Na semana passada os mercados ignoraram o elefante na sala, que é a quase certa chegada do Irão, um dos maiores produtores do mundo, com capacidade para chegar aos 6 milhões de barris por dia (mbpd), ao mercado, o que pode anular de forma relevante o equilíbrio conseguido pelo programa de cortes em curso pela OPEP+ (OPEP e Rússia).
Esse movimento do elefante na sala pode ainda anular parte do impulso gerado na procura pelo importante sucesso no combate à pandemia em algumas das mais importantes economias globais, como a dos EUA, da Europa e da China, e a Índia a dar sinais positivos sobre a crise que atravessa há largas semanas com sucessivos recordes em número de casos e de mortes pela infecção.
Com a procura a crescer devido ao esmorecer da Covid-19, e com a OPEP+ a resistir aos apetites do aumento da produção para, de forma conservadora, garantir que mantém o controlo dos mercados de forma segura, estes gostaram e atingiram níveis que há muito não se viam, pelo menos desde Maio de 2019, mas foi ignorada a questão do retorno do Irão ao negócio.
As negociações entre o Irão e os EUA para que Washington levante as sanções que estão a impedir que o crude iraniano chegue aos mercados, decorrem em Viena de Áustria e em causa está o programa nuclear de Teerão.
Como este é o tema que vai, nas próximas semanas, merecer a atenção geral no sector petrolífero, vale a pena recordar o que está em cima da mesa:
Em 2015, era Presidente dos EUA Barack Obama, este, em conjunto com a China, Rússia e países da União Europeia, assinaram um acordo que garantia a suspensão dos avanços no programa nuclear do Irão em troca da abertura dos mercados ao crude iraniano.
Teerão manteve os termos do acordado mas Washington não, porque, entretanto, Obama deixou a Casa Branca e ali chegou Donald Trump, que rapidamente anulou unilateralmente o acordo nuclear, repondo as sanções, obrigando a que o 4º maior produtor da OPEP fosse obrigado a recolher as mangueiras.
Agora, com a chegada de Joe Biden, que era o vice-Presidente de Obama em 2015, foram retomadas as negociações com o Irão para que este possa voltar a exportar crude desde que volte a suspender o enriquecimento de urânio, o elemento radioactivo que está na base da produção nuclear iraniana que Teerão garante ser apenas para fins civis.
Para já, ao que tudo indica, segundo relatam as agências que seguem ao minuto as negociações de Viena de Áustria, apesar de alguns impasses, que resultam da exigência de garantias de parte a parte, tudo parece estar alinhado para que o petróleo do gigante do Golfo Pérsico volte aos mercados.
Para que isso sucede, Teerão - que não deixou de cumprir o que fora acordado em 2015 - quer certezas de que o que vier agora a ser acordado não volta a ser anulado se houver uma mudança na Presidência dos EUA, enquanto Washington, entre outras exigências, quer estreitar o potencial de produção de material radioactivo enriquecido de forma a, também, ir de encontro aos receios dos países da região com relações azedas com o Irão, especialmente Israel e a Arábia Saudita.
Certo e seguro é que, quando essa abertura for concedida, o Irão - que tem eleições Presidenciais em Julho e isso pode retardar uma decisão - pode fazer chegar até 6 mbpd ao mercado, na sua máxima capacidade, embora, no imediato, os analistas apontem para que esse fluxo se fique, nos primeiros meses, entre os 500 mil e os 1,5 mbpd.
Seja como for, esse volume de petróleo fresco nos mercados pode gerar desequilíbrio e obrigar a OPEP+ a reajustes nos seus planos de recuperação da produção que, neste momento, estão apontados a mais 350 mil bpd em Maio, outros tantos em Junho e 400 mil bpd em Julho, levando a que os cortes passem, com os ajustes feitos antes, dos quase 8 mbpd no início de 2020, com a eclosão da crise pandémica, para perto dos 5 mbpd previstos para o início de Agosto próximo.
Para primeiro efeito deste assomo iraniano aos mercados da matéria-prima está a verificar-se, perto das 10:30 de Luanda, uma ligeira perda de 0,79%, face ao fecho de sexta-feira, para os 71,32 USD, referente aos contratos de Julho.
