O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, presente no encerramento da CImeira de Joanesburgo, percebeu já que esse movimento de criação de uma nova ordem mundial menos assente no domínio ocidental é imparável, afirmando que o mundo está a experimentar uma mudança de ordem, para uma multipolaridade plena de novas oportunidades.
O chefe das Nações Unidas lamentou, apesar disso, que as tensões e as divisões estejam a aumentar quando existem condições excepcionais para se assistir precisamente ao contrário dessa instabilidade.
Guterres considerou, perante os lideres dos agora 11 Estados-membros dos BRICS +, que "é agora o momento" para "trabalhar juntos", em vez de, como se vê, estarem as crescer as divisões e as tensões entre países. Apontando a guerra na Ucrânia como um factor de divisão e tensão.
Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, a mudança de nome com o alargamento não foi sequer um tema, visto que todos entendem que a designação BRICS, que soma as inicias de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, "é já uma marca" e não foi equacionado por nenhum dos novos membros a alteração desta designação.
Mas há algo que não vai continuar igual, que é a exponencial capacidade de influenciar o mundo, desde logo no sector da energia, onde, com a adesão da Arábia Saudita, EAU, Egipto, Etiópia e Argentina e Irão, catapulta os BRICS+ para um patamar de incontornabilidade nos diversos fóruns mundiais, até porque, por exemplo, só no que diz espeito à produção de crude, esse "estatuto" eleva-se de forma que só o tempo dirá qual o limite.
Isso mesmo admite Lavrov, que, citado pelos media russos, disse em Joanesburgo que "com a entrada da Arábia Saudita, EAU e Irão, é claro que o tema energia vai brilhar com nova intensidade e estará certamente permanentemente em cima da mesa".
Mas o chefe da diplomacia russa, que está na África do Sul porque Vladimir Putin optou por ficar em Moscovo devido aos riscos inerentes à existência de um mandato de captura do TPI, notou ainda que não haverá como contornar o facto de que os BRICS+ serão um pilar fundamental da nova ordem mundial multipolaar sustentada em parcerias e cooperação entre iguais com os princípios da ONU como farol.
Algumas dúvidas só serão desvanecidas nas próximas horas, como a questão da organização interna desta nova estrutura, quem vai chefiar periodicamente os BRICS +, se terá um órgão de gestão corrente, como evoluirá o desenho do seu funcionamento... e, essencialmente, se haverá uma plataforma ao serviço da diluição de tensões internas, que, como se sabe, não são poucas, desde logo entre China e Índia ou mesmo sauditas e iranianos, mas também entre a Etiópia e o Egipto, que se travam de razões há anos devido à gestão das águas do Rio Nilo com a construção de uma barragem em território etíope.
O anfitrião, Cyril Ramaphosa, anunciou, por sua vez, que o convite aos seis novos membros, que terá efectividade a partir de Janeiro de 2024, foi consensual entre os cinco fundadores.
Apesar deste novo "elã" mundial, o SG da ONU, como refere a Lusa, destacou na sua intervenção os factores que considera estarem por detrás das divisões prevalecentes: "Perspectivas divergentes sobre as crises globais, abordagens contrastantes às ameaças à segurança não tradicionais, estratégias diferentes em relação às novas tecnologias e, claro, as consequências da covid-19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia".
"Continuo profundamente preocupado com o risco de uma ruptura da ordem global, estamos a entrar num mundo multipolar", salientou.
O secretário-geral da ONU insistiu que "o nosso mundo está numa situação difícil", afirmando que a humanidade enfrenta "desafios existenciais" desde o agravamento da emergência climática e a escalada dos conflitos até à crise global do custo de vida, ao aumento das desigualdades e às dramáticas perturbações tecnológicas.
Sobre os apelos dos líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para "reformas profundas" das instituições globais, como as Nações Unidas e o seu Conselho de Segurança, e o sistema financeiro global, António Guterres defendeu que "o mundo mudou e a governação global deve mudar com ele".
"Até hoje, o continente [africano] está sub-representado na arquitectura financeira global, tal como não tem um assento permanente no Conselho de Segurança", afirmou.
"É por isso que tenho defendido reformas profundas para tornar os quadros globais verdadeiramente universais e representativos das realidades actuais, e mais sensíveis às necessidades das economias em desenvolvimento", justificou António Guterres.
Na sua intervenção, o ex-primeiro-ministro socialista português salientou que "os países desenvolvidos têm uma responsabilidade especial que devem liderar e cumprir".
Nesse sentido, Guterres elencou como prioridade "a promessa de 100 mil milhões de dólares [cerca de 92 mil milhões de euros] aos países em desenvolvimento" e a "reposição do Fundo Verde para o Clima", entre outros, afirmando que "por uma questão de justiça, África deve ser considerada uma prioridade em todos estes compromissos cruciais".
"Cada país tem um papel a desempenhar", referiu, acrescentando que são necessárias "medidas para salvar as economias e reduzir as desigualdades".
Na África do Sul, que enfrenta uma crise energética sem precedentes, o secretário-geral da ONU, ainda citado pela Lusa, também elogiou Pretória por "ser pioneira da Parceria Energética para uma Transição Justa, uma ferramenta crucial para desbloquear cortes de emissões, impulsionar as energias renováveis e fazer crescer a economia verde".
Guterres apelou também aos bancos de desenvolvimento multilateral a alterarem os seus "modelos de negócio", por forma a alavancarem "muito mais financiamento privado para o mundo em desenvolvimento", que na sua óptica necessita de cooperação fiscal internacional "mais inclusiva" e "efectiva".
"E trabalhar em conjunto para impedir os fluxos financeiros ilícitos que estão a drenar recursos vitais do continente africano", concluiu o secretário-geral da ONU.
Na véspera da reunião anual dos BRICS, o chefe de Estado sul-africano reiterou o apoio da África do Sul às Nações Unidas, sublinhando que esse apoio existe ao lado da "firme convicção de que esta importante instituição multilateral precisa de uma reforma genuína para se tornar mais democrática, representativa e eficiente".
"O Conselho de Segurança das Nações Unidas deve ser transformado num órgão mais inclusivo, mais eficaz, capaz de garantir a paz e a segurança", advogou.