O aviso sobre a possibilidaded de recurso ao arsenal nuclear foi dado, mais uma vez, depois de o Presidente Valdimir Putin ter mandado, no início da guerra, colocar o seus sietma de defesa nuclear em alerta máximo, pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, reafirmando aquilo que já era conhecido: se a segurança vital russa estiver ameaçada, "a nossa doutrina determina o uso da arma nuclear".

Este momento ocorre ainda quando os Estados Unidos da América, cujo Presidente, Joe Biden, está a chegar à Europa para reuniões de alto nível da NATO, da União Europeia e do G7, acusam a Rússia de estar a preparar-se para o uso de armas químicas e biológicas.

Joe Biden garantiu, antes de deixar Washington, uma resposta à altura quando a Rússia recorrer a esse tipo de armas proibidas, embora Moscovo negue essa pretensão.

A acusação de Biden sobre a intenção dos russos recorrerem a armamento químico e biológico acontece depois de ter sido Moscovo a acusar os EUA de manterem sob sua supervisão vários laboratórios suspeitos na Ucrânia, o que a Casa Branca nega de forma veemente apesar de a sub-Secretária de Estado dos Assuntos Políticos, Victoria Nuland, ter publicamente assumido a existência destes laboratórios quando defendia a urgência destes não caírem em mãos erradas no decorrer da guerra.

No que diz respeito ao regresso do tema da guerra na Ucrânia à AG da ONU, o problema é que, ao fim praticamente um mês de conflito, que começou a 24 de Fevereiro, a quase unanimidade conseguida no início de Março na condenação da Rússia proposta em resolução apresentada pelos EUA e pela Albânia, está prestes a desfazer-se com os membros deste órgão máximo das Nações Unidas a ter de debater mais que uma resolução. provavelmente serão três.

Entre as três, uma da Rússia, que peca por uma ausência de considerações claras sobre a guerra, outra da França e do México, mais incisiva sobre o papel de Moscovo no conflito e que exige um cessar-fogo imediato, contendo um teor fortemente acusatório de Moscovo, e uma da África do Sul que segue numa direcção de maior incidência humanitária, que procura expurgar da retórica a acusação directa à Rússia.

Os debates deverão começar nas próximas horas, embora ainda estejam várias arestas por limar, nomeadamente a procura de uma solução diplomaticamente aceitável que aproxime, pelo menos, uma parte das propostas de resolução que evite o surgimento de um fosso entre os 193 membros da ONU.

Fosse esse que é já claro entre os membros da União Europeia sobre a questão de um embargo ao petróleo e ao gás russos, com países como a Hungria, a Alemanha ou os Países Baixos, entre outros, a oporem-se de forma determinante a uma proibição total da importação, como o já fizeram os Estados Unidos e como o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, tem insistentemente pedido que seja feito.

O que levou o líder alemão, o chanceler Olaf Scholz, a vir a público advertir que é necessário evitar sanções impossíveis de sustentar no longo termo pelo efeito devastador que estas podem ter em todo o mundo, como é o caso do embargo global à energia Made im Russia, porque esta é uma guerra que pode durar muito tempo.

Isso mesmo pode ser sublinhado pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, que saiu cabisbaixo de mais uma conversa com o Presidente russo, Vladimir Putin, sem conseguir um cessar-fogo imediato.

Mas da França chega um sinal de que a economia francesa pode estar à beira de dizer que já chega e é preciso voltar ao "negócio como sempre" depois de se saber que a gigante do sector automóvel, a Renault, cujo accionista maioritário é o Estado francês, anunciou que vai retomar rapidamente a sua produção na Rússia.

Outras recusaram deixar o mercado russo, como o gigante Nestle ou ainda a BUrger King, entre outras, abrindo uma brecha robusta na procura de isolar a Rússia depois de 24 de Fevereiro.

Há ainda outros sinais de fraqueza ocidental, como é disso exemplo o sector energético, gás e crude, que ficou fora das sanções europeias, mas também o urânio, essencial para o sistema de produção nuclear de energia nos EUA, que, apesar de sancionar o petróleo e o gás russos, deixarem este mineral estratégico de fora, porque, ao contrário dos fósseis, não é autónomo na produção de combustível radioactivo para as suas centrais nucleares e depende em boa parte de fornecimentos russos.

