As profundas transformações que Gorbachev empreendeu, com o mundo a assistir atónito à ruptura da política precedente na ex-URSS, minado por contradições insanáveis logo inultrapassáveis do regime, deram lugar a uma nova realidade mundial.
Esta fez reforçar a superpotência mundial EUA, que ficou sozinha em palco, com os regimes autoritários de direita ou de esquerda a terem de caminhar para a democracia representativa e para o livre jogo do mercado.
Catorze territórios antes integrados na ex-URSS tornaram-se independentes, como foi o caso da Ucrânia, e inúmeros outros, com Angola incluída, promoveram transformações políticas resultantes da nova realidade, promovendo eleições democráticas e instituindo o multipartidarismo.
Embora o mundo unipolar suportado pelos EUA passasse com este a ser enquadrado por uma influência hegemónica, esse mundo já não existe mais, prevalecendo hoje um mundo multipolar.
É útil e proveitoso recordar a génese das transformações que se operaram para melhor compreendermos a situação actual.
É que no passado 24 de Agosto, os angolanos foram chamados em democracia, pela quinta vez, às urnas para votar os deputados à Assembleia Nacional que os passarão a representar e eleger ainda o Presidente da República.
Singularmente, neste mesmo dia, os ucranianos festejaram a data em que a Ucrânia se separou e se tornou independente da ex-URSS, com essa a reconhecer essa independência, o mesmo sucedendo com a maioria dos países com assento na ONU.
Estes dois factos, as eleições em Angola e a independência da Ucrânia, tiveram por génese as transformações operadas por efeito da queda do regime da ex-URSS.
Sucede que, como disse, a realidade com que hoje nos deparamos à escala global é muito diferente daquela que existia nas eleições democráticas em Angola, particularmente as três primeiras.
E é muito diferente porque a maioria da população angolana que votou no dia 24 de Agosto é muito jovem e não experimentou a guerra civil fratricida que devastou o País até 2002.
Os eleitores têm hoje motivações de voto diferentes daquelas que conduziram aos actos eleitorais anteriores, e isso já foi perceptível nas eleições de 2017, com a oposição a ter uma subida substancial face ao partido maioritário, o MPLA, particularmente nas zonas urbanas mais densamente povoadas, desde logo na província de Luanda.
O facto de Angola não ter tido crescimento do PIB de 2016 a 2021 inclusive contribuiu para o aumento do desemprego e com ele o agravamento das desigualdades, situação que afectou os mais desfavorecidos de forma ainda mais visível, com a pandemia da Covid-19 e com a invasão da Ucrânia por parte da Federação Russa.
Os resultados das eleições do passado dia 24 só surpreenderam por isso quem não estava atento à realidade e ajuíza que esta é imutável.
A realidade é mutável num mundo em acelerada interdependência.
Por isso, os jovens votaram no desejo de mudança das políticas, mas também uma parte dos mais velhos, incluindo anteriores votantes no partido maioritário, sendo que uma parte destes se absteve.
Esta conclusão impõe-se claramente pela leitura dos números, quaisquer que sejam os debates sobre as percentagens alcançadas pelos partidos concorrentes.
Com realismo, há que concluir que, daqui para a frente, nada será como antes.
E nada será porque os entrincheiramentos partidários não se coadunam com o que claramente resulta dos resultados eleitorais.
Todos os partidos e instituições representativas do Estado foram incentivados nestas eleições a fazerem convergir esforços em desígnios nacionais que estão para além dos legítimos interesses partidários.
Domínios respeitantes a uma eventual revisão constitucional, de par com a consensualização em matérias respeitantes aos governos regionais e municipais, ainda a afectação de recursos financeiros no próximo orçamento a aprovar, em função do novo quadro, a natural despartidarização da Administração Pública e um consequente combate à pobreza, são objectivos prioritários.
O combate por esses objectivos é pertença de todos, não parecendo sequer recomendável ou necessário um governo de coligação, pese embora o ex-Presidente José Eduardo dos Santos tivesse assente a sua politica, após os acordos de paz de 2002, na criação do GURN-Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.
O que parece estar agora em causa, em resultado das eleições, é a necessidade do aprofundamento da reconciliação nacional, com políticas de concertação sobre desígnios nacionais, superando as crispações que existem e isso só é alcançável pela valorização dos debates.
Não duvido que todos os partidos políticos e sobretudo os seus dirigentes, experimentados e conhecedores do sentimento generalizado do povo angolano, saberão responder às novas exigências do futuro.
A hora é de unir. n (Secretário-geral da UCCLA)