Apesar de Angola ser um dos países produtores para quem estas semanas passadas com os mercados em alta foram mais benéficas, devido à sua crónica dependência da exportação de crude para o equilíbrio das contas públicas, as ameaças são muitos no virar da esquina do futuro.
A ameaça sobre Angola...
... mantém-se no horizonte, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...
O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.
A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.
Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.
Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.
O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.
Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.
E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Ainda assim...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 68 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 29 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.
O aviso da AIE
O mundo confronta-se há muito com a urgência de reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa para procurar salvar a vida no Planeta Terra até 2050, data limite avançada pelo Acordo de Paris e reforçada diariamente pelas Nações Unidas. Esse objectivo exige vários passos e reduzir o consumo de petróleo, gás natural e carvão são os principais. É isso mesmo que a Agência Internacional de Energia (AIE), o mais relevante organismo no sector energético, propõe no seu último e mais radical relatório desde que foi criada, em 1974.
Para a AIE, uma organização criada em 1974 no âmbito da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), o que está em cima da mesa, olhando para o seu relatório "Mapa para o objectivo de emissões zero em 2050", divulgado esta semana, é simples, radical e brutal: acabar de imediato com a pesquisa por novas reservas de crude e gás e dar por findo o uso do carvão para produção de energia, acabar com a venda de veículos de passageiros de combustão interna até 2035 e em 2040 todo o sector energético tem de estar livre das emissões poluentes.
Este tipo de propostas não são novas e são, até, comuns em ONG"s ambientais mais radicais, ou até mesmo nas acaloradas intervenções do preocupado Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que não se tem poupado a esforços para sensibilizar os lideres mundiais para a urgência da acção face ao galopante aquecimento global que ameaça condenar à extinção milhares de espécies da fauna e da flora e, no fim, da própria humanidade.
Mas é para não ignorar quando uma proposta com este conteúdo radical chega de uma organização como a AIE, que foi criada no rescaldo de mais uma grave crise petrolífera, em 1974, com o objectivo de gerar estatísticas para os mercados petrolíferos - a mais credível neste âmbito em todo o mundo - e controlar as disrupções no fornecimento de crude, evoluindo nos anos seguintes para abarcar todo o sector energético e, hoje, com forte empenho na questão das energias limpas, colocando-se na linha da frente da análise sobre a crise climática, sendo uma espécie de think thank para a abordagem ao que o rápido aquecimento global exige da humanidade.
Neste relatório "Emissões zero em 2050 - um mapa para o sector global da energia / Net Zero by 2050 - A Roadmap for the Global Energy Sector" está contido, não vale a pena ignorá-lo, uma séria ameaça às economias que mais dependem das exportações de crude e gás natural, como é o caso de Angola, sendo, ao mesmo tempo, um alerta robusto para a urgência de mudar a agulha para as energias limpas e diversificação das fontes de rendimento" sob risco de essas países serem apanhados em contramão com o resto do mundo.
E quem mais parece estar atento a estas mudanças dramáticas impostas pela transição energética são as grandes multinacionais do petróleo e do gás que, como o Novo Jornal lembrou aqui, estão claramente, quase sem excepção, a virar as suas atenções, empenho e músculo financeiro para as energias não-poluentes, reduzindo de forma substancial o investimento na pesquisa por novas reservas em hidrocarbonetos.
Ou ainda as grandes instituições financeiras internacionais, que, cada vez mais, como é o caso da Goldman Sachs, quase toda a banca europeia e alguns dos mais conhecidos fundos de risco (hedge funds) que estão a retirar as suas apostas do sector fóssil para as energias verdes.
Neste relatório especial da AIE é dito de forma clara que o mundo tem tudo para atingir com sucesso os objectivos traçados até 2050 de reduzir a zero as emissões de gases com efeito de estufa, acrescentando que isso, à medida que é implementado, vai gerar milhões de novos empregos, embora sublinhe que "esse caminho exige uma gigantesca transformação na forma de produzir, transportar e no uso global da energia".
