Desde o início de Janeiro de 2020, quando a pandemia da Covid-19 ainda não se fazia sentir de forma evidente no colapso que mais tarde, a partir de Fevereiro/Março, provocaria na economia planetária, que o barril de Brent, vendido em Londres e azimute na definição do valor para as exportações angolanas, não atingia os valores a que chegou hoje.
Com efeito, já hoje, mesmo que depois tenha corrigido em baixa, o barril de Brent chegou a estar a valer 65,62 USD, estabilizando depois em torno dos 64, ainda assim a valer mais que no fecho de quarta-feira, sendo o mesmo comportamento registado em Nova Iorque, onde o WTI somou igualmente recordes de Janeiro de 2020, à beira da pré-pandemia.
Para os analistas, alguns deles, pelo menos, a transposição da barreira simbólica entre a pré-pandemia e pós-pandemia é o sinal que faltava para que os mercados assumam em definitivo que os efeitos da Covid-19, desde que as campanhas de vacinação prossigam e as novas estirpes do Sars CoV-2 não se revelem resistentes a estas, estão ultrapassados.
No entanto, temendo um excesso de optimismo, o ministro da Energia saudita, Príncipe Abdulaziz bin Salman, a figura mais importante do negócio mundial do petróleo na medida em que a Arábia Saudita é o maior exportador mundial e detentor da mais substancial capacidade de produzir barris de petróleo em todo o mundo, lançou nas últimas horas um veemente apelo para que os países produtores e exportadores sejam "cautelosos" na abordagem a este bom momento no sector.
Bin Salman está a querer refrear os ímpetos produtivos dos países da OPEP+, organização que agrega, desde 2017, os membros da OPEP e um grupo de "desalinhados" liderado pela Rússia - que têm actualmente em curso um corte na produção superior a 5 milhões de barris por dia (mbpd) - de forma a que a produção não aumente de forma a diluir os efeitos de equilíbrio nos mercados conseguido até agora.
Isto, porque uma boa parte deste bom momento não é resultado directo destes cortes mas sim de circunstâncias inusitadas, como é o caso da tempestade glaciar que afecta por estes dias o sul dos EUA, ou ainda das impetuosidades geradas pela expectativa de se a Covid-19 passe a ser coisa do passado, o que está longe de ser uma garantia, como o próprio Príncipe saudita fez questão de sublinhar.
Abdulaziz bin Salman foi claro quando, na quarta-feira, fez questão de lembrar que ainda é cedo para que os 23 membros do "cartel" da OPEP+ expandam a sua produção, precisamente porque os efeitos do frio nos EUA vão passar e nada garante que a pandemia seja já garantidamente coisa do passado.
"Devo avisar que não há qualquer complacência, disse bin Salman a partir de Riade, citado pelas agências, porque a "incerteza é evidente e temos de ser extremamente cautelosos" e ainda que os "ensinamentos do ano passado não podem ser ignorados".
Esta acção preventiva de bin Salman está a ser encarada como uma aviso e uma estratégia de redução de danos para a reunião de alto nível que os membros da OPEP+ vã ter no início de Março para decidir o rumo dos planos de cortes lançados em Abril de 2020 para contrapor aos efeitos devastadores da pandemia no valor do crude.
Actualmente, entre os cortes organizados e as acções singulares, como a da subtracção de mote próprio dos sauditas de 1 mbpd, a OPEP+ está a enxugar os mercados em 7 mbpd, prevendo "devolver" apenas 1,5 mbpd durante o ano em curso, embora sob forte pressão de alguns dos membros que querem, como a Rússia, voltar a aumentar a produção, enquanto outros, como Angola, começam a enfrentar os problemas relacionados com o efeiro da crise que, de uma forma ou de outra, desde 2014 se manifesta na fragilização da sua infra-estrutura produtiva, muito por causa do desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional.
Contexto
Quem lida de perto com o sobe e desce dos mercados petrolíferos por algum tempo, percebe que os analistas que diariamente procuram adivinhar tendências raramente acertam nos prognósticos e que se trata de uma área de negócio extremamente sensível a tensões políticas, ao risco de défice na oferta e, acima de tudo, ao vigor das grandes economias planetárias... mas também que é uma das matérias-primas que mais facilmente recupera de períodos longos de perdas persistentes, como é o caso actual devido à Covid-19.
Com o início das campanhas de vacinação e com os sinais de que a pandemia gerada pelo Sars CoV-2 entrou numa fase de enfraquecimento - mesmo que o surgimento de novas estirpes do coronavírus possam inverter este quadro de esperança -, os mercados petrolíferos ganharam novo colorido, sustentado em diversos factores mas com os cortes na produção da OPEP+, organização que agrega os países OPEP e um grupo de "independentes" liderados pela Rússia, a serem determinantes.
E com a saída de Donald Trump do poder nos EUA, a maior economia do mundo e o maior consumidor de crude do planeta e um dos três gigantes da produção global, situação exponenciada pelo generoso plano de estímulos à economia do novo inquilino da Casa Branca, Joe Biden, que está a injectar 1,9 triliões USD para ultrapassar a crise pandémica, mas, não menos saliente, a pouca disponibilidade da sua Administração em manter os apoios ao fracking por razões ambientais, está a ser um apoio decisivo para este reerguer dos mercados do ouro negro.
