A Arábia Saudita e os EAU são os grandes aliados dos Estados Unidos no Médio Oriente, apenas suplantados pelos laços que unem Washington e Israel, mas, face ao pesado pacote de sanções que os EUA aplicaram à Rússia, sendo o corte das importações de crude gás natural o último acrescento à lista, e que Joe Biden pretendia aumentar com o apoio dos seus principais aliados do Golfo Pérsico, segundo o Wall Street Journal, tanto um como outro recusam falar com o Presidente norte-americano sobre essa possibilidade, sendo o segundo golpe na sua estratégia de isolar Moscovo depois de as grandes economias europeias, com a Alemanha à cabeça, na terça-feira, terem anunciado que recusam abdicar do crude e do gás russos.

Segundo o Wall Street Journal, tanto o príncipe saudita Mohammed bin Salman - que tem uma relação pouco amistosa com Biden devido ao assassínio do jornalista saudita Jamal Khashoggi - como o sheik Mohammed bin Zayed al Nahyan, dos Emirados, se recusaram a falar com Biden ao telefone, sendo que, o mais provável é que o Presidente dos EUA estaria à espera de que estes dois produtores de crude e gás pudessem tapar o buraco deixado pelo fim das importações à Rússia, que equivalem a cerca de 8% do crude consumido nos Estados Unidos, que é, números de 2020, de quase 19 milhões de barris por dia (mbpd).

A Arábia Saudita e os EAU fazem parte da OPEP+, agremiação que junta desde 2017 os 13 Países Exportadores (OPEP) e 10 desalinhados encabeçados pela Rússia de forma a equilibrar os mercados face às repetidas crises através do controlo da produção deste gigantesco "cartel" que representa quase 50% da produção mundial.

E o primeiro sinal de que os seus membros estão, pelo menos na sua maioria, ao lado do seu parceiro russo, foi dado na passada semana quando os membros decidiram que não iriam aumentar a produção além do acordado, que vai em mais 400 mil barris por dia mensalmente, apesar de a guerra na Ucrânia, que começou com o avanço das colunas russas sobre o vizinho a 24 de Fevereiro, estar a gerar fortes perturbações dos mercados, que já subiram desde essa data mais de 35 USD no Brent de Londres, que serve de referência às ramas exportadas por Angola.

Apesar de a Rússia ser já o país com o mais pesado pacote de sanções de sempre, especialmente oriundas da União Europeia e dos EUA, as suas ligações especiais à China, que já veio deixar claro que nada vai afrouxar a cooperação com Moscovo, e com países como a Índia e a Alemanha, ou ainda o Reino Unido, pelo menos até ao final deste ano, entre outros, a manterem abertas as torneiras do gás e do crude Made in Russia, e agora com este sinal dado por sauditas e os Emirados Árabes Unidos, Moscovo poderá respirar com um ligeiro acrescento de alívio.

E é ainda face a esta recusa do príncipe saudita Mohammed bin Salman e do sheik Mohammed bin Zayed al Nahyan, dos Emirados, em atenderem o telefone a Joe Biden que este se voltou para a Venezuela, até há pouco tempo o maior inimigo dos EUA e da União Europeia, que tinham jurado depor o regime de Nicolas Maduro, com o apoio incondicional ao líder da oposição Juan Guaidó, para ver se de Caracas chega o petróleo que substitua as importações russas.

Apertado com uma forte e galopante crise, de Caracas, Maduro, mesmo depois de ter dito há dias que estava 100% ao lado da Rússia, mandou saber a Joe Biden que está a analisar as suas propostas, não fechando a porta à possibilidade de enviar o crude que vai faltar aos EUA. Mas ainda não foi tomada uma decisão pelo senhor de Caracas.