E este é também o momento em que o Governo russo, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, voltou a falar publicamente sobre a hipocrisia ocidental que congelou a sua abordagem a esta situação na Ucrânia, que insistiu tratar-se de uma "operação militar especial" e não uma guerra, no dia 24 de Fevereiro, ignorando pura e simplesmente o que está para trás.

Entre outras questões, Lavrov recordou os alertas feitos por Moscovo sobre a inaceitável aproximação da NATO às fronteiras russas, gerando uma perigosa e inaceitável pressão bélica sobre Moscovo, quadro em que uma eventual adesão - que estava a caminhar rapidamente para isso - da Ucrânia à Aliança Atlântica criaria fragilidades defensivas consideradas vitais para o Kremlin, exigindo, por isso, esta acção militar.

Deixando ainda um aviso sério de que as sanções ocidentais, o maior pacote sancionatório alguma vez aplicado a um país, serão diluídas e que as grandes marcas ocidentais que deixarem a Rússia poderão ver os seus bens patrimoniais reassumidos localmente.

Relações Rússia-EUA em ponto de ruptura

A Rússia ameaçou os Estados Unidos da América com um histórico corte de relações diplomáticas depois de o Presidente Joe Biden ter apelidado o seu homólogo Vladimir Putin de "assassino" e "criminoso de guerra". SE houver mesmo um corte nas relações entre os dois países, são as duas maiores potências militares mundiais que ficam de costas voltadas.

Depois de uma primeira reacção, vinda do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, onde este diz apenas que se trata de uma declaração que não dignifica o cargo de Presidente dos EUA, o Governo russo aumentou o tom da resposta através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, admitindo uma ruptura entre os dois países.

Ao mesmo tempo, o embaixador norte-americano em Moscovo, John Sullivan, era chamado ao ministério dos Negócios Estrangeiros russo para lhe ser entregue uma nota de protesto e ser informado por Sergei Lavrov de que as relações bilaterais estão "à beira do colapso"..

Este escalar da tensão, inesperada depois de ter parecido que o Governo russa estaria a preferir desvalorizar as "ofensivas" palavras de Biden, surge num momento em que este está a preparar uma importante deslocação à Europa, que antecedeu de uma nova acusação a Putin, dizendo que o senhor do Kremlin pretende usar armas biológicas na sua guerra na Ucrânia.

Uma eventual consumação desta ruptura diplomática entre Moscovo e Washington tem um significado histórico de relevo porquanto ocorreria 105 anos desde que uma situação similar aconteceu, em 1917, ano em que que os EUA, era Presidente Woodrow Wilson, cortaram relações com a Rússia depois da tomada do poder pelo partido Bolchevique, que viria a dar corpo à comunista União Soviética, que Washington apenas reconheceu 16 anos depois, em 1933, estava Franklin Roosevelt na Casa Branca.

Para já, atravessar essa linha histórica de corte de relações, que significaria que as duas maiores potências mundiais no campo militar, detentoras dos dois maiores arsenais nucleares do mundo, deixariam de comunicar, pelo menos oficialmente, não foi ainda anunciada pelo Kremlin, mas o MNE russo já fez saber que é certo e seguro que essas relações foram severamente prejudicadas pelas declarações de Joe Biden.

O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Ryabkov, citado pelo site oficial Sputniknews, disse que, perante esta situação, "os EUA têm de parar a escalada das tensões, em termos verbais e na forma como estão a alimentar o regime de Kiev com armamento".

"Têm de parar de gerar ameaças para a Rússia", acrescentou o vice-MNE russo, Sergei Ryabkov, aproveitando para dizer aos jornalistas que se os EUA deixarem de incentivar Kiev, "o que não deve vir a suceder", então "estarão criadas condições para retomar a normalidade das relações" entre a Rússia e os EUA.

E não perdeu a oportunidade para garantir que as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia, no seguimento da invasão da Ucrânia, que a Rússia apelida de operação militar especial e condena os jornalistas que escrevem a palavra "guerra", ou todos aqueles que se refiram à entrada doas forças russas na Ucrânia como uma "guerra", não terão "qualquer efeito ou influência" na determinação de Moscovo.

Entretanto, as negociações

O Presidente ucraniano voltou a lançar um apelo veemente ao seu homólogo russo para um diálogo directo entre ambos por entender que essa é a única forma de abrir caminho para um cessar-fogo e depois um acordo de paz, mas as oscilações dos seus discursos, ora com ferozes desafios e ameaças à Rússia, ora apaziguadores, começam a gerar dúvidas entre os analistas. A única certeza é que este conflito tem repercussões que vão muito além das fronteiras russo-ucranianas... e a expansão da fome pelos países mais pobres é uma delas.

