Apesar de terem estado os dois expostos ao escrutínio popular nos respectivos partidos, apenas sobre Donald Trump existia uma ínfima dose de suspense sobre o resultado da votação nos 16 estados em disputa, enquanto para Joe Biden era apenas cumprir calendário.
Com a surpreendente vitória nas vésperas do "Dia D" no Vermont, a antiga embaixadora do ex-Presidente Trump na ONU, Nikki Haley, alimentou uma nesga de esperança, mas acabou soterrada pela avalanche de votos somados pelo mais que favorito.
As pequenas derrotas neste dia tanto de Biden como de Trump não são relevantes, a de Trump no Vermont não é, seguramente, mas Biden também perdeu na Samoa Americana, uma ilhota no Pacífico Sul governada pelos EUA, para um desconhecido de nome Jason Palmer, que já tem toda a gente a tentar saber quem é.
Nem Trump nem Biden já têm o número de delegados que lhes garanta a nomeação nos respectivos colégios eleitorais, mas tanto o republicano como o democrata festejaram estes resultados como se já tudo estivesse decidido.
Nos EUA, os candidatos são escolhidos através de eleições internas nos respectivos partidos em todos os estados, somando delegados que, numa conferência final, elegem o candidato do às eleições Presidenciais que ocorrem sempre em Novembro.
Para estes dois candidatos, as dificuldades que têm pela frente já não são políticas, são mais de natureza biológica, por causa das suas idades avançadas, 77 anos Trump e 81 Biden, e os processos e suspeitas em juízo judicial e policial.
Em todas as sondagens, a questão da idade foi sempre maioritariamente no sentido de gerar desconforto com a quase certa entrega da Presidência a um idoso, seja um ou outro a ganhar em Novembro, mas, ainda assim, sobre este item, Biden é mais castigado.
Os dois "velhotes" somam e seguem e demonstram a satisfação natural de estarem bem vivos eleitoralmente, para manter, no caso de Biden, e, para Trump, recuperar o poder que perdeu em 2020, com o agravante de não ter sido eleito para um segundo mandato, como é da praxe.
Confirmando que a idade também é hierarquia, como recorda The Guardian, desde a década de 1970 que não havia uma disputa em eleições primárias com tão escassa competitividade e ausência de suspense sobre o desfecho na disputa interna pelo lugar de nomeado.
Facto consumado é que, ao que tudo indica, Trump vai ter a oportunidade da vingança pela humilhação de 2020 infligida por Biden que o impediu de seguir para um segundo mandato, uma raridade nos mais de dois séculos de democracia "americana".
Biden vê confirmada a sua vontade de voltar a enfrentar Trump, porque, como o próprio disse, a expectativa da presença do antigo Presidente no boletim de voto deu-lhe um extra de energia para, aos 81 anos, enfrentar uma extenuante campanha eleitoral de quase ano e meio.
O Presidente Biden aproveitou o ensejo para, por entre festejos, voltar a acusar Trump de estar "focado na destruição da democracia" e em brasas para a sua "vingança e retribuição" por causa dos resultados de há quatro anos.
E acrescentou que os resultados colocam os eleitores com uma "escolha clara" entre "continuar focados no futuro ou permitir a Donald Trump que coloque o país em marcha atrás semeando o caos e a divisão e instalando a escuridão que o definiu como Presidente".
Já Trump, na sua luxuosa super-vivenda em Mar-a-Lago, na Florida, afirmando que os republicanos e os país "nunca viram nada assim", falando da sua esmagadora vitória, mas deixando de seguida fugir o verbo para o seu pensamento, atirando-se aos migrantes "criminosos".
Os efeitos internos destas eleições... e no mundo
Internamente, a vitória de Trump ou de Biden terá impacto directo nas políticas migratórias, com o republicano extremista e radicalmente defensor do fecho das fronteiras, e o democrata mais aberto e com inclinação para uma abordagem menos repressiva a este tema.
É ainda importante na questão climática, com Donald Trump a defender que as alterações climáticas são "uma invenção para prejudicar a América" e defende que o país deve ignorar todas as medidas no âmbito da transição energética e voltar a "drill, drill, drill" sem limite.
Com Biden a mostrar-se mais responsável na questão do clima, mas também na área social, com escassas diferenças, sendo que o democrata insiste menos na redução dos impostos, apesar de os EUA cobrarem poucos quando comparados, por exemplo, com a Europa.
Já no que diz respeito às consequências na política externa da eleição de um ou de outro, são de grande relevância porque dificilmente se encontra na história um embate eleitoral com garantia de impacto tão severo na definição do olhar de Washington para o resto do mundo.
Exemplo disso é o que vai suceder no âmbito da guerra na Ucrânia, onde, actualmente, os republicanos estão a impedir a aprovação por Joe Biden de novas ajudas a Kiev em armas e dinheiro, e com a garantia já firmada por Trump de que vai acabar com o conflito em 24 horas.
Ora, um objectivo tão avassalador como este avançado por Donald Trump só é possível de conseguir com o fim total do apoio dos EUA à Ucrânia, garantindo assim a sua derrota militar face a uma Rússia cada vez mais robusta militar e economicamente, contra todas as expectativas no ocidente.
Outra consequência que dificilmente deixará de ser confirmada com uma vitória de Trump, que é o que as sondagens antecipam, é a mudança substantiva das relações com a Rússia, sendo de esperar uma aproximação com Trump e um aumento do fosso caso vença Biden.
Já no que diz respeito ao outro foco complexo no xadrez mundial que é a China, como mostrou no mandato entre 2016 e 2020, Donald Trump deverá enveredar por um agravar das tensões com Pequim, regressar à sua guerra económica e acrescentar risco ao foco de tensão que é Taiwan.
Se esse momento chegar, vai ser, todavia, interessante perceber como é que Trump lidará com uma aproximação ao seu "amigo" russo, Vladimir Putin, ao mesmo tempo que insere asteróides no braço-de-ferro com Xi Jinping, o Presidente chinês e actualmente "melhor amigo" do chefe do Kremlin que em Washington é visto como a maior ameaça aos EUA.
Há uma garantia dada por Trump se este voltar à Casa Branca, que é um voltar a olhar para dentro como a grande prioridade, nomeadamente para as questões migratórias, e um afastamento da prioridade africana atribuída por Biden na sua política externa, o que pode ser um problema para Luanda depois de Angola ter mudado a agulha das prioridades do oriente para o ocidente.