Este é o pano de fundo para esta fase boa no negócio do petróleo, do qual Angola é um dos maiores beneficiados, permitindo ao País amortecer a queda na produção - que já está abaixo dos 1,3 milhões de barris por dia (mbpd) -, mas há, depois, outras forças motrizes por detrás do momento, como é o caso das sempre revisitadas crises do Médio Oriente, fenómenos meteorológicos extremos ou conflitos armados em países produtores com algum relevo.
E são, efectivamente, esses três fenómenos que estão, por esta altura a dar consistência à recuperação do valor do crude. Uma massa de ar frio está a enregelar as estruturas produtivas no Texas, obrigando à suspensão circunstancial da extracção de quase 4,6 mbpd, no Iémen, a retoma dos ataques pelos rebeldes Houthis à Arábia Saudita volta a ameaçar a produção no maior exportador mundial e na Líbia, país em conflito interno há mais de uma década, tarda a impor-se a paz forjada pelas Nações Unidas.
Este cenário permite que o barril de Brent estivesse hoje, quarta-feira, 17, perto das 11:00 de Luanda, a valer 63,72 USD, mais 0,55% que no fecho de terça-feira, enquanto o WTI de Nova Iorque valia, à mesma hora, 60,25, mais 0,63% que no fecho da anterior sessão, mas com o realce para o facto de ter ultrapassado a barreira dos 60 USD, um recorde de Janeiro de 2020.
Os oráculos
As grandes casas financeiras como a Goldman Sachs, ou os gestores dos fundos de risco - hedge funds - têm vindo a alargar as indicações e as apostas no petróleo e, agora, a francesa Total, uma gigante mundial do crude, antecipa que até 2025, podendo suceder mesmo antes, o mundo vai viver um défice de abastecimento de 10 milhões de barris por dia (mbpd).
Por detrás desta previsão da Total, uma das maiores investidoras no offshore angolano - é, por exemplo, a operadora do gigantesco bloco do Kaombo - está o desinvestimento na pesquisa por novas reservas e na manutenção das infra-estruturas do up stream, mas ainda por causa da solidez que aparenta a estratégia da OPEP+, nomeadamente os cortes na produção para garantir preços viáveis e ainda o desmoronamento do sector do fracking norte-americano devido aos preços muito baixos dos últimos anos, especialmente desde 2014, quando o barril baixou de forma substancial da fasquia confortável dos 100 USD.
Citada pelo site OilPrice, Helle Kristoffersen, que lidera as áreas da estratégia e da inovação da Total, nota que o risco de um buraco, no médio prazo, na oferta é real, explicando que isso se deve ao facto de a OPEP+, organismo que junta os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de desalinhados liderados pela Rússia, estar a mostrar uma estratégia sólida para garantir a disciplina dos mercados à prova de fogo, de o petróleo de xisto, ou fracking, dos EUA estar a desmoronar e, ainda mais importante, o desinvestimento muito expressivo na indústria do petróleo como um todo.
Estes dados não são novidade no meio, até porque as grandes casas financeiras globais têm vindo a justificar o regresso ao sector por essa razão, e já em 2018, a então PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, lembrava, citando um estudo da Mackenzie, que desde os anos de 1940 que o mundo não assistia a um tão baixo investimento na pesquisa por novas reservas com o resultado esperado a ser um défice relevante na oferta a prazo.
Esta operacional da Total avança ainda que este buraco de 10 mbpd até 2025 muito dificilmente poderá ser evitado em tão pouco tempo porque é "demasiado grande" face ao que é a realidade do sector hoje.
Este cenário resulta, no imediato, do efeito da pandemia da Covid-19, que levou a uma queda imponente na procura e a uma baixa nos preços historicamente nunca vista, com o barril a chegar aos 40 USD negativos em Nova Iorque no mês de Abril de 2020, mas é já visível entre especialistas desde 2014, o ano do início da crise, quando o barril desceu abaixo dos 100 USD e acabou na casa dos 20 USD, no início de 2016.
Esse período de fragilização do sector petrolífero foi resultado do efeito inverso, quando, a partir de 2007/08, as multinacionais, no rasto do barril muito acima dos 100 USD, fizeram fortes investimentos que levaram a um excesso de oferta, naquilo que é o efeito montanha russa de correcção exercido pelos mercados, a que as companhias reagem diminuindo ou aumentando custos mas que afecta de forma brutal as economias mais dependentes, como é o caso da angolana.
Recorde-se que Angola é uma das grandes vítimas deste desinvestimento, tendo passado de uma produção recorde no final da 1ª década desde século na casa dos 1,8 mbpd para os actuais 1,28 mbpd e com tendência para baixar, o que resultou numa substancial quebra das receitas do Estado, tanto pela via da menor produção como por causa dos preços baixos do barril.
Hoje, o barril de Brent valia, perto das 10:30 de Luanda, 64,60 USD, mais 0.55% que no fecho da sessão de quarta-feira.
Angola e o futuro breve
Este cenário de recuperação permite algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.
A produção actual está abaixo dos 1,3 mbpd e em constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção demora a arrancar para os patamares mais próximos daqueles que se viram no passado, especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.
Para já, com o barril acima dos 64 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 24 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
O alerta da Carbon Tracker
Um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.