Em 6 anos de governação, depois de uma série de tentativas mal sucedidas, João Lourenço conseguiu finalmente ser recebido na sala presidencial mais mediática do mundo, como se o gesto fosse um segundo «reconhecimento» de Angola por parte da maior potência imperialista à face da terra, desde o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países, há três décadas.

Há uma série de factores que não podem ser negligenciados nesta (re) aproximação entre Luanda e Washington, nomeadamente os lobbies milionários, os alinhamentos políticos à luz do conflito entre a Rússia e Ucrânia, a ofensiva americana para reduzir a influência de Moscovo e Pequim em África, a inflexão política da África do Sul ao aproximar-se à Rússia, assim como a importância e influência de Angola na região dos Grandes Lagos e na África Austral, onde os EUA têm grandes interesses geo-estratégicos políticos, militares e económicos, sobretudo no que diz respeito à exploração de minerais por via do Corredor do Lobito.

Rodeado de enorme expectativa, sobretudo do lado angolano, o encontro entre Joe Biden e João Lourenço ocorreu num momento particularmente difícil para o presidente angolano, cujos níveis de popularidade interna têm sido dos mais baixos, não só no seio da população, como também do seu próprio partido, onde medram os sinais de raivas surdas à sua governação.

A declaração que o Bureau Político do MPLA produziu logo após a visita de João Lourenço aos EUA pode traduzir esse gesto no sentido de passar a ideia de uma suposta coesão e unanimidade no seio desse partido e o cerrar de fileiras em torno do seu presidente.

De facto, não se tem memória de um pronunciamento do género por parte desse órgão partidário em relação às demais viagens que João Lourenço já fez ao estrangeiro.

A reaproximação aos EUA, que ocorre numa altura em que a economia angolana atravessa um dos seus períodos mais críticos, com elevados níveis de inflação e a moeda nacional cada vez mais depreciada em relação ao dólar americano e ao euro, foi como que a lufada de ar fresco num ambiente saturado e politicamente poluído.

Nos seus dois mandatos, João Lourenço já viajou por tudo ou quase tudo que é mundo, no âmbito do que ele considera a " diplomacia económica", mas sem reflexos na melhoria na vida dos angolanos que, entretanto, não lhe poupam críticas pelos elevados custos que as suas constantes viagens ao estrangeiro custam ao tesouro nacional.

Apodado de "viajante compulsivo", o PR tem dado sinais de não resistir aos impulsos do "luxo" aéreo, fazendo-se sempre acompanhar nas suas múltiplas viagens pelo mundo por nutridas comitivas.

Nos 30 anos de relacionamento entre os dois países, não passou, porém, despercedido aos observadores mais atentos o "apagamento" ou o esquecimento deliberado da figura de José Eduardo dos Santos, em cujo mandato Angola foi reconhecida como Estado independente e soberano. Nem uma palavra a enaltecer os feitos do homem para que Angola conquistasse o "amor" dos EUA.

A suposta ingratidão não se restringiu aos discursos oficiais, mas também ficou subjacente nas várias coberturas à visita presidencial, nas quais a "bem comportada" mídia estatal não fez uma referência, por miníma que fosse, ao primeiro Chefe de Estado angolano a ser recebido na Casa Branca. Resta saber se isso resultou de uma autocensura ou das habituais "ordens superiores".

A comunicação social estatal e alguma imprensa privada, que foi criada à sombra do poder, não só marcaram uma forte presença em Washington, como também esmeraram-se em empolar a visita, como se o mundo gravitasse à volta de Angola...

A ruidosa imprensa angolana, que terá recebido orientações no sentido de dar grande destaque e visibilidade à visita, esteve longe de avaliar os efeitos perversos que a propaganda pode causar no futuro.

Os excessos mediáticos e a forma irreflectida como a mídia pública tratou do assunto, terá ajudado a cimentar a perigosa ideia em alguns sectores de que a cooperação com a maior potência do Ocidente poderá produzir um "milagre económico" em Angola.

Em sentido oposto, a imprensa norte-americana encarou a visita de João Lourenço como um " fait divers", tendo sido ignorada ou passou quase que despercebida aos olhos dos principais canais de televisão, assim como dos mais influentes jornais norte-americanos, tais como o The Washington Post, The Wall Street Journal, The New York Times ou o USA Today. Nenhum desses 4 jornais fez sequer uma chamada de capa para despertar os seus leitores para a presença presença de João Lourenço na Casa Branca. A CNN dedicou alguns minutos, mas consta que Angola terá comprado espaços à TV americana.

Apesar de os EUA terem manifestado a sua vontade em cooperar com Angola nos mais diversos domínios, isso não significa que todo o "trabalho de casa" tenha sido feito, no que diz respeito ao ambiente de negócios.

Não é crível que os empresários norte-americanos ousem firmar contratos milionários sem garantias jurídicas sólidas, que lhes permitam repatriar os lucros para o seu país de origem.

O arrolamento pela justiça de algumas figuras públicas ou politicamente expostas acusadas de práticas de crimes de corrupção e actos de improbidade, que tem ocorrido nestas últimas semanas, poderá não ser suficiente para convencer os EUA sobre a seriedade da nossa justiça. Há cada vez mais necessidade de uma reforma profunda no sistema judicial angolano, tido como bastante subserviente ao poder político.

É necessário que haja mais transparência nesse sector, daí que a manutenção de figuras como Joel Leonardo, Carlos Cavuquila, dentre outras, não abona à imagem da justiça angolana, que deve agir de forma equidistante e independente na resolução dos conflitos que venham a emergir dos contratos.