Este valor, que aponta para um superavit de quase 29 USD face ao estipulado no Orçamento Geral do Estado angolano, proporcionando, por isso, uma folga considerável nas contas nacionais, só tem paralelo, nos últimos 13 meses, essencialmente dominados pelo impacto desastroso da pandemia da Covid-19, com os valores assinalados pelos mercados nos primeiros dias de Março deste ano.
Por detrás desta realidade está um dólar norte-americano a enfraquecer ligeira mas continuadamente nos últimos dois meses, o que tem subjacente, entre outros motivos, os gigantescos apoios à economia definidos pela Administração Biden nos EUA, e os prognósticos de um significativo tombo nas reservas de crude e derivados nos Estados Unidos, que são não só a maior economia do mundo mas também o maior consumidor de energia do planeta.
Tudo, porque as grandes economias europeias e asiáticas, sempre que o dólar dos EUA enfraquece, precisam de menos moeda nacional para adquirir a "moeda franca" do sector petrolífero, o que leva a uma impulsão natural do barril transaccionado em dólares.
E os especialistas admitem que o barril de crude, seja o Brent, seja o WTI, em Nova Iorque, só não atingiu os valores pré-pandémicos, ainda, de forma consolidada e continuada - excepto os primeiros dias de Março - porque as campanhas de vacinação tardam a atingir a dimensão que estava prevista e porque a Índia, um dos gigantes económicos globais, tem registado um forte aumento de casos da Covid-19, demonstrando dificuldades no controlo da pandemia.
A ajudar a esta robustez do crude, que auspicia uma ainda mais forte valorização para quando a pandemia estiver, de facto, debelada ou controlada de forma eficaz, está ainda um, mais um, problema na Líbia, onde a petrolífera nacional, a NOC, declarou "force major", devido a problemas internos, na segunda-feira para parar as exportações através do porto de Hariga e ameaça alargar a "força maior" a outros portos do país, o que leva a uma diminuição das quantidades de crude exportadas pelo segundo maior produtor africano, atrás da Nigéria e à frente de Angola.
Esta situação pode levar a que a Líbia deixe de enviar para os mercados, segundo a Reuters, até 280 mil barris por dia, levando as exportações do país para baixo do 1 milhão de barris por dia (mbpd), o que deve voltar a permitir a Angola ocupar o lugar de 2ª maior exportador/produtor africano.
As ameaças
No entanto, o horizonte não está livre de ameaças para os membros do "cartel", especialmente aqueles com maior dependência das exportações de crude, como é o caso de Angola, que ainda ostenta uma gigantesca dependência do valor diário do barril para respirar economicamente melhor.
Os cortes actuais situam-se próximo dos 7 mbpd, contando com o 1 mbpd que os sauditas retiraram de circulação à margem do acordo da OPEP+, quando, no início de 2020, para equilibrar os mercados, fortemente pressionados pela pandemia, esse cortes foram acima dos 9,5 mbpd.
Outra ameaça séria a esta estratégia da OPEP+ é o quase certo regresso em forma da produção no sector do fracking (petróleo de xisto) norte-americano, cujo elevado breakeven obriga à suspensão da extracção sempre que os preços descem abaixo de um determinado valor.
Para já, este grupo entende que em 2021 a produção média diária vai consolidar nos 27,4 mbpd, mais 200 mil bpd que a sua anterior estimativa.
Existe ainda como ameaça a esta perspectiva optimista a possibilidade de um regresso em força do "business" do Irão, um dos maiores produtores do mundo que tem estado fora do circuito por causa da sanções norte-americanas impostas pelo anterior Presidente, Donald Trump, que agora devem ser retiradas por Joe Biden, que pretende regressar ao acordo nuclear assinado em 2015.
Mas a China...
... está a permitir esquecer estes riscos com dados recentes que mostram um crescimento efectivo das suas exportações e, como se sabe, o gigante asiático sustenta a sua robusta economia, a 2ª maior do mundo, nas exportações, o que só é possível quando o mundo respira saúde económica e se as exportações Made in China crescem, isso quer dizer que a saúde da economia planetária está a melhorar...
Outro facto relevante é que a China está a aumentar há vários meses as suas importações de crude, tendo esse crescimento chegado aos 21% em Março, como refere a Reuters, o que significa que o consumo de energia está a voltar ao que era antes da pandemia.
É ainda relevante o facto de os stocks de crude nos EUA estarem a descer há três semanas consecutivas, outro sinal de grande relevância tendo em conta que os EUA são a maior economia do mundo e o maior consumidor de petróleo do planeta.
E Angola...
... apresenta melhores resultados em Março que em Fevereiro, no que diz respeito à sua produção diária, segundo o relatório da OPEP.
O País produziu em Março, diariamente, 1,163 milhões de barris, mais cerca de 40 mil que no mês anterior, que, no entanto, não afasta o fantasma do declínio da extracção angolana nos últimos anos, tendo mesmo atingido e ultrapassado o cenário pessimista desenhado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em 2018, quando previa que Angola estivesse a produzir 1,29 mbpd em... 2023.
Com estes valores, Angola foi ultrapassada pela Líbia, que passa a ser o segundo maior produtor africano, apenas atrás da Nigéria, beneficiando claramente da progressiva estabilidade político-militar, depois de anos a fio de guerra civil, que começou em 2011 com o assassinato de Muammar Khadaffi.
A Nigéria produz actualmente 1,481 milhões de barris diários e a Líbia está nos 1,196 milhões de barris por dia, amos referentes ao mês de Março.
Ainda assim...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 67 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 28 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.