ocupação do país vizinho.
Essa condição evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, e a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014.
E ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, bem como Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica é acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial.
Um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, como o Presidente dos EUA, Joe Biden, e o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram, levará ao recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos à sua economia, embora com menos impacto que o esperado, como o demonstram os dados do FMI para o crescimento da sua economia, de mais de 3,6% para 2024, muito superior à media europeia.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, com destaque para o sector energético, do gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 6,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.