A TPA é o mais importante órgão de comunicação social angolano. O seu papel deveria ser o de proporcionar informação e educação, de modo a contribuir para a formação cidadã. Para tal, deveria estar aberta às diversas correntes de opinião que possam concorrer para tal desiderato. Muito recentemente, os angolanos gastaram 35 milhões de dólares para a melhoria do seu desempenho. Pelo resultado conhecido, tal gasto podia ser importante e necessário, mas não era prioritário. Prioritário teria sido melhorar a qualidade da informação e o entretenimento, acabar com a propaganda e despartidarizar a sua linha editorial, o que poderia ser feito com tostões.

O que se pede não é mais do que fazer cumprir o que diz a Constituição sobre a comunicação social pública. Esta é, talvez, a mais importante violação da nossa lei magna desde a sua aprovação em 2010 pelos sucessivos executivos. Há dias, o jornalista Ismael Mateus fez uma contundente crítica ao modo como os partidos se comportam na Assembleia Nacional, colocando os seus interesses acima dos da Nação. O mesmo pode dizer-se da comunicação social. O seu mau serviço está a ser muito nocivo aos angolanos.

Vejamos, por exemplo, o que se passa com os chamados valores morais, cuja degradação está a atingir patamares alarmantes. Há dias, contaram-me que uma criança tirava os botões das camisas do pai e vendia-os a um alfaiate do seu bairro. Seria interessante que o Executivo ponderasse sobre a sua própria responsabilidade na degradação de valores, com as más políticas económicas e sociais que promovem a pobreza e a exclusão. Contra tal terramoto, o poder aposta em movimentos propagandísticos financiados de modo obscuro, como aconteceu no passado com outros agora caídos em desgraça, e percebe-se que as verbas em causa contribuem para a degradação dos valores que tais movimentos deveriam resgatar. Com gastos muito inferiores, a comunicação social pública poderia promover programas com a apresentação de actores e exemplos de boas práticas reconhecidos pela opinião pública, pois eles existem comprovadamente.

A eliminação de qualquer hipótese de escrutínio dos diferentes poderes e do funcionamento das instituições permite que se comentam erros graves que se procuram esconder sem consciência dos males que atingem o "nosso povo". Esconder como se escondiam no passado recente, quando também se garantia que tudo estava bem, e agora, afinal, sabe-se que muito estava mal - e por isso tem de ser corrigido. Foram inauguradas há pouco, em Luanda, duas instituições hospitalares consideradas importantes para a melhoria da prestação de serviços de saúde especializados, uma delas para crianças. Nada a objectar sobre a sua importância, mas muito sobre a sua prioridade, tendo em conta a situação da malária, das doenças respiratórias e das doenças diarreicas agudas, como qualquer médico defende. Um deles, vocacionado para tratar de problemas do foro cardiopulmonar, e o outro para, entre outras funções, tratamentos da medula óssea, incluindo transplantes, que nunca foram feitos, nem possivelmente o serão. O equipamento é de último grito, como sempre, muito do qual sem técnicos para operá-lo, o mobiliário de luxo e até os elevadores funcionam como nos hotéis de muitas estrelas. Sobre o primeiro, temos regularmente reportagens sobre o funcionamento, sobre o segundo, um ensurdecedor silêncio. O "nosso povo" não tem o direito de saber, porque alguém acha que não tem interesse jornalístico mostrar que esse serviço pouco funciona. Porque se soubesse, facilmente concluiria que só o interesse nas comissões justifica tal arbítrio. Como afirmou em tempos Lopo do Nascimento, agora "o projecto é a base do nosso "desenvolvimento" e a comissão o factor decisivo".

Mas não é apenas por omissão que a nossa TPA peca. Porque não há interesse em revelar a verdade, talvez influenciados pelos ventos da pós-verdade, age-se como a deputada israelita, citada por Yuval Noah Harari, que, em 2016, fez um discurso pondo em causa a realidade e a história do povo palestiniano, com o argumento de que, como a letra "p", não existe na língua árabe, não é possível existir um povo palestiniano (ignorava, ou talvez não, que em árabe o "f" usa-se em vez do "p").
No cumprimento de ordens absurdas que vão atravessando os tempos, a comunicação social pública vai massacrando leitores e ouvintes com propaganda repetitiva sobre feitos apresentados a cada ano com pormenores irrealistas ou contraditórios. Um deles é relativo aos acontecimentos conhecidos como a revolta da Baixa de Cassanje. De tanto se faltar à verdade, hoje até presumíveis protagonistas ou testemunhas do acontecido garantem que a revolta e o massacre tiveram lugar na aldeia de Teca-diá-Kinda, município do Quela, no dia 4 de Janeiro de 1961. Pesquisas realizadas pelo historiador francês René Pélissier, retomadas pela luso-angolana Aida Freudenthal, mostram que, depois de alguma agitação em Dezembro de 1960, a que não era estranha o efeito da independência da RDC, a revolta começou abertamente a 4 de Janeiro de 1961 na aldeia de Kivota, comuna de Milando, município do Kunda-diá-Baze, a Norte do Quela. Naquele dia, foram amarrados capatazes da Cotonang, a que se seguiu a ameaça de a população vir a atacar quem a obrigasse a trabalhar no algodão ou em serviços do Estado. À escalada da insurreição seguiu-se a repressão militar e, a 6 de Fevereiro, em Teca-diá-Kinda, registou-se o maior massacre de revoltosos até então, com 70 mortos, 39 feridos e 21 prisioneiros. A partir daí a repressão não conheceu limites. Em 1990, o MPLA decidiu fazer coincidir a data de constituição da sua organização de camponeses (UNACA) com o 6 de Fevereiro. Complicado?

Deturpações da realidade como esta são muitas, como a própria data de criação do MPLA e a figura do seu primeiro presidente, Mário Pinto de Andrade, escondido durante muito tempo da história oficial, e agora "substituído" por Ilídio Machado. Várias das estratégias definidas por Noam Chomsky para a manipulação mediática são aplicadas em Angola, sendo de maior relevância as que se propõem tratar o público como criança e manter o povo na ignorância. Estratégias que começam a ter efeitos perversos, com o povo a recusar "pertencer" a quem acha que é seu dono. Após as derrotas parcelares mas humilhantes de 24 de Agosto, pensou-se que a lição tinha sido aprendida. Mas tudo indica que não. Os milhões que sustentam a propaganda da manipulação mediática e a corrupção vão seguir sem que se importem com os tostões que poderiam levar a uma Angola melhor.