O secretário de Estado norte-americano, que tem a tutela da diplomacia, concluiu a 4ª visita ao Médio Oriente durante esta fase da guerra entre palestinianos de Gaza e Israel, que teve início a 07 de Outubro, com a incursão mortífera do Hamas ao sul de Israel, onde foram mortas 1.200 pessoas, respondendo os israelitas com três meses de devastadores bombardeamentos sobre o enclave que já provocaram mais de 23 mil mortos, onde chegou com o objectivo principal de evitar um alastramento do conflito para a região mas apenas leva como possibilidade a ideia de constituição de um Estado palestiniano como solução para o eterno conflito israelo-palestiniano.

Antony Blinken colocou, claramente, a fasquia demasiado alta quando anunciou como objectivo para este seu acelerado 4º "tour" pelo Médio Oriente a criação de uma fire wall diplomática para conter o conflito israelo-palestiniano na Faixa de Gaza, porque Israel o presenteou à chegada com duas fortes razões para a expansão do conflito: o assassinato de duas figuras relevantes dos dois mais importantes movimentos armados apoiados pelo Irão, Saleh al-Arouri, vice-líder do Hamas, em Beirute, capital do Líbano, através de um comando, presumivelmente, da Mossad, e Wissan al-Tawil, o comandante das Radwan, as forças especiais do Hezbollah, na fronteira libanesa com o norte de Israel.

Face a estas faíscas que não estavam no guião do secretário de Estado, a este restava atirar-se à solução que menos agrada ao Governo israelita de Benjamin Netanyhau, o mais extremista, religiosa e ideologicamente (extrema direita), que é usar a instauração de um Estado palestiniano independente como "cenoura" para levar o lado palestiniano a aceitar regressar à ideia de um definitivo acordo de paz entre as duas partes, sendo que isso só será possível com a Autoridade Palestina, de Mahmoud Abbas, porque o Hamas, comandando por Ismail Haniyeh, rejeita, por princípio estatutário, essa possibilidade ao não admitir a existência de um Estado israelita na Palestina.

Ou seja, com estes desenvolvimento, o mais longe que o enviado de Washington conseguiu ir, depois de ter estado na Arábia Saudita, Turquia, Qatar, Jordânia, EAU, Egipto... e por fim Israel, foi afirmar, antes de embarcar de regresso a casa, que os lideres regionais com quem falou mostraram-se receptivos à ideia de dois Estados na Palestina, o que não é sequer uma novidade, porque tal está previstos desde os velhos acordos de Oslo, assinados na década de 1990, e aos quais vários países da região deram o seu "aval" como solução para o conflito que mantém em permanente tensão o Médio Oriente desde 1948, data da criação oficial de Israel.

Foi, face a este cenário, sobre questões que não estavam no cerne da agenda para esta volta ao Grande Médio Oriente, que Blinken se virou, como a questão do futuro de Gaza e da sua população de 2,3 milhões, com perto de 1,3 milhões deslocados devido aos ataques israelitas, o excesso de mortos, sendo o "número de crianças mortas demasiado alto", disse, como se isso não fosse uma evidência desde o primeiro dia, além dos 23 mil mortos (10 mil creianças) e 55 mil feridos, e ainda a recusa dos EUA em aceitar o exílio forçado destas populações nos países vizinhos, ou um Governo sob comando de Telavive para Gaza no pós-guerra.

Ao mesmo tempo, Blinken, que, no início deste conflito, se apresentou em Israel como chefe da diplomacia dos Estados Unidos e judeu, como era já esperado face ao inequívoco apoio a Israel, mitigado apenas com ligeiras chamadas de atenção sobre o excesso de força, colocando claramente de parte um apelo ao cessar-fogo pelos EUA, aproveitou para aliviar parte das atenções sobre mais uma infrutífera incursão pela região com um ataque severo à iniciativa da África do Sul que avançou com uma acusação de genocídio contra a acção das Forças de Defesa de Israel (IDF) na Faixa de Gaza, considerando-a "sem qualquer mérito".

Pretória acusou Israel de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), alegando que as acções das IDF visam deliberadamente a morte da população de Gaza, como o demonstra as 23 mil mortes, onde a maioria, mais de 70% são mulheres e crianças, além de que existem provas de que alguns dos mais de 120 jornalistas mortos foram deliberadamente alvejados.

Esta causa iniciada pela África do Sul tem pelo menos o apoio da Turquia, cujo Presidente, Recep Erdogan, também acusou Israel de genocídio e disse que o seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyhau "é pior que Hitler", da Jordânia e da Malásia, e ainda da Organização para a Cooperação Islâmica, que agrega 57 países, alguns destes oriundos dos Palop, como Moçambique e Guiné-Bissau.

