O chanceler alemão, Olaf Scholz, foi o primeiro, na segunda-feira, a abrir uma brecha na frente que Washington estava a erguer, com o empenho do Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que está a realizar um périplo europeu, para encostar ainda mais a Rússia à parede através da proibição de importar crude e gás natural deste país, mas, já hoje, terça-feira, 08, também os primeiros-ministros britânico, Boris Johnson, e holandês, Mark Rutte, anunciaram não estarem dispostos a seguir esse caminho.

E os mercados sentiram estes recuos com a mesma intensidade que reagiram quando se antecipava uma frente alargada anti-hidrocarbonetos russos, atirando o barril de Brent para os 126 USD, um recuo de mais de 13 dólares, estabilizando, ainda assim, em valores muito superiores aos que existiam antes do início da guerra, a 24 de Fevereiro - estava a 93 USD a 23 de Fevereiro -, o que perspectiva que a confiança dos mercados numa solução rápida para o conflito é escassa.

Mas tudo pode mudar de um momento para o outro, porque a Rússia, através do seu ministro dos Petróleos, Alexander Novak, já veio advertir que se a ameaça de um boicote ao crude russo se mantiver, Moscovo fecha a torneira do gás natural à Europa e as exportações de crude e carvão no imediato, gerando um défice na oferta impossível de tapar, o que atiraria o barril para lá dos 300 USD num ápice.

Mas há mais parcelas nesta equação complexa. A Rússia coloca hoje nos mercados perto de 8 milhões de barris por dia (mbpd) e vende perto de 40% do gás natural consumido na Europa, não existindo capacidade global para substituir esta produção, nem sequer a OPEP+, que está mesmo a sentir dificuldades em suprir as quotas mensais acordadas no âmbito do programa de reposição da produção cortada durante a crise pandémica da Covid-19.

E ainda existe a questão da qualidade do crude disponível nos mercados, que tem na Rússia, além da Arábia Saudita, um dos maiores produtores globais de crude ligeiro e doce (light and sweet), mais indicado para a produção de combustíveis finos, que necessitam de processos de refinação menos intensos, como o gasóleo, a gasolina e o jet A1(para aviões), enquanto o pesado-heavy, tem outros componentes mais indicados para produzir asfalto e betumes, menos valioso e menos apreciado pelos mercados além de um mais elevado teor de enxofre, que é o que menos agrada às refinarias.

Este petróleo de elevada qualidade russo vem, essencialmente, da sua bacia do oeste siberiano, o maior depósito de crude e gás do mundo, com mais de 2,2 milhões km2, e que o mundo não possui actualmente capacidade para substituir.

No entanto, os EUA, que são menos dependentes do gás e do crude russos, apesar de o Presidente Joe Biden estar prestes a banir as importações destes produtos russos, sendo quase certo que o fará nas próximas horas, segundo as agências de notícias, porque o Congresso já tem agendada uma votação que visa obrigar a Administração Biden a cortar as importações energéticas russas.

E isso pode levar, mesmo que com menor impacto, a uma reacção dos mercados, porque, apesar de os EUA dependerem apenas em 7% do petróleo russo, sendo a maior economia mundial e o maior consumidor da matéria-prima, perto, em média, de 19 milhões de barris por dia em 2020, sendo que o país produz em torno dos 10 mbpd, este valor é, apesar de tudo, muito relevante...

Todavia, a Rússia, que já tem assinados com a China vários acordos, facilmente poderá compensar esta quebra de receitas desviando as vendas para Pequim, o que lhe dá espaço para que o seu ministro da tutela, Alexander Novak, tenha vindo dizer que um dia destes, antes de aprovarem mais medidas contra a Rússia, é a Rússia que os surpreende com o corte do fornecimento de gás e de crude à Europa e aos EUA.

Novak disse ainda que isso levaria o barril para os 300 USD facilmente, o que se traduziria por uma crise de consequências devastadoras para todo o mundo, o que ocorre exponencialmente face ao facto de o mundo estar ainda a recompor-se da crise pandémica do Sars CoV-2.

A posição da China

A contrabalançar este terreno pantanoso em que se encontram os pés da indústria petrolífera russa está a China, a segunda maior potência económica mundial e o maior importador global de crude, que já fez saber que não vai alinhar com as potências ocidentais na aplicação de sanções económicas a Moscovo.