Entretanto, a leste tudo novo

Esta situação, em que Joe Biden se viu pendurado na linha telefónica com os "amigos" do Golfo, coincide com uma outra pouco cómoda para a estratégia norte-americana de isolar a Rússia através das sanções, depois do anúncio por parte da Turquia de que tinha conseguido, depois de uma conversa longa entre os Presidentes Recep Erdogan e Vladimir Putin, juntar à mesa, já amanhã, quinta-feira, 10, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, e da Ucrânia, Dmytro Kuleba, na cidade turca de Antalya, no sul do país.

Este encontro, o de mais alto nível desde o início da guerra na Ucrânia, está a ser visto como o primeiro passo sério para abrir caminho a uma saída pacífica para este conflito que já fez mais de dois milhões de refugiados e largas centenas de mortos e feridos de um e do outro lado, com algumas das cidades ucranianas fortemente atingidas pelos bombardeamentos russos.

No conflito, as novas informações vindas da frente passam por uma repetição da abertura de corredores humanitários hoje, 09, para que milhares de pessoas deixem as cidades sob cerco russo, especialmente em Mariupol, no sul, e Kharkiv, no leste, bem como em Kiev, e que as já famosas colunas militares russas a norte da capital ucraniana, avança o The Guardian, têm os problemas de logística resolvidos, nomeadamente a questão do abastecimento e das pontes destruídas, de forma poderem avançar para a cidade.

Também no que toca ao fornecimento de material militar de apoio à Ucrânia, os EUA borregaram a ideia de enviar caças de fabrico norte-americano, como os F-16, para a Polónia por troca dos MIG-29, de produção russa, que este país enviaria para KIev.

Ao mesmo tempo, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apesar de não retirar as ameaças de resistir até ao último homem ao avanço das forças russas, veio a público apresentar um discurso menos rugoso, tendo mesmo admitido negociar os pontos que Moscovo coloca como fundamentais para dar por finda esta "operação militar especial", como seja a adesão à NATO, a questão da soberania sobre a Península da Crimeia e o espinhoso assunto das repúblicas do Donbass, Donetsk e Lugansk, no leste, junto à fronteira russa, que o Kremlin já reconheceu e quer que Kiev faça o mesmo.

O anúncio de Biden

Joe Biden, em declaração transmitida na terça-feira, 08, pelas tvs, em directo, explicou que a proibição da importação de crude e gás natural russos é uma forma de os EUA deixarem de "financiar a guerra" que Moscovo declarou à Ucrânia.

Nesta declaração que estava a ser esperada com forte expectativa, Biden admitiu perceber que os aliados europeus não alinhem nesta decisão, porque "os EUA são menos dependentes das importações" da Rússia.

Isto, porque a Rússia exporta para a Europa 40% do seu gás natural e 30% do crude consumidos anualmente pela União Europeia.

Neste discurso, o líder norte-americano adiantou que os EUA e a UE estão a trabalhar de perto de forma a que seja possível no futuro próximo criar forças alternativas de produção de energia, o que vai permitir também libertar o mundo da dependência do crude e gás russos.

"Defender a liberdade vai ter custos", apontou para acrescentar de seguida que esse preço é algo a que os norte-americanos têm de aceitar pagar, sublinhando que também os europeus, embora ali uma decisão desta natureza seja mais difícil porque o buraco que seria deixado pela proibição de importar crude russo e gás seria impossível de tapar por longos meses ou mesmo anos.

"Nos podemos dar este passo, outros não podem, mas estamos a trabalhar de perto com os nossos aliados europeus numa estratégia de longo termo que reduza a sua dependência da energia russa", disse Biden, acrescentando que é uma decisão de vai "infligir fortes danos na economia russa mas também na norte-americana e europeia".

Afirmou que esta era uma forma de atingir a "artéria principal da economia russa" e um "poderoso golpe na máquina de guerra de Putin".

E quando Biden vem proferir esta declaração já sabia que entre segunda-feira e hoje, terça. 08, lideres europeus como o chanceler alemão Olaf Scholz ou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, já lhe tinham explicado que não iriam alinhar na sua estratégia porque a dependência é de tal monta que torna essa opção inviável.