Como pano de fundo para o esforço proposto pela AIE está a exigência de garantir que o Planeta Terra não aquece em média mais de 1.5 ºC até ao final do século, considerado o máximo de forma a não gerar disrupções abrasivas na vida, seja na Humanidade seja nas restantes espécies de fauna e de flora, com especial enfoque na destruição das calotes polares e a consequente subida dos mares.
Todavia, se o mundo mantiver o ritmo a que esse esforço está a ser feito hoje, esse objectivo nem de perto nem de longe será alcançado no que diz respeito à diminuição da emissão de CO2 até 2050.
Essa a razão para que a Agência Internacional de Energia tenha avançado para um documento sem precedentes na sua abrangência e na forma como aponta para a urgência de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa a ponta de defender uma gigantesca redução dos investimentos no crude e no gás, tornando irreversível o seu desaparecimento a prazo como fonte de energia essencial.
Nele pode-se encontrar não só as justificações para as propostas redicais como um conjunto de soluções que permitem, com ganhos em matéria de criação de empregos e de riqueza, substituir de forma estável e segura os combustíveis fósseis por energia limpa sem hipotecar o crescimento robusto da economia mundial, deixando esta de ser sustentada por energias "sujas" para passar a ser suportada por energias limpas de forma viável e com vantagens imediatas.
O director-executivo da AIE, Fatih BIrol, citado na página da agência, diz que este roadmap "mostra as acções prioritárias que urge executar de imediato para garantir que se atinge o objectivo de emissões zero em 2050", considerando que isso é já "apertado mas ainda possível", deixando de forma clara como recado para as companhias e os países que possam estar mais reticentes em seguir este "mapa" a garantia de há hoje evidências batsantes de que se trata do "maior desafio que a Humanidade alguma vez enfrentou".
Apesar de se tratar de um aviso sério, este estudo histórico da AIE na forma de relatório é, porém, também uma plataforma de esperança, porque, como diz, BIrol, "estamos perante uma conclusão sobre a viabilidade deste objectivo porque "no caminho vão ser criados milhões de novos empregos e será um forte impulso para o crescimento da economia global".
Todavia, nada disso será possível se os governos não assumirem de forma clara e objectiva que é preciso mudar, "através de políticas fortes e credíveis assentes numa cooperação abrangente e decisiva", nota Fatih BIrol.
Falta inovação tecnológica
Neste exaustivo estudo, que pode ser lido aqui na íntegra, são erguidas 400 metas para esta "caminhada global rumo ao objectivo emissões zero em 2050", o que, em síntese, passam por, desde já e sem rebuço, "não investir mais em novos projectos que envolvam combustíveis fósseis" e apostar de forma decisiva no fim de linha para veículos de combustão interna com a prioridade máxima nos veículos eléctricos e o fim, até 2040, da electricidade gerada pela queima destes combustíveis garantindo que todo o sector é de emissões zero com uma substituição das fontes poluentes por energia eólica, solar, hídrica...
Este documento deixa, no entanto, uma advertência para o facto de, apesar de grande parte do esforço até 2030 poder ser conduzido com tecnologia existente hoje, depois de 2030 esse esforço será de tal modo grandioso que será exigido a universalização de outras tecnologias inovadoras.
Embora algumas delas já existam em demonstração ou protótipos, como é o caso do hidrogénio ou das baterias de última geração, o relatório nota que "é urgente que os países e as grandes companhias dirigiam os seus esforços para a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias na área das energias limpas" sem excluir as na área da captura e neutralização de CO2 e outros agentes poluidores.
Como estimativa, a AIE coloca como investimento mínimo para rumar a 2050 zero emissões os 5 triliões USD (5.000.000.000.000) e um acrescento anual de 0,4 por cento do crescimento do PIB mundial, sendo esta estimativa fruto de um trabalho conjunto com o Fundo Monetário Internacional, sendo o elemento mais apelativo a este esforço os largos milhºoes de novos empregos que estão e vão ser gerados pelo sector das energias limpas a que os governos não se podem dar ao luxo de ignorar, adverte o documento.
Ou seja, o que este relatório demonstra é que, se este esforço for implementado de forma convicta, o PIB mundial vai estar pelo menos 4% acima daquele que seria sem esse esforço no caminho da limpeza de poluentes do sector energético onde o "vilão" é claramente o petróleo.
