O actual Governo de Kinshasa é uma periclitante coligação entre os elementos afectos ao partido de Joseph Kabila, que deixou a Presidência da RDC nas eleições realizadas em finais de 2018 mas garantindo uma maioria parlamentar que obrigou Félix Tshisekedi e a sua União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS) a aceitar uma coligação governamental com sua Frente Comum para o Congo (FCC), próxima ao ex-Chefe de Estado.
Com esta coligação suportada pela maioria parlamentar da FCC, saída de eleições que a esmagadora maioria dos organismos internacionais reputaram de claramente fraudulentas, mas vistas como uma solução para risco de guerra civil no mais tumultuoso país africano, Kabila manteve uma forte influência na RDC e nos seus destinos, mas sempre sob a ameaça de ter de responder na justiça por vários crimes, nomeadamente, entre outros, as milhares de mortes durante os seus longos mandatos - desde 2001 a 2018 - em confrontos com a polícia e nos cárceres.
E é este o contexto em que os homens de Kabila no poder, nomeadamente o ministro da Justiça, Célestin Tunda, procuram forçar uma reforma no sector da Justiça que conduza a uma situação em que os juízes deixam de ter uma autonomia óbvia face ao poder político.
A sua detenção, foi detido em sua casa pela polícia, no Sábado, e posterior libertação, após ter sido ouvido durante horas pelos procuradores do Ministério Público, no seguimento de uma forte discussão com o Presidente Tshisekedi com a reforma da Justiça como pano de fundo, de acordo com fontes citadas pela imprensa congolesa.
Com este enquadramento, os analistas ouvidos nos media nacionais admitem já que muito dificilmente a frágil coligação se irá manter, até porque as relações de Félix Tshisekedi com Joseph Kabila nunca forma amistosas mas apenas uma necessidade para formar governo sem recorrer a novo pleito eleitoral.
Apesar de Tshisekedi ter levado de vencido o candidato-fantoche de Kabila nas eleições de 2018, o seu partido, a UDPS ficou aquém dos deputados conseguidos pela FCC de Kabila, que, no actual contexto, está em larga maioria no Executivo de Kinshasa, com dois terços do elenco governamental de quase 70 elementos.
A detenção de Tunda, um dos homens fortes de Kabila no Governo e figura de primeira linha da FCC, surgiu num momento de renovados confrontos de rua em Kinshasa, com sucessivas manifestações organizadas pela UDPS, especialmente na passada semana, com ruas bloqueadas e fogos nas principais artérias da capital congolesa, a fazer lembrar os escaldantes anos de 2016, 17 e 18.
Estas manifestações foram organizadas contra as alterações legais que a FCC está a exigir, sob o argumento de clarificar a situação num país onde os juízes têm demasiado poder na condução das políticas da Justiça.
A UDPS acusa claramente a FCC de estar a querer minar o poder judicial e colocar nas mãos do ministro da Justiça uma poder excessivo e perigoso.
Segundo se pode perceber na imprensa congolesa, os próximos dias tendem a ser igualmente tensos em Kinshasa, existindo a possibilidade de Félix Tshiseked, aproveitando o momento, tentar uma clarificação no seio do Governo, com a ameaça de realizar novas eleições.
Recorde-se que a RDC vive desde a década de 1990 um ciclo ininterrupto de guerras civis seguidas de instabilidade forçada pela acção de mais de uma dezena de guerrilhas e milícias, especialmente no leste do país, nas províncias de Ituri, e Kivus, Norte e Sul, e ainda no Congo Central, bem como sucessivas crises humanitárias resultantes de epidemias como o Ébola ou sarampo.
A RDC é um dos países mais ricos em recursos naturais do continente mas a sua população, de cerca de 70 milhões, é uma das que vive em piores condições, de acordo com os índices de desenvolvimento humano da ONU.