Logo após este discurso, os mercados reagiram de imediato e o barril de Brent, por exemplo, que serve de referência para as exportações angolanas, subiu quase sete dólares, para os 133 dólares em minutos, tendo, pouco depois, no Brent, de Londres, amaciado a subida para os 128 e já hoje, 09, consolidar perto dos 130, 129,30 USD perto das 10:00, hora de Luanda,

Recorde-se que na segunda-feira chegou aos 139 USD apenas porque foi avançada esta possibilidade.

Esta decisão dos EUA pode, no entanto, despoletar uma reacção de Moscovo, que já fez saber, através de do seu ministro dos Petróleos, Alexander Novak, que já veio advertir que se se viesse a concretizar o boicote ao crude russo, poderia ser fechadaa torneira do gás natural à Europa e as exportações de crude e carvão no imediato, gerando um défice na oferta impossível de tapar, o que atiraria o barril para lá dos 300 USD num ápice.

Porque é o crude russo especial?

Mas há mais parcelas nesta equação complexa. A Rússia coloca hoje nos mercados perto de 8 milhões de barris por dia (mbpd), quase 10% do todo global, e vende perto de 40% do gás natural consumido na Europa, não existindo capacidade em todo o mundo para substituir esta produção, nem sequer a OPEP+, que está mesmo a sentir dificuldades em suprir as quotas mensais acordadas no âmbito do programa de reposição da produção cortada durante a crise pandémica da Covid-19.

E ainda existe a questão da qualidade do crude disponível nos mercados, que tem na Rússia, além da Arábia Saudita, um dos maiores produtores globais de crude ligeiro e doce (light and sweet), mais indicado para a produção de combustíveis finos, que necessitam de processos de refinação menos intensos, como o gasóleo, a gasolina e o jet A1(para aviões), enquanto o pesado-heavy, tem outros componentes mais indicados para produzir asfalto e betumes, menos valioso e menos apreciado pelos mercados além de um mais elevado teor de enxofre, que é o que menos agrada às refinarias.

Este petróleo de elevada qualidade russo vem, essencialmente, da sua bacia do oeste siberiano, o maior depósito de crude e gás do mundo, com mais de 2,2 milhões km2, e que o mundo não possui actualmente capacidade para substituir.

No entanto, os EUA, que são menos dependentes do gás e do crude russos, apesar de o Presidente Joe Biden ter vindo a público dizer que ainda não decidiu se vai banir as importações destes produtos russos, podem vir a avançar sem a Europa nesta proibição, porque o Congresso já tem agendada para os próximos dias - a data ainda não está definida - uma votação que visa obrigar a Administração Biden a cortar as importações energéticas russas.

E isso pode levar, mesmo que com menor impacto, a uma reacção dos mercados, porque, apesar de os EUA dependerem apenas em 7% do petróleo russo, sendo a maior economia mundial e o maior consumidor da matéria-prima, perto, em média, de 19 milhões de barris por dia em 2020, sendo que o país produz em torno dos 10 mbpd, este valor é, apesar de tudo, muito relevante...

Todavia, a Rússia, que já tem assinados com a China vários acordos, facilmente poderá compensar esta quebra de receitas desviando as vendas para Pequim, o que lhe dá espaço para que o seu ministro da tutela, Alexander Novak, tenha vindo dizer que um dia destes, antes de aprovarem mais medidas contra a Rússia, é a Rússia que os surpreende com o corte do fornecimento de gás e de crude à Europa e aos EUA.

Novak disse ainda que isso levaria o barril para os 300 USD facilmente, o que se traduziria por uma crise de consequências devastadoras para todo o mundo, o que ocorre exponencialmente face ao facto de o mundo estar ainda a recompor-se da crise pandémica do Sars CoV-2.