Na projecção feita neste estudo, a AIE e os seus cientistas antecipam em 2050 um planeta substancialmente diferente do que temos hoje, com menos 8% no consumo de energia mas com uma economia duas vezes mais robusta e uma população com mais 2 mil milhões de pessoas (10 mil milhões), sendo 90% da energia de fontes renováveis, como a eólica e a solar muito à frente, com 70%, estando as fósseis por essa altura reduzidas a quase nada, mantendo-se, no entanto, residualmente em alguns tipo de indústria, como os plásticos.
Face a isto, a AIE adverte que cada país tem de saber encontrar o seu caminho e estratégia "tendo em conta as suas circunstâncias específicas" mas sem dúvida, este caminho é "irreversível e único" embora Fatih BIrol admita que os países mais desenvolvidos chegarão mais cedo aos objectivos, garantindo o director-executivo da Agência que esta está disponível para ajudar os países a criar e a preparar os seus próprios "roadmaps" para atingir os objectivos do Acordo de Paris no âmbito do combate às alterações climáticas, com assistência e aconselhamento na sua implementação e a promover a cooperação internacional.
As dúvidas
Sendo certo que este tipo de metas é uma estrondosa novidade enquanto proposta por parte de um organismo como a AIE mas nada de novo se emitidas por organizações ambientalistas, a verdade é que é fundamental esperar pelo que terá sobre ele a dizer a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a ad hoc OPEP+, que junta a Rússia e outros produtores, que tem desde 2017 um programa agressivo de cortes na produção para equilibrar os mercados.
Para já, como sublinham alguns analistas, a paragem de todas as operações de pesquisa por novas reservas não está na agenda de nenhum organismo ou país, exceptuando os ambientalistas, e nenhuma agência ou organização tem capacidade para obrigar os países produtores a deixarem de querer aumentar a sua produção de crude, alguns deles em claro esforço nesse sentido, como é o caso de Angola.
Os analistas notam ainda que a OPEP+ tem divulgado relatórios onde analisa as evoluções da oferta e da procura e anuncia as adequações da produção aos humores dos mercados, sublinhando que este relatório, como outros divulgados por ambientalistas, são meras previsões e, nalguns casos, desejos que se podem ou não confirmar.
E há ainda especialistas que recordam como evidência a dificuldade de encontrar um substituto para o petróleo na sua capacidade de produzir força capaz de, por exemplo, fazer voar um avião de passageiros como os que actualmente são usados nas ligações intercontinentais ou ainda os grandes navios de transporte de cargas e de cruzeiros turísticos como os que conhecemos hoje,
Apesar das dúvidas, e de não se saber ao certo que caminho e velocidade vai seguir a humanidade nesta incontornável transição energética, certo, certo é que dentro de alguns anos, nada será igual e as mudanças vão acontecer, com vítimas e vencedores.
Os países que melhor perceberem o tempo e anteciparem as mudanças são os que melhor vão estar no futuro. Para já, as economias mais dependentes das exportações de crude, como a angolana, são os que, provavelmente, vão apresentar mais resistência às mudanças. Mas isso terá custos para as gerações futuras.
Para já, o cenário em Angola, onde, de facto, estão a correr alguns investimentos na produção de energia solar, como se noticiou aqui, ou ainda nas barragens, a aposta nas alternativas mais sólida no País, é marcado, ainda, pela forte dependência das exportações da matéria-prima.
Crude sob fogo cruzado
O petróleo está claramente sob fogo e na mira do mundo aflito com os efeitos da poluição atmosférica sobre o planeta.
A ONU, como têm sido disso prova os repetidos recados do seu Secretário-Geral, António Guterres, que insiste no objectivo "emissões zero" para combater o aquecimento global através da redução da emissão de gases com efeito de estufa, sendo essa a única forma de garantir que o Planeta Terra não aquece mais que 2 graus centígrados até 2100, temperatura a partir da qual a vida deixa de ter condições de subsistir tal como a conhecemos, podendo o "desastre" ocorrer muito antes se nada for feito para travar o consumo de combustíveis poluentes, sendo o crude o inimigo público nº1 neste capítulo.
