No que tange ao Senegal, o problema tem um nome: Macky Sall, o ainda Presidente do País. Mas, remontemos ao "início" do problema.
Macky Sall está no final do seu segundo e último mandato como Presidente do Senegal. Há cerca de seis ou sete meses, mesmo sabendo que a Constituição não lhe permitia, tentou patentear-se a um terceiro mandato, o que, naturalmente, provocou forte desestabilização política, primeiro, e social, depois, contra esta inconstitucional iniciativa.
Só que de desejos a uma efectiva concretização dos mesmos, pode ir uma insuperável distância, no caso de Sall, tombaram com enorme estrondo. Todavia, quando um potencial autocrata deseja manter-se no cargo, seja ele qual for, nunca deixa de tentar fazer concretizar essa vontade, mesmo que isso provoque forte contestação político-social interna e externamente.
E foi isto que aconteceu. Macky Sall tudo tentou para se prolongar no cargo. Desde a referida tentativa do já referido inconstitucional ensaio a um terceiro mandato, a fazer substituir-se por um familiar até prolongar o actual mandato sob pretexto de estar a ocorrer uma sublevação social e política. Um dos que sentiram o impacto desta desculpa foi o seu principal oposicionista Ousmane Sonko, líder do partido PASTEF (Patriotes africains du Sénégal pour le travail, l"éthique et la fraternité) que se viu acusado de liderar uma "insurreição e ataque à segurança do Estado" e, por via disso, ter visto o Conselho Constitucional rejeitar a sua candidatura presidencial (ainda que mantenha uma longa batalha judicial para reverter este impedimento, na dúvida, o PASTEF apresentou Bassirou Diomaye Faye, como candidato presidencial do partido, que foi aceite).
De notar que, em Dezembro, quando o Conselho Constitucional exibiu os candidatos aceites, foi constatado que, de pelo menos 90 candidatos, só 20 foram aceites como elegíveis.
Entre os candidatos estão - ou estavam, e, mais adiante, referirei o porquê do pretérito imperfeito - além do referido Bassirou Faye, os candidatos Karim Melissa Wade (líder da Agence Nationale de l"Organisation de la Conférence Islamique, ANOCI, e proposto pelo Parti démocratique sénégalais - PDS e filho do antigo presidente Abdoulaye Wade) e o candidato de Sall, o ainda primeiro-ministro Amadou Ba, como candidato da coligação governamental Benno Bokk Yaakaar (ou Unidos pela Esperança, segundo a língua wolof).
Ora no início de Fevereiro, Macky Sall - as sondagens vêm evidenciando que o seu candidato e a sua coligação (esta num futuro próximo) teriam uma forte rejeição eleitoral - sob a desculpa de que um dos candidatos era inelegível - daí o verbo "estavam" -, por dupla nacionalidade; segundo o artigo 28.º da Constituição senegalesa - este afirma que qualquer candidato à Presidência deve ser apenas de nacionalidade senegalesa - decidiu adiar, primeiro sine die e depois para as calendas do final do ano, as eleições presidencial, no que foi logo contestado por todos os candidatos, incluindo o seu protegido Amadou Ba, pela população senegalesa - desde esta medida de Sall, já ocorreram várias vítimas mortais - e por toda uma comunidade internacional.
O candidato visado como inelegível por dupla nacionalidade foi Karim Wade que, e facto, e quando se candidatou teria dupla nacionalidade, levando a um forte debate dentro do Conselho Constitucional se deveria ser ou não acolhida a sua candidatura, o que veio acontecer. Ora, de acordo com a Constituição do Senegal, um candidato só é elegível desde que tenha «exclusivamente a nacionalidade senegalesa, estar no gozo dos seus direitos civis e políticos e ter pelo menos 35 e no máximo 75 anos de idade no dia da votação (o sublinhado é meu), tendo também de saber escrever, ler e falar fluentemente a língua oficial, o francês», sendo omissa, ao contrário de outros países, quanto ao local de nascimento, que no caso de Wade foi em Paris. Tendo em conta este quesito constitucional, Wade denunciou a nacionalidade francesa no início de Janeiro, pelo que as razões invocadas por Macky Sall estão totalmente inquinadas.
Esta situação está a causar graves problemas políticos, sociais e diplomáticos, seja dentro do Senegal, ou no seio da CEDEAO - que exige rápida regularização da legalidade "constieleitoral", e vai enviar uma delegação para falar com Macky Sall (não esquecer que o Senegal é um dos Estados-Directores, ou potência regional da CEDEAO, sendo o outro país, a Nigéria, cujo Presidente é frontalmente contra todo o tipo de posturas inconstitucionais, como as ocorridas no Burkina Faso, Mali e Níger) - quer junto de dois dos principais países que mais próximos estão de Dakar: EUA e França.
Veremos como Macky Sall irá responder à delegação da CEDEAO ou se estas iniciativas e as de Paris e Washington não terão mais que mais um "desimpacto"?...n
* Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto** ** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado