Este encontro entre Biden e Jinping acontece 48 horas depois de o norte-americano ter dito a Pequim que vai "pagar um preço elevado" se apoiar militarmente a Rússia, como foi noticiado estar prestes a suceder pelos media dos EUA, e prontamente desmentido pelos Governos chinês e russo, ao mesmo tempo que dizia que "este não é o melhor momento para se ser falsamente neutral".

Joe Biden terá, provavelmente, tempo e oportunidade para explicar a Xi Jinping o que queria dizer com estas palavras, ao mesmo tempo que Xi Jinping poderá abordar com o seu homólogo a questão da neutralidade, materializada na reunião da AG da ONU, onde se absteve no voto de condenação proposto pelos EUA e Albânia.

O líder chinês tem dito ainda, através dos membros do seu Governo, que a neutralidade chinesa se reveste de uma tradição que não pode ser ignorada porquanto acredita que as sanções económicas carecem de fundamento legal internacional e são ineficazes, ao mesmo tempo que defende a continuidade das trocas comerciais entre Pequim e Moscovo, que é um das principais obstáculos à eficácia, apesar desta ser elevada, das pesadas sanções aplicadas pelo ocidente à Rússia.

De acordo com os media norte-americanos que estão a citar a Casa Branca sobre este encontro digital, Joe Biden pretende "dissuadir" Xi JInping de vir a apoiar a Rússia no confronto militar na Ucrânia, quando acaba de aprovar em Washington um pacote de 13,6 mil milhões de dólares para apoiar o esforço ucraniano no contexto desta guerra, alem de 800 milhões suplementares para o esforço militar directamente.

Esta "Cimeira" entre os líderes de duas das mais influentes potências no mundo, tanto economicamente como militarmente, ocorre depois de enviados dos dois países, o conselheiro nacional para a segurança de Biden, Jake Sullivan, e o diplomata chinês, Yang Jiechi, em Roma, onde, durante umas extraordinárias e tensas sete horas seguidas, discutiram o assunto da guerra no leste europeu, onde o norte-americano deixou, segundo fontes citadas pelas agências, um sério aviso à China das "severas consequências" de um envolvimento mais próximo com a Rússia neste conflito.

Isto, quando se sabe que a China e a Rússia assinaram vários acordos antes deste conflito, incidindo em vários domínios da economia e do comércio, mas não são conhecidos quaisquer entendimentos no âmbito da cooperação militar firmados recentemente.

Mas este encontro, tendo em conta que a guerra na Ucrânia está a gerar um refluxo da crise económica gerada pela pandemia da Covid-19, e começa a dar sinais de estar a ser diluída, afectando ambos os países, bem como a Europa, directamente, e indirectamente, o resto do mundo, nomeadamente no que diz respeito à segurança alimentar de vastas regiões, como África, pode ainda servir para que, Pequim de um lado, e Washington, do outro, pressionem os contendores no sentido de amaciarem posições negociais para que as hostilidades parem em breve.

A paz pode ser um ricochete desta guerra?!

Na quarta-feira, ao final do dia, recorde-se, os media internacionais avançaram, como o Novo Jornal já tinha perspectivado aqui, uma evolução firme nas negociações, ao ponto de o Financial Times ter mesmo divulgado uma lista de 15 pontos com as posições gerais ali definidas, faltando apenas afinar os detalhes, mas tudo parece ter voltado, se não à estaca zero, pelo menos uns degraus abaixo na caminhada para a paz, a partir das palavras de Joe Biden que, ao mesmo tempo que chamava "criminoso de guerra" a Putin, prometia à Ucrânia mais armas e mais apoio financeiro para manter a guerra contra a Rússia.

E Zelensky não se fez rogado e espetou mais uma estaca no coração das negociações ao avançar, face ao renovado apoio de Washington, que exige que a Rússia aceite "o princípio da integralidade territorial" do seu país quando se sabe que Moscovo já disse que não aceite sequer discutir a questão da Crimeia, que anexou, após referendo, em 2014, bem como as duas repúblicas do Donbass, Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, que Moscovo reconheceu dias antes de lançar a invasão. Esta nova posição do líder ucraniano surge horas depois de er elogiado a Rússia por estar a apresentar propostas "mais realistas".

Alguns analistas assumem mesmo que este ponto, se não for parte da estratégia negocial de Kiev, de exigir muito para, no fim, obter o que pretende, pode ser ainda mais difícil de ultrapassar que a questão até aqui considerada a mais decisiva, que é a neutralidade ucraniana mantendo-se fora da NATO, tendo, para isso, de avançar para uma revisão da Constituição, que desde 2019 impõe que o pais integre tanto a NATO como a União Europeia.

Isto, ao mesmo tempo que Zelensky mantém no ar o pedido, persistente, aos EUA, que lideram, de facto, a NATO, para que esta aliança militar garanta uma zona de exclusão aérea sobre os céus da Ucrânia, apesar de Joe Biden e Putin já terem deixado claro que se isso vier a suceder, será o primeiro acto da III Guerra Mundial, que será impossível de manter na forma convencional evoluindo segura e rapidamente para o nuclear.

