A M27 (associação dos órfãos), o Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio, e a Associação 27 de Maio (de sobreviventes e familiares das vítimas) dizem lamentar que o Governo não tenha ainda aceitado a sua principal reivindicação, que é a de que sejam entregues os restos mortais das vítimas às famílias, para que estas possam proceder aos enterros a que têm direito, e de que sejam emitidas as certidões de óbito devidas.
No documento, as associações insistem que, no caso das vítimas do 27 de Maio, a Reconciliação implica, fundamentalmente, o reconhecimento, e a consequente admissão de que foram cometidos crimes.
As palavras "reconciliação e perdão adquirem contornos diferentes para as vítimas e sobreviventes: reconciliação pressupõe a admissão de que foram cometidos crimes, a emissão de certidões de óbito e a localização e devolução dos corpos", ou seja, "um verdadeiro processo de reconhecimento", com "acções concretas em busca da verdade", lê-se no comunicado.
"A reconciliação nacional é um processo e não um destino. Leva tempo e exige uma preparação na qual se procura envolver quantos atores sociais for possível, com a intenção de alargar a base participativa", consideram os subscritores, pelo que o 27 de Maio "deve ser tratado em separado dos restantes conflitos, igualmente geradores de vítimas", tendo por base "as orientações da União Africana sobre justiça transicional".
Trata-se de um processo que "precisa de ser encarado e implementado com seriedade, mostrando ao mundo uma sociedade comprometida em construir uma nação alicerçada em bases democráticas, com confiança e tolerância, inserindo-se com credibilidade crescente na sociedade das nações", concluem os signatários do comunicado.
O reconhecimento do Governo
Em Novembro do ano passado, o Governo angolano, em declarações do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, reconheceu, pela primeira vez, oficialmente, em mais de 40 anos, que foram cometidos graves excessos durante a tentativa de golpe de estado a 27 de Maio de 1977, onde foram mortos, detidos e desaparecerem milhares de pessoas.
Francisco Queiroz, aos microfones da RNA e citado também no Jornal de Angola, disse mesmo que, durante o decorrer daquele contexto histórico que ficou conhecido pelo 27 de Maio, ocorreram "prisões e execuções sumárias".
O governante sublinhou que esta realidade é importante ser lembrada para que não volte a acontecer, contrastando de forma nítida este posicionamento do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do Executivo de João Lourenço com a postura do anterior Governo sob o comando de José Eduardo dos Santos.
O 27 de Maio, data que serviu para dar forma histórica a um dos períodos mais violentos da história de Angola enquanto país independente, surgiu do movimento que ficou conhecido por "Fraccionismo", que teve como rosto Nito Alves, então dirigente de topo do MPLA e ministro do Interior sob a Presidência de Agostinho Neto
Após consumado o fracasso da acção de Nito Alves, para o qual as forças militares cubanas que estavam em Angola foram relevantes, seguram-se largos meses de perseguição aos aliados de Nito Alves, tendo resultado na morte de milhares de pessoas e na detenção de outras tantas, de forma arbitrária, pensando-se que entre estes foram arrastados muitas vítimas de vinganças pessoas sem quaisquer ligações ao momento político-militar e ao movimento de fracção.
Sobre este período histórico angolano, Francisco Queiroz, em resposta a uma das mais persistentes questões relacionadas com o 27 de Maio, adiantou que vão ser criadas condições para que as famílias dos desaparecidos, presumivelmente executados e feitos desaparecer naquele contexto político-militar, possam resolver os problemas resultantes do facto de nunca terem obtido uma certidão de óbito válida legalmente.
Mas advertiu para a existência de dificuldades técnicas relacionadas com a identificação de restos mortais que tenham sido encontrados ou possam vir a ser encontrados nas valas comuns que se sabe existirem, ou, de todo impossível, nos casos onde não existe sequer corpo.
Estas declarações foram produzidas no âmbito da apresentação do documento que contém a Estratégia do Executivo Angolano de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018-2022, que o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos leva a consulta pública em Dezembro.
João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos no País
Já este ano, em Abril, João Lourenço anunciou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos no País, entre os quais a "intentona golpista do `27 de Maio` ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado".
João Lourenço justificou a decisão como um "imperativo político e cívico do Estado" para "prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de atos de violência, resultantes dos conflitos políticos".
Convém "instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos", salientou então o Chefe de Estado.