Nesta Cimeira da SCO, uma organização euro-asiática criada em 2001 que agrega 40% da população mundial e mais de 20% do PIB mundial, e conta com, entre os seus oito membros, a China, a Rússia, a Índia, o Paquistão ou o Cazaquistão - Bielorrússia e Irão devem entrar em breve - , Vladimir Putin encontrou o palco internacional ideal para se livrar da pressão gerada pela tentativa de golpe do seu amigo de décadas e chefe dos "soldados da fortuna" do Grupo Wagner.
Mas, ao mesmo tempo, o Presidente da Ucrânia, com quem está em guerra há 500 dias, Volodymyr Zelensky, numa entrevista à CNN Int., aproveitou para dizer que o chefe do Kremlin ficou "muito mais fraco" com o golpe tentado de Prigozhin, e demonstrou estar "a perder o controlo".
Esta posição de Zelensky é claramente veiculada com o sentido de oportunidade demonstrado ao antecipar a Cimeira da SCO, embora surja em sentido contrário às evidências, porque Putin não só desmontou o "golpe" de Prigozhin em menos de 24 horas, como obteve o apoio imediato dos seus aliados comerciais mais importantes, como a China e a Índia, ao mesmo tempo que exilou para a Bielorrússia o chefe dos mercenários.
Sedeado pela Índia, que preside actualmente à organização, esta Cimeira virtual da SCO, o líder russo aproveitou para chamar a atenção para o risco crescente que o mundo enfrenta de novos conflitos devido à instabilidade económica e a crise da dívida que está a conduzir o mundo para uma nova e severa crise financeira.
Vladimir Putin alongou-se na identificação dos principais riscos que o mundo enfrenta nos dias de hoje, sublinhando alguns como o combustível que alimenta as chamas de uma nova crise mundial, como a "incontrolada dívida" entre as grandes economias ocidentais, a "estratificação social e a crescente pobreza em todo o mundo", e a "deterioração da qualidade ambiental" e a "cada vez mais grave insegurança alimentar".
"São problemas graves por si mesmo, mas quando surgem combinados, possuem um potencial gigantesco de despoletar tensões graves em todo o planeta", sendo que é a própria Rússia que está actualmente a travar uma das mais violentas guerras em muitas décadas no leste europeu e com reconhecido impacto negativo na economia mundial, além de ter sido uma das maiores fontes de insegurança alimentar entre os países mais pobres.
Mas estas palavras de Putin no âmbito desta Cimeira da SCO têm como pano de fundo também a procura de sublinhar a capacidade de resistência da Federação Russa às agressivas sanções ocidentais aplicadas após a invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022.
E, nesse sentido, Putin disse aos seus homólogos que o povo russo "está mais unido que sempre" e a sociedade russo demonstrou uma "solidariedade e responsabilidade" a toda a prova face às adversidades que o país foi exposto.
Como tem sido notado pelos governantes russos, e discurso ao Putin sempre regressa, entende o líder do Kremlin que a economia russa foi capaz de resistir e ultrapassar os desafios colocados pelas sanções, sendo que uma das formas mais notadas foi a diversificação do destino do seu petróleo e gás para oriente depois das sanções ocidentais que nele incidiram.
O agradecimento de Putin a Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, que é o anfitrião digital deste encontro, e a Xi Jinping, o seu maior aliado e Presidente da China, não foi, assim, uma surpresa, até porque esse apoio, na forma de parceria económica, já é conhecido e tem vindo a crescer há meses consecutivos, com Nova Deli a passar mesmo Pequim como maior comprador de crude a Moscovo.
Xi e as revoluções coloridas
Aproveitando o palco alargado da SCO, que apenas é ultrapassada em dimensão e importância enquanto organização fora da malha ocidental pelos BRICS, o líder chinês dedicou parte da sua alocução aos membros à questão da interferência externa na política nacional de estados independentes, avisando para a necessidade de contrariar essas tentativas na forma de "revoluções coloridas".
O Presidente Xi Jinping defendeu perante os seus pares na SCO que a organização deve erguer uma capacidade de resposta e contestação às "revoluções coloridas" que, como é público e notório, são um dos instrumentos preferenciais dos países ocidentais, especialmente os EUA, de provocar alterações de regimes em países em desenvolvimento sem sistemas democráticos consolidados, como sucedeu na Tunísia, Egipto e Líbia, só para citar casos africanos, igualmente chamadas de "primaveras árabes".
Fora do continente, uma das mais conhecidas revoluções coloridas, que começaram um pouco por todo o mundo a partir de 2.000, quase todas inspiradas no livro "Da Ditadura à Democracia", de Gean Sharp, foi a "revolução laranja" - os países árabes a cor com mais preponderância tem sido o verde - ocorrida na Ucrânia de 2004, que se seguiu à "revolução rosa" da Georgia, em 2003.
"É necessário criar, de forma categórica, capacidade de resposta às tentativas de interferência externa e inspirar revoluções coloridas seja qual for o pretexto", disse Xi, acrescentando aquilo que tem sido a posição de Pequim, que é contrariar e opor-se às sanções sem aprovação das Nações Unidas sobre quaisquer que sejam os países.
Modi e a urgência do desenvolvimento do "outro" gigante asiático
A Índia é o gigante asiático populacional do momento, depois de ultrapassar a China como país mais populoso do mundo, com os seus mais de 1,3 mil milhões de pessoas num território substancialmente mais pequeno que a China, e o seu primeiro-ministro, Narandra Modi não tem perdido tempo a explicar que o seu desenvolvimento não será travado por ninguém nem por nenhuma disposição internacional.
Modi já disse por diversas vezes que o seu país tem um longo caminho pela frente até poder ser comparado com os mais desenvolvidos, combatendo a pobreza e a miséria, não podendo ser travado nesse caminho por normas restritivas ligadas ao combate às alterações climáticas, porque, tal como em África, para se desenvolverem, os países ocidentais poluíram muito mais que os países menos desenvolvidos actualmente fazem.
Focado na questão do desenvolvimento, Modi aproveitou esta 23ª Cimeira, na qual é o anfitrião e organizador, sublinhando que o objectivo da SCO é promover a prosperidade e o desenvolvimento dos seus membros da Eurásia.
"Nós não vemos a SCO como uma extensa vizinhança mas como uma grande família", disse Modi, naquilo que pode ser uma advertência para o ocidente, que, sem o esconder nem camuflar, tem investido muito, especialmente os EUA e a União Europeia, em desligar Nova Deli de Moscovo.
Para o líder indiano, os pilares da sua presidência da SCO estão bem definidos e claros, e passam por promover o desenvolvimento económico, a conectividade, o respeito, a soberania e a integridade territorial, sendo que também aqui pode ser lido um "recado" para o ser "parente", Putin, no que toca à invasão russa da Ucrânia.
África devia, segundo vários analistas, acusar o "toque" dado por Modi neste contexto euroasiático, colocando claramente em cima da mesa a questão das prioridades centradas no desenvolvimento e não na escolha de lados quando dois gigantes, o eixo Moscovo-Pequim-Nova Deli-Teerão versus o eixo Washington/Bruxelas/Tóquio se digladiam pela criação de uma nova ordem mundial ou pela manutenção da actual.