Esta informação, que já tinha sido admitida pelo Governo de Xi Jinping, foi confirmada já pelo presidente do organismo regulador do sistema bancário chinês, Guo Shuging, garantindo que o país vai manter as transacções económicas e financeiras normais com a Rússia.

"Nós não aprovamos a aplicação de sanções, especialmente as que estão a ser aplicadas unilateralmente por não terem base legal sólida e não haver qualquer certeza de que estas podem ter uma influência substancial na resolução dos problemas", adiantou o responsável.

Este posicionamento da China permite um importante alívio nas restrições que a economia russa está a enfrentar devido ao volumoso caudal se sanções ocidentais devido à invasão da Ucrânia.

Os precedentes

A Rússia é o segundo maior produtor/exportador de petróleo do mundo, logo a seguir à Arábia Saudita, com quem partilha a liderança da OPEP+, a organização que desde 2017 procura equilibrar os mercados petrolíferos abrindo e fechando as torneiras em função das condições dos mercados, o que torna evidente que qualquer perturbação na sua infra-estrutura produtiva e exportadora vai gerar uma tempestade global, podendo atirar o preço do barril para valores nunca visto.

Segundo alguns analistas citados pelos media especializados no sector, os valores do crude registados hoje podem ainda subir de forma descontrolada nas próximas horas ou dias se, como avisou antes desta acção do Presidente russo o Presidente dos EUA, Joe Biden, o mundo decidir "castigar" a Rússia incidindo sobre a sua infra-estrutura produtiva no sector dos hidrocarbonetos, que é a grande indústria exportadora do país e a sua principal, de longe, fonte de receitas.

Todavia, o mundo pula e avança e não fica aparado a ver passar sanções e o efeito das sanções sobre a Rússia pode ser diluído com a entrada no mercado de outro dos grandes exportadores mundiais de crude, o Irão, que está há vários anos sob rígidas sanções norte-americanas devido ao acordo nuclear de 2015, depois do anterior Presidente dos EUA, Donald Trump, o ter unilateralmente abandonado, reimpondo as sanções às exportações de crude sobre Teerão que tinham sido levantadas pelo seu antecessor, Barack Obama.

O Irão, segundo o próprio Presidente dos EUA, está a um passo de voltar a ver levantadas as sanções no seguimento de negociações que já duram há mais de um ano, com Teerão a comprometer-se com o cumprimento do acordo de 2015, que determina, entre outras imposições, que este país abandone o processo de criação de urânio enriquecido, que permitirá, no limite, a criação de armas nucleares.

E se isso suceder, como se prevê, nas próximas semanas, o Irão, que acaba de anunciar ao mundo uma gigantesca descoberta de reservas de crude e de gás no sul do país, pode fazer entrar no mercado global, no imediato, entre 2 e 3 milhões de barris por dia, podendo esta cifra chegar aos 5 milhões no espaço de poucos anos, ou mesmo meses, devido à sua condição de 3º maior produtor da OPEP.

A título de exemplo, em 2019 Teerão anunciou ao mundo a descoberta de um gigantesco campo de petróleo com mais de 53 mil milhões de barris, na zona do Khuzestan, a apenas 80 metros de profundidade, o que significa que, além de vasto, este campo garante não só uma extraordinária facilidade de extracção como garante um breakeven de sonho para qualquer multinacional do sector.

Este campo iraniano só fica atrás da sua estrela da companhia, o campo de Ahvaz, que contém mais de 65 mil milhões de barris prontos a ser extraídos.

Angola

No entanto, para já, esta crise que escala dia após dia para novos patamares no leste europeu, é uma garantia de preços mais elevados nos mercados internacionais, o que faz com que Angola, mesmo que o País se debata há anos com quebras sucessivas na produção, estando agora em menos de 1,1 milhões de barris por dia, mesmo abaixo da quota atribuída no contexto da OPEP, tenha um momento de relativa bonança pela frente, considerando que o crude representa, ainda, 95% das suas exportações, é responsável por 35% do PIB e garante quase 60% dos gastos de funcionamento do Estado.