Face a este cenário, reforçado pela advertência das Nações Unidas às instituições financeiras e bancos globais de que devem deixar rapidamente de financiar projectos poluentes e apostarem rapidamente nos projectos de reduzidas emissões de carbono e com garantia de serem amigos do ambiente, apontando António Guterres as baterias às infra-estruturas de apoio à extracção e uso de energia fóssil, lembrando que estas estão condenadas a ser financeiramente um erro evidente.
"Não podemos suportar mais grandes infra-estruturas no sector da energia fóssil", disse Guterres, sublinhando, num importante encontro sobre o clima em São Petersburgo, na Rússia, que são evidentes as provas de que "as energias alternativas e limpas são hoje um investimento mais seguro e reprodutivo do capital investido".
E isso parece ser já uma evidencia para as grandes casas financeiras e bancos com alguns deles, como a Goldman Sachs, a mudarem o azimute das suas atenções para outras áreas, no universo das energias limpas ou de baixa emissão de gases com efeito de estufa.
Outros casos são já mais que um sinal de que o petróleo deixou de ser visto com bons olhos pela banca mundial e que, na primeira oportunidade, esta salta do barco, o que não pode deixar de ser um evidente aviso para os países produtores, como Angola, de que é chegado o momento de diversificar as suas economias e afastá-las da dependência da extracção de hidrocarbonetos.
Um bom exemplo é a decisão do australiano Banco Macquarie que se retirou da exposição aos projectos de extracção de carvão e petróleo estabelecendo como meta para isso 2024, outro exemplo vem do Deutsche Bank que deixou, com efeito imediato, de financiar projectos na área do gás e do petróleo onde estava, como os do Árctico, ou ainda a Goldman Sachs, que também anunciou a retirada do financiamento nalguns projectos que tinha em carteira.
E o recado parece ter chegado longe
Pelo menos para as multinacionais do petróleo, isso é já evidente, como fica claro em declarações de alguns dos lideres do sector, sendo bom exemplo o que disse recentemente o CEO da Shell, Bem van Beurden, que entende ter o mundo já atingido o pico do consumo de crude e agora vai ser sempre a descer com a emergência das não-poluentes, enquanto a BP anunciou estar ciente de que as actuais reservas de crude "nunca serão esgotadas" porque as preocupações ambientais e as alterações climáticas estão claramente a afastar o interesse do petróleo.
Alguns analistas, como Alex Kimani avançou no OIlPrice, entendem que 2020 pode muito bem ter sido o ano em que tudo mudou no sector do petróleo e, em geral dos combustíveis fosseis, devido à mudança de paradigma em direcção às energias limpas, podendo mesmo, diz este especialista, mais de 900 mil milhões de dólares, o que corresponde a um terço do valor total das "majors" do crude e gás natural, estão em evidente risco de deixarem de ter qualquer valor.
Todavia, como este processo não tem paralelo na história da indústria das energias fosseis, é muito difícil para os analistas estimar com precisão o momento em que o mundo estará livre da dependência do crude e do gás natural ou mesmo do carvão.
Por isso, alguns analistas notam que existe o risco de as "majors" deixarem de investir na busca de novas reservas e as actuais estarem esgotadas sem que a transição energética esteja concluída, o que poderia levar, ironicamente, a uma explosão do valor do barril nos mercados para patamares jamais vistos.
Um sinal de que isso pode estar a suceder já está disponível nos relatórios internos do chamado "big oil", ou grandes companhias, que já observam um volume de redução das suas reservas superior à sua substituição por novas descobertas devido ao evidente desinvestimento, como o demonstrou a norueguesa Rystad, que disse que as cinco "majors", a ExxonMobil, a BP, a Shell, a Chevron, a Total e a ENI já não estão a repor o que extraem com novas descobertas em mais de 15% ou o equivalente a 13 mil milhões de barris, o que quer dizer que, em 15 anos, estas reservas estarão secas.
E Angola surge como um dos países onde esse desinvestimento parece estar já a afectar fortemente a produção do País, visto que esta tem estado a cair de forma pesada nos últimos anos, passando em cerca de uma década de 1,8 mbpd para os actuais, em queda acentuada, 1,2 mbpd.