O abandono de Luanda como plataforma negocial entre Kinshasa e os rebeldes, com o Presidente angolano como mediador, apanhou de surpresa quase todos, menos, aparentemente, o Presidente congolês Felix Tshisekedi, que nada disse a João Lourenço.

De imediato, o Chefe de Estado angolano e presidente em exercício da União Africana, que há vários anos procurava consolidar a paz no leste da RDC, saiu do "processo", que passou a ter lugar em Doha, sob mediação do Sheik al-Tani, um activo diplomata da paz com iniciativas em vários locais do mundo, incluindo o Afeganistão.

Mas a mudança de lugar não tem uma relação directa com a mudança da instabilidade no leste da RDC, onde os rebeldes do M23, apoiados pelas forças regulares ruandesas, têm derrotado sucessivamente as Forças Armadas leais a Kinshasa (FARDC), ocupando as capitais dos Kivu Norte (Goma) e Sul (Bukavu).

Actualmente, o M23 ocupa além das capitais das duas regiões mais importantes no mapa dos recursos minerais estratégicos da RDC, vastas áreas mineiras, especialmente com lítio, coltão, cobalto ou, entre outros, ouro.

E a opção das negociações como manobra militar do M23 para manter a presença protectora da exploração ilegal desses recursos por elementos com ligações ao Ruanda, não é um "truque" novo, porque isso mesmo já Kigali tinha feito quando a mesa negocial estava em Luanda (ver links em baixo).

Agora, segundo os media congoleses, as conversações de Doha visam avançar para uma solução pacífica do conflito no leste da RDC, quando as FARDC e os seus aliados locais, Wazalendo, milícias locais leais a Kinshasa, mostram uma clara incapacidade para travar os guerrilheiros apoiados pelo Ruanda.

Segundo a Radio Okapi, a antena criada pela ONU na RDC, no contexto da sua missão, a MONUSCO, o M23 já entregou ao Governo catari um caderno de encargos para estabelecendo os parâmetros para aceitar parar os seus avanços pela via das armas.

Uma primeira questão foi levantada pelo M23, que exige que a delegação de Kinshasa tenha poderes suficientes para tomar decisões no âmbito das discussões que hoje começam na capital do Catar.

Do lado de Kinshasa, estas conversações, que foram desenhadas há semanas num inesperado encontro entre os Presidentes da RDC, Felix Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame, em Doha (na foto), a exigência é que os rebeldes reconheçam a soberania de Kinshasa do território do leste, incluindo o que está sob domínio rebelde.

Uma das possibilidades que está a ser elaborada pelos analistas é que o braço armado do Ruanda seja integrado nas FARDC, de forma a dar segurança a um acordo que visará a exploração dos recursos congoleses numa "joint-venture" ruandesa e congolesa, num contexto de plena soberania de Kinshasa sobre as regiões em causa.

No entanto, esta fórmula poderá fragilizar a opção de Tshisekedi em atrair os norte-americanos para explorar a região, rica em minerais estratégicos, como as "terras raras", de que os EUA tanto precisam para as suas indústrias 2.0.