E a questão do nuclear pode ser o "ricochete" desta guerra e do qual ninguém quer ser vítima. No limite, se as coisas azedarem, como alguns especialistas militares temem que possa vir a suceder, se o conflito durar mais que o "razoável", a questão do nuclear será decisiva para acalmar os ânimos... quanto mais não seja, porque esse passo pode muito bem ser o último da Humanidade tal como a conhecemos.

E as negociações...

... não estão paradas apesar destas "provocações" e do do avanço das colunas militares russas na vasta região oriental da Ucrânia, ocupando ou cercando as suas principais cidades, desde logo as duas maiores, Kiev, a capital, a norte, e Kharkiv, no leste, e ainda Mariupol e Kherson, essenciais no acesso ao Mar Negro e Mar de Azov, no sul-Sudeste, estando já às portas da emblemática Odessa, a grande cidade ucraniana e o grande porto marítimo, com acesso ao Mar Negro.

Ao contrário do que a maior parte dos media está a avançar, dificilmente as forças de Moscovo tratarão Odessa como as restantes cidades devido ao carregado simbolismo histórico que esta urbe transporta, sendo disso um bom exemplo, mas nem de perto nem de longe o único, a sua "metafórica" escadaria onde Sergei Eisenstein, em 1925, realizou uma das mais icónicas sequências cinematográficas, ao serviço da propaganda Soviética, dentro do filme igualmente simbólico, "O Couraçado Potemkin", que estava acostado no porto da cidade, nas quais o povo (os marinheiros) se rebela contra a tirania (os oficiais), travando-se naquela escadaria uma das batalhas mais metaforicamente sensíveis, à qual o Kremlin não deixará, seguramente, de prestar atenção por causa do potencial aproveitamento propagandístico que Kiev e o ocidente poderá fazer face a um eventual ataque russo destrutivo a esta cidade.

Porém, no terreno onde se desenrola o conflito, o braço de ferro tende a mostrar-se num impasse, seja porque a resistência ucraniana, com um forte apoio em armamento dos países da NATO, emerge como substancialmente mais férrea que os russo esperariam, seja porque as forças russas estão, como alguns especialistas em tácticas militares admitem, em stand by, com o cerco sólido às cidades, a ver como decorrem as conversas à mesa das negociações, ao mesmo tempo que desgastam as forças opositoras devido à impossibilidade de reabastecimento.

O turbilhão diplomático avança, apesar de tudo...

Enquanto, na frente de batalha, avanços e recuos marcam os dias, nos corredores diplomáticos o frenesi parece ser cada vez maior e em muitas chancelarias europeias não se apagam as luzes há muito tempo, adivinhando-se que o café é servido abundantemente.~

Já hoje, além do anúncio deste encontro entre Biden e Jinping, depois de na quarta-feira ter ido a Moscovo para se encontrar com o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) turco, Mevlüt Çavusoglu, está hoje em Kiev, para se encontrar com Dmitry Kuleba, o MNE ucraniano, onde estão, também, colocadas uma boa parte das fichas daqueles que apostam em que este conflito acabe.

Por outro lado, nas últimas horas surgiram rumores de que, ao mais alto nível, a Turquia e Israel estão empenhados em criar condições para um encontro entre Putin e Zelensky, o que alguns analistas admitem ser uma saída eficaz para esta guerra, visto que se os dois lideres admitirem tal encontro, não podem correr o risco de dele não sair algo de palpável e sólido para calar as armas.

Enquanto isso, ao mesmo tempo que os Estados Unidos e do Reino Unido parecem estar agora a endurecer posições contra a Rússia, gerando acrescidas dificuldades, especialmente ao parecer estar a aposta de Washington e Londres na fragilização da Rússia através desta guerra ao apoiar militarmente os ucranianos, na União Europeia, as vozes mais aguerridas parecem estar agora menos temerárias, sendo uma das razões, como apontam alguns analistas, os efeitos devastadores na economia europeia desta guerra, desde logo nos produtos alimentares e nos combustíveis, o que já começou a gerar protestos populares incómodos para as lideranças políticas dos 27 países que compõem o bloco europeu.

De França, onde esta questão das repercussões da guerra na economia ganham maior ênfase porque o país vai a eleições nas próximas semanas, o Presidente Emmanuel Macron, que é candidato, tem estado na frente da locomotiva diplomática que procura chegar à paz como destino, tendo mesmo, já esta semana, afirmado estar disponível para voltar a Moscovo e ir a Kiev, se isso for considerado fundamental para resolver esta crise no leste europeu.

O que os analistas da área económica sublinham é que os efeitos da guerra no aumento dos preços das matérias primas, no sector alimentar muito porque Rússia e Ucrânia são dos maiores exportadores de cereais do mundo, bem como de fertilizantes, o que desencadeia uma espécie de "efeito borboleta" em todo o mundo, levando um "bater de asas" no leste europeu a uma "tempestade" no resto do mundo, com especial incidência em África, e ainda por causa do efeito na alta do petróleo e do gás, pela mesma razão, ou seja, a Rússia é um dos três maiores produtores destas matérias primas em todo o mundo.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

Milhares de mortos e feridos e mais de 3 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.