Este memorando, assinado na semana passada pelo ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MIREMPET), Diamantino Azevedo, e pelo ministro da Energia da Zâmbia, Mathew Nkuwa, tem como finalidade permitir a uma equipa mista estudar a viabilidade de um oleoduto entre o Lobito (Benguela) e Lusaka, a capital zambiana.
Mas este projecto tem estado envolto em dúvida ao longo dos anos, porque começou por ser pensado em 2012, como o Novo Jornal avança nesta notícia de Outubro de 2016, onde o então ministro zambiano da Energia, David Mabumba, anunciava com ênfase redobrada a retoma do projecto com o envio de uma equipa a Luanda para o efeito. Na altura, os custos estavam estimados em 2,5 mil milhões de dólares.
Depois, em 2018, o assunto voltou a ser anunciado com renovada pompa e circunstância, como se pode ler no Novo Jornal em notícia de 05 de Novembro desse ano, quando o ministro da Energia zambiano, Mathew Nkuwa, avançou na imprensa de Lusaka, que tinha sido assinado, durante uma visita de Diamantino Azevedo à capital zambiana, um memorando de entendimento entre os dois Governos para erguer esta infra-estrutura, então no valor de 5 mil milhões USD.
Para a Zâmbia, este oleoduto, que começou a ser idealizado em 2012, quando se estimava que a refinaria do Lobito, pensada para transformar 200 mil barris por dia, estaria concluída em 2014, representa uma fonte de abastecimento em combustíveis refinados e crude em bruto - o projecto ainda não está definido integralmente - e uma baixa importante no seu custo, visto que o país é dependente a 100 por cento da importação de hidrocarbonetos.
Porém, também nesse momento, em 2018, o projecto, denominado Angola-Zâmbia Pipeline Multiprodutos de Petróleo Refinado (AZOP) então estimado em 5 mil milhões USD, embora a parte angolana mantenha que esta verba será integralmente disponibilizada por privados, não avançou de forma decidida.
E em 2019 voltou a ser notícia, como o Novo Jornal publicou, em Janeiro desse ano, com Luanda e Lusaka a anunciarem que tinha sido constituída uma equipa técnica para fazer avançar o conteúdo do memorando assinado no ano anterior. Também esse momento ficou congelado no tempo.
Por detrás destas falsas partidas, estão a crise económica que há anos afecta os dois países mas Angola com mais vigor. Também por causa da queda abrupta do valor do petróleo a partir de 2014 e ainda porque a refinaria do Lobito, importante para a materialização desta ideia, ficou pendurada. E no início de 2020, a pandemia da Covid-19 voltou a suspender tudo.
Agora, este projecto, que deve criar entre 12 e 14 mil postos de trabalho, se avançar, voltou a ser colocado sobre carris, mas de uma forma diferente. Foi assinado um novo memorando, na passada quinta-feira, 29, pelos ministros Diamantino Azevedo e o seu homólogo zambiano, Mathew Nkuwa, mas com o objectivo de estudar a sua viabilidade, o que será feito ao longo dos próximos dois anos.
Em cima da mesa está a análise à viabilidade financeira e económica desta construção, que, segundo a Angop, poderá custar até 2 mil milhões de dólares, mas que o Governo de Lusaka mantém que pode chegar aos 5 mil milhões USD.
Diamantino Azevedo, citado pela agência angolana de notícias, explicou que este estudo pode levar até dois anos e, quando estiver concluído, caberá aos dois governos uma decisão final.
O AZOP, apesar de se tratar de um oleoduto (pipeline), tinha,, na versão inicial, um conjunto de linhas de transporte para os distintos produtos, desde logo a gasolina e o gasóleo ou, eventualmente, crude em bruto para alimentar a refinaria estatal que existe próximo de Lusaka.
A Zâmbia é um dos maiores produtores do mundo de cobre, que é mesmo a sua principal matéria-prima de exportação, mas é totalmente dependente da importação de petróleo e seus derivados.
Angola, por seu lado, é um dos maiores produtores de crude africanos mas que, actualmente, importa a maior parte dos produtos refinados que consome. Situação que está em vias de ser alterada com a construção de três refinarias, a de Cabinda, do Soyo e a do Lobito, o que fará do país um potencial grande exportador de refinados para os países vizinhos, quadro no qual encaixa o projecto agora em análise por parte dos governos de Angola e da Zâmbia.
Ameaça sobre Angola...
Todavia, mantém-se no horizonte uma séria ameaça sobre a produção angolana de crude, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...
O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.
A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.
Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.
Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.
O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.
Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.
E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.
Ainda assim...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 66 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 27 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.