Depois de horas de conversações, ao longo de duas semanas, entre as delegações dos dois Governos, ucraniano e russo, primeiro na Bielorrússia, depois por videoconferência, e após o promissor encontro entre os dois ministros dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, da Rússia, e Dmitri Kuleba, da Ucrânia, que decorreu na Turquia, o epílogo normal e coerente será o encontro cara a cara entre os Presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky.

Sucede que, se é verdade que Zelensky já insiste nesse encontro há mais de uma semana, por entender ser a única forma de acabar com a guerra, de Moscovo, a resposta tem sido sempre a mesma: "Ainda não há nada de concreto que os dois Presidentes possam abordar com segurança num resultado positivo", diz Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin sempre que a questão lhe é colocada, pouco alterando o conteúdo da frase.

O que alguns media russos têm sublinhado sobre este encontro, que, mais cedo ou mais tarde, terá lugar, porque é assim, como diz um e outro lado, que todas as guerras terminam, é que o Presidente Volodymyr Zelensky está a querer algo que não tem sustentação nem no terreno das batalhas nem na retórica normalmente usada para facilitar o início de negociações de paz sérias e sólidas.

Isto, porque, nos seus discursos, seja os vários por dia, divulgados em vídeos nas redes sociais, seja nos discursos para os parlamentos nacionais onde já "foi" por videoconferência, do Congresso dos EUA ao Knesset israelita, ou ao Bundestag alemão, entre outros, Zelensky vai intercalando ameaças robustas com abordagens pacifistas.

Exemplos: Zelensky disse que ou os soldados russos se rendiam ou seriam todos mortos, ou a outra onde diz que está disposto a caminhar para a III Guerra Mundial, ou ainda quando afirma que não cede um milímetro à integralidade territorial da Ucrânia, quando sabe que questões como a Crimeia ou as repúblicas do Donbass nem sequer são aceitas pelo outro lado como negociáveis.

E isto, com, pelo meio, intervenções apaziguadoras onde mostra disponibilidade e mesmo cedência nalgumas das exigências mais preponderantes de Moscovo para iniciar conversações de paz sérias e decisivas, desde logo a não entrada na NATO e a garantia de um estatuto de neutralidade...

Ao mesmo tempo que os russos foram cedendo noutros pontos, como abdicar de uma mudança de regime no país assegurando uma retirada das tropas perante um acordo que garanta as suas questões consideradas de segurança vital nacional, como a neutralidade ucraniana, a não adesão à NATO ou a desmilitarização do país...

Este pedido de conversas directas com Putin feito nas últimas horas por Zelensky surge quando a Rússia está claramente a intensificar a sua acção militar, bombardeando posições que diz serem alvos militares legítimos, mesmo que as tvs mostrem cada vez mais bairros residenciais de Kiev ou de Kharkiv destruídos sem que ali existam, aparentemente, elementos de defesa militar, estando os mísseis enviados por Moscovo cada vez mais próximos do centro da capital, como e disso exemplo a destruição de um centro comercial muito próximo do coração da cidade, apesar de ser já claro, depois de divulgados vídeos e fotografias que o provam, que este era usado para ocultar lança-foguetes ucranianos e servia de garagem para viaturas militares.

Face a isto, Zelensky veio agora dizer que este é o momento para "conversas directas" com Vladimir Putin, "em qualquer formato" porque "essa é a única forma de acabar com a guerra" porque "só assim os dois lados sabem o que o outro quer e podem ser feitas aproximações sólidas que permitam acabar com a guerra".

Mas deixou claro que as suas forças não aceitarão em nenhum formato uma rendição em nenhuma das cidades mais fustigadas pelas forças russas, desde Kharkiv, no leste, à capital, Kiev, ou como Mariupol, no sudeste, o maior porto de acesso ao Mar de Azov, totalmente destruída e albergue do Batalhão de Azov, uma milícia agora reconhecida pelas Forças Armadas ucranianas, apesar de ter uma raiz nazi-fascista provada, a quem Moscovo acusa de estarem a impedir a saída de civis para servirem de escudos humanos, e que Kiev diz, por sua vez, ser palco de um gigantesco crime de guerra.

