Num país como Angola, e em função do contexto político e económico que vivemos - elaborar uma proposta de revisão da divisão política e administrativa do Estado, como a que se anuncia, sem que se tenha feito um processo de Consulta Pública, digno deste nome e bem-sucedido, só aumenta os níveis de cepticismo e receios, em relação à falta de vontade política para se avançar com a implementação das autarquias locais, vistas por muitos como o passo necessário e mais importante em direcção ao desenvolvimento económico local.

Pessoalmente, sou daquelas pessoas que considera necessária uma reflexão à volta da divisão política e administrativa do território nacional, já que, se for bem-feita poderá representar uma oportunidade de levar progresso às zonas potencialmente ricas, mas com pouca densidade demográfica e uma fraquíssima presença da administração local do Estado. Porém, a julgar pela forma como ela está a ser feita, opino que o Executivo só poderá piorar a sua imagem de marca, diminuir o apoio de pessoas e instituições que poderiam estar interessadas em aumentar os riscos de que tal divisão venha simplesmente onerar o Orçamento Geral do Estado, sem quaisquer benefícios visíveis e tangíveis para as localidades elevadas à categoria de províncias, capitais de províncias e municípios.

Falar-se de uma possível divisão política administrativa, num país que tem actualmente 164 municípios, com possibilidade de crescer para mais de 550, sendo que actualmente menos de 30% destes municípios absorvem, de acordo com o senso populacional, perto de 60% da população total do País, faz todo o sentido, inclusive, há quem afirme, entre nós, ser mais fácil governar territórios mais pequenos, mesmo que densamente povoados, porém, se olharmos para a realidade de muitos municípios e províncias, notamos a existência de sedes que têm entre 50 a 60% do total da população de uma província.

Por isso, não me parece mau que se debata publicamente a pertinência ou não de uma divisão política administrativa no actual contexto, e muito menos que se elabore uma proposta sobre a questão. O que considero menos bom é o facto de que se tenha chegado a uma proposta para aumentar o número de municípios, sem um processo adequado de Consulta Pública.

Infelizmente, entre nós, o termo Consulta Pública tem sido referido muitas vezes pelas nossas autoridades como se fosse algo apenas para cumprir os requisitos exigidos por instituições externas, ou ganhar um amplo apoio da sociedade, no intuito de obter "licença dos cidadãos para avançar" com determinados projectos ou políticas públicas.

Embora a Consulta Pública possa representar, para muitos detentores de poder, uma questão de menor importância, a verdade é que, no caso da proposta de revisão da actual divisão política e administrativa, os benefícios de um processo adequado de Consulta Pública poderia garantir: o reconhecimento de que a revisão da divisão política e administrativa a que se chegasse corresponderia às aspirações e desejos dos cidadãos. Aí o Executivo estaria a facultar aos cidadãos e ou instituições interessadas determinadas oportunidades para dizer o que pensam, em relação à uma decisão que afecta a sua vida.

A Consulta Pública poderia também garantir: que os decisores tenham uma melhor compreensão dos valores, interesses, questões e preocupações dos cidadãos enquanto partes interessadas sobre a proposta em discussão e incorpora-las nas decisões, o que, em última análise, habilita-os a tomar melhores decisões.
Um processo adequado de Consulta Pública poderia garantir, igualmente, que os cidadãos interessados neste processo desenvolvam uma fácil compreensão em relação ao conteúdo da proposta de divisão política e administrativa e dos problemas e oportunidades que o Executivo pretende abordar com esta revisão.

Não basta alardear, isto é, gabar-se de que estamos num novo paradigma de governação. É preciso demonstrar que se quer fazer diferente. E um processo de Consultas Públicas, sobre a proposta de revisão da divisão politica e administrativa do Estado iria, de certeza, gerar novas ideias a serem consideradas e avaliadas.

Será que quem manda não se sente confortável para encorajar os cidadãos, no sentido de oferecerem um contributo significativo, no processo de tomada de decisões, sobre aquilo que poderá vir a ser a divisão política administrativa de Angola, nos próximos anos?

Se a resposta for no sentido contrário, a de um adequado processo de Consulta Pública, seria lamentável. Se for a favor da Consulta Pública, penso que se bem-feita, estaríamos a criar uma base forte para relações duradouras e de confiança entre o Estado e os cidadãos que são uma das mais importantes partes interessadas. Afinal de contas, informar aos cidadãos é ajudá-los a aceitar quaisquer mudanças resultantes de uma eventual divisão política administrativa do Estado.