A posição da China

A contrabalançar este terreno pantanoso em que se encontram os pés da indústria petrolífera russa está a China, a segunda maior potência económica mundial e o maior importador global de crude, que já fez saber que não vai alinhar com as potências ocidentais na aplicação de sanções económicas a Moscovo.

Esta informação, que já tinha sido admitida pelo Governo de Xi Jinping, foi confirmada já pelo presidente do organismo regulador do sistema bancário chinês, Guo Shuging, garantindo que o país vai manter as transacções económicas e financeiras normais com a Rússia.

"Nós não aprovamos a aplicação de sanções, especialmente as que estão a ser aplicadas unilateralmente por não terem base legal sólida e não haver qualquer certeza de que estas podem ter uma influência substancial na resolução dos problemas", adiantou o responsável.

Este posicionamento da China permite um importante alívio nas restrições que a economia russa está a enfrentar devido ao volumoso caudal se sanções ocidentais devido à invasão da Ucrânia.

Os precedentes

A Rússia é o segundo maior produtor/exportador de petróleo do mundo, logo a seguir à Arábia Saudita, com quem partilha a liderança da OPEP+, a organização que desde 2017 procura equilibrar os mercados petrolíferos abrindo e fechando as torneiras em função das condições dos mercados, o que torna evidente que qualquer perturbação na sua infra-estrutura produtiva e exportadora vai gerar uma tempestade global, podendo atirar o preço do barril para valores nunca visto.

Todavia, o mundo pula e avança e não fica parado a ver passar sanções e o efeito destas sobre a Rússia pode ser diluído com a entrada no mercado de outro dos grandes exportadores mundiais de crude, o Irão, que está há vários anos sob rígidas sanções norte-americanas devido ao acordo nuclear de 2015, depois do anterior Presidente dos EUA, Donald Trump, o ter unilateralmente abandonado, reimpondo as sanções às exportações de crude sobre Teerão que tinham sido levantadas pelo seu antecessor, Barack Obama.

O Irão, segundo o próprio Presidente dos EUA, está a um passo de voltar a ver levantadas as sanções no seguimento de negociações que já duram há mais de um ano, com Teerão a comprometer-se com o cumprimento do acordo de 2015, que determina, entre outras imposições, que este país abandone o processo de criação de urânio enriquecido, que permitirá, no limite, a criação de armas nucleares.

E se isso suceder, como se prevê, nas próximas semanas, o Irão, que acaba de anunciar ao mundo uma gigantesca descoberta de reservas de crude e de gás no sul do país, pode fazer entrar no mercado global, no imediato, entre 2 e 3 milhões de barris por dia, podendo esta cifra chegar aos 5 milhões no espaço de poucos anos, ou mesmo meses, devido à sua condição de 3º maior produtor da OPEP.

A título de exemplo, em 2019 Teerão anunciou ao mundo a descoberta de um gigantesco campo de petróleo com mais de 53 mil milhões de barris, na zona do Khuzestan, a apenas 80 metros de profundidade, o que significa que, além de vasto, este campo garante não só uma extraordinária facilidade de extracção como garante um breakeven de sonho para qualquer multinacional do sector.

Este campo iraniano só fica atrás da sua estrela da companhia, o campo de Ahvaz, que contém mais de 65 mil milhões de barris prontos a ser extraídos.

Angola

No entanto, para já, esta crise que escala dia após dia para novos patamares no leste europeu, é uma garantia de preços mais elevados nos mercados internacionais, o que faz com que Angola, mesmo que o País se debata há anos com quebras sucessivas na produção, estando agora em menos de 1,1 milhões de barris por dia, mesmo abaixo da quota atribuída no contexto da OPEP, tenha um momento de relativa bonança pela frente, considerando que o crude representa, ainda, 95% das suas exportações, é responsável por 35% do PIB e garante quase 60% dos gastos de funcionamento do Estado.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte vital das suas garantias de segurança soberanas, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem ao grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados a sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%. Estas sanções abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.