A chegada do Tio Sam a Europa

Este volte-face na disponibilidade ucraniana de apostar no diálogo depois de, na semana apssada, parecer mais desafiadora que nunca ao invasor russo, surge depois de a União Europeia ter, na segunda-feira, discutido e acabado por não aceitar um embargo célere e decisivo ao gás e ao petróleo russos, como Zelensky queria, de forma a Putin não ter como financiar a guerra, e quando a NATO deixou claro, mais uma vez, que não vai, nem entrar na guerra directamente nem patrocinar uma zona de exclusão aérea, que é o mais pungente pedido do líder ucraniano, apesar de apoiar com material militar e logístico o país em larga escala.

A Europa não tem como abdicar do gás e do crude russos por não tre alternativa no fornecimento imediato, e uma zona de exclusão aérea nos ceús da Ucrânia seria colocar aviões da NATO a combater aviões da Rússia, de forma directa, o que acabaria por levar à III Guerra Mundial, que Biden e Putin já admitiram ser impossível de conter na sua forma convencional, sem recurso ao nuclear, se tal vier a suceder.

Ou seja, Zelensky, segundo convergem alguns analistas mais equidistantes do diapasão ocidental, esperava que a chegada do Presidente americano, Joe Biden, à Europa, esta semana, onde vai estra numa reunião da NATO de alto nível, e no encontro dos lideres da União Europeia, seria um lufada de ar fresco no seu esforço de resistência à invasão russa.

Mas, para já, e ao que se sabe, quando, na quarta-feira, Biden aterrar em Bruxelas, pouco mais terá para oferecer a Zelensky que aquilo que já lhe deu em grande quantidade, armamento, especialmente mísseis anti-tanque, Javelins, e anti-aéreo, Stinger, e perto de 14 mil milhões de dólares para aguentar o país em tempos de guerra e do terramoto económico que a acompanha.

Isto, quando, devido ao peso das sanções já aplicadas à Rússia pela Europa e pelos EUA e restantes aliados, ser já de tal monta que, dificilmente, haverá outras medidas sancionatórias que possam fazer a diferença, exceptuando o já descartado embargo europeu à energia russa, que vale a Moscovo, ainda, perto de 700 milhões USD por dia.

A geoestratégia inerente a este conflito

É igualmente importante a análise geoestratégica. Depois de ouvir e ler diversos analistas, o Novo Jornal faz, em síntese, a radiografia do que está em causa nesta guerra do leste europeu.

Sabendo-se que a Rússia deu como seguro que não aceitaria, já desde 2007, que o avanço da NATO, a organização militar ocidental criada em 1949 para fazer face ao avanço da então União Soviética, e depois do seu apêndice militar, o Pacto de Varsóvia, para as suas fronteiras, através da integração na organização de países do leste europeu, antigos membros países comunistas, considerando que a Ucrânia é a derradeira linha vermelha daquilo que entende como a sua segurança vital, tal como a Geórgia.

Face aos incentivos ocidentais para que Kiev desse o passo seguinte para entrar na NATO, Zelensky inscreveu na Constituição, em 2019, como objectivos nacionais prioritários a entrada na NATO e na União Europeia, tendo a Rússia usado esta disposição constitucional como um dos motivos de topo para a invasão, procurando, através desta, assegurar que não terá bases da NATO a escassos 700 quilómetros de Moscovo, distância que pode ser feita em 30 minutos pelos modernos mísseis norte-americanos, sendo essa a justificação para esta invasão que Moscovo apelida de "operação militar especial".

Mas em causa não está apenas o confronto dos países "ocidentais" europeus e norte-americanos e a Rússia, no mapa mundi da geoestratégia os analistas mais finos não denotam dúvidas de que os países da NATO liderados pelos EUA pretendem fragilizar a Rússia com este esforço de guerra e com o pesado pacote de sanções, prolongando o conflito, até vergar Moscovo, fazendo, em definitivo, da Rússia uma potência secundária, de forma a que, no já claro e evidente, confronto global pela supremacia económica e militar mundial entre a China e os Estados Unidos possa "decorrer" sem os russos a "atrapalhar".

Mas também esse objectivo ocidental parece estar a enfrentar dificuldades porque Pequim já veio dizer que não abdica da sua relação privilegiada com a Rússia, reforçando as rotas e os tratados comerciais entre ambos, assim como a Índia, que já veio igualmente opor-se às sanções ocidentais contra Moscovo, mantendo igualmente as fortes relações comerciais e acelerando-as mesmo como o prova o mais recente negócios no campo petrolífero de 3 milhões de barris por dia durante 3 meses e meio a preços abaixo do mercado.

A China veio mesmo afirmar que, embora negando que o esteja a fazer no presente, pode, no futuro, vir a apoiar a Rússia militarmente se isso se revelar essencial neste conflito do leste europeu, o que deixa em evidência que Pequim está ciente de que se os norte-americanos levarem a Rússia a ficar de joelhos, Pequim é o... inimigo que se segue.

Como, de resto, o evidencia o denominado AUKUS, o tratado entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, que visa estancar o rápido e avassalador avanço da influência chinesa no Índo-Pacífico, demonstrando onde estão, presentemente, as mais sólidas preocupações norte-americanas, embora a questão do leste europeu tenha surgido como um imbróglio, eventualmente, inesperado, com o qual Washington teve de lidar quando tinha o seu foco no outro lado do mundo.

Também África pode vir a revelar-se uma questão importante neste combate global pela influência entre EUA e China, mas também a Rússia e a União Europeia, como o demonstrou a votação na Assembleia Geral da ONU de uma resolução de condenação da agressão russa apresentada pelos EUA, onde dos 193 membros, 141 votaram a favor, cinco contra e 35 abstiveram-se, sendo que, destes, 28 africanos, entre os 54 que compõem o continente, votaram a favor e os restantes abstiveram-se, incluindo Angola e também Moçambique, a Namíbia ou a África do Sul, para referir apenas os países da parte austral.

Face a este cenário onde se joga uma partida de xadrez mundial, a Ucrânia é pouco mais que um bispo que está a ser sacrificado em nome de uma estratégia que ultrapassa largamente a geografia do leste europeu mas que pode resvalar para uma tragédia global face aos efeitos que está a ter na economia mundial, desde logo no capítulo alimentar, com os preços a subirem vertiginosamente fruto da importância que os dois beligerantes, Rússia e Ucrânia, têm como celeiros do mundo, produzindo 30% dos cereais consumidos no planeta e perto de 50% do que consome o continente africano.

Para já, as dificuldades em alimentar milhões de pessoas em dificuldades, especialmente no oriente africano, são sérias ao ponto das Nações Unidas terem lançado um apelo para que o mundo não se esqueça destas pessoas, assoladas que estão já por sucessivas secas históricas, fruto das alterações climáticas, enquanto o preço do crude sobe, o dos combustíveis também, estando já a gerar protestos em partes do mundo mais desenvolvido, como a Europa ou alguns países sul-americanos e asiáticos.

A tempestade humanitária

O grito de alerta foi lançado já há muito tempo, considerado que esta guerra começou a 24 de Fevereiro com o avanço dos blindado russos sobre a Ucrânia - pelo Secretário-Geral da ONU, quando este, a 11 de Março, disse que uma avassaladora fome vai atingir a parte mais fragilizada do mundo, milhões de pessoas em África e na Ásia, já começaram a sentir os efeitos na forma de insegurança alimentar, se o conflito se prolongar.

António Guterres sabia do que falava e a fome é já uma realidade para milhões de pessoas na África Oriental, em países como a Somália ou a Etiópia, ou o Sudão, onde 20 milhões dos 45 milhões de pessoas do país estão à beira da fome severa, uma tragédia jamais vista, porque estes países, embora o mesmo suceda em muitos outros, como o Egipto, ou até Angola, indirectamente, dependem quase a 100% dos cereais adquiridos à Ucrânia e à Rússia, que já fecharam as exportações destes bens de forma a garantir a sua própria segurança alimentar em tempos de guerra.

A Rússia e a Ucrânia os campos agrícolas dedicados ao milho, trigo, cevada... da humanidade menos desenvolvida, produzindo 30% dos cereais em todo o mundo, e, ao mesmo tempo, o celeiro dos países mais pobres e a fonte de alimentos fornecidos, normalmente, pelas agências da ONU, como o UNICEF, o PAM ou outras... nas áreas de maior incidência de secas prolongadas, como o Corno de África, ou de, por exemplo, devastações produzidas por pragas de gafanhotos...

Em Angola, por exemplo, onde, tal como no resto do continente, mas não só, a generalidade dos bens da cesta básica estão a encarecer diariamente - o pão, por exemplo, em alguns locais

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

Milhares de mortos e feridos e mais de 3 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.