Para Antony Blinken, esta acusação do Governo de Cyril Ramaphosa é desprovida de mérito, injustificada e tem ainda o desmérito de desviar as atenções do essencial, que são os esforços para melhorar a situação humanitária em Gaza.

Mas para o Governo sul-africano está claramente justificado face à desproporcionada resposta israelita, à ausência de qualquer restrição nos ataques contra as populações civis, o que Pretória diz ter como objectivo a limpeza étnica do território.

Esta possibilidade não é uma inovação sul-africana, porque alguns ministros israelitas vieram a público admitir que os alvos deveriam ser os civis, como o ministro da Defesa, Yoav Gallant, que considerou os palestinianos "não-humanos", ou ainda os ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, que amiúde vem a terreiro defender o regresso intensivo dos colonatos israelitas à Faixa de Gaza.

Segundo a agência da ONU para a Faixa de Gaza, a UNRWA, mais de 70% dos edifícios existentes nos 365 kms2 de Gaza estão destruídos, que a ONU considera que este território com 40 kms de extensão por nove de largura, já não possui condições mínimas de habitabilidade quando, mesmo antes desta fase do conflito, com 6.500 pessoas por km2, uma das mais altas densidades populacionais do mundo, já eram pouco mais que mínimas. E se a ideia for a expulsão das populações, as condições para essa tarefa estão criadas ou quase criadas.

Num ponto, Blinken parece ter querido delimitar a acção de Israel, que foi a defesa dos direitos civis e políticos dos palestinianos de Gaza e da Cisjordânia ou mesmo de Jerusalém Oriental.

A expansão do conflito - A armadilha

O Hezbollah, movimento com décadas de presença no sul do Líbano, e com um histórico de guerras devastadoras com Israel, a última das quais em 2006, que levou os israelitas a ceder em várias frentes, e que viram na intervenção da ONU a saída in extremis para uma derrota humilhante, tem mantido deste 07 de Outubro, data do assalto do Hamas ao sul de Israel, que desencadeou a operação em Gaza, constantes trocas de fogo de artilharia com as posições israelitas.

O seu líder, Hassan Nasrallah, não tem poupado ameaças a Israel de uma redefinição do papel do movimento neste conflito, com a abertura de uma nova frente de guerra no norte de Israel, se Telavive mantiver a devastação em Gaza e as incursões da sua aviação sobre o sul do Líbano para atacar as suas posições.

A fina película que separa estas trocas esporádicas de fogo entre posições do Hezbollah e das Forças de Defesa de Israel (IDF) de um conflito em larga escala é por onde os piores receios anunciados por Blinken podem surgir, mas isso não impediu os israelitas de abater nas últimas horas o comandante das Radwan do movimento pró-Irão, país que tem repetido igualmente a disponibilidade total de atacar Israel se a mortandade em Gaza não for travada.

Com esta morte de al-Tawil, mais um episódio no mínimo perigoso, depois de os israelitas terem abatido o vice do Hamas, Saleh al-Arouri, em Beirute, na semana passada, e de um ataque no túmulo do general iraniano Qassem Soleimani, que fora abatido em 2020 por um drone dos EUA em Bagdade, ter feito mais de 90 mortos, o cenário desejado por Blinken para a sua 4ª visita ao Médio Oriente em três meses, quase a aterrar em Israel, oriundo da Jordânia, é, no mínimo, um desafio.

Algumas vozes de analistas que há muito observam as tensões no Médio Oriente, encaram esta sucessão de ataques a líderes do Hamas e do Hezbollah, e o no túmulo do mítico general iraniano, antigo comandante da Guarda Revolucionária, embora a sua autoria não esteja ainda clara, é uma tentativa do Governo de Telavive de armadilhar o contexto regional para atrair os EUA para um confronto directo com o Irão.

Isto, porque as relações entre Washington e Teerão nunca foram tão tensas, porque Israel há muito que procura uma justificação para atacar o Irão e porque a eclosão de um conflito regional de grandes dimensões é a única forma de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, a braços com muitas explicações para dar sobre a incrível falha de segurança a 07 de Outubro e processos judiciais sérios, onde é arguido por crimes de corrupção e peculato, se manter livre de uma condenação judicial e política.

Condenação essa que porá, seguramente, fim à sua carreira política e o colocaria sob risco evidente de ser detido se vier a ser provada a sua ligação aos crimes de peculato e corrupção e às falhas de segurança que permitiram aos combatentes do Hamas entrar em Israel, sob a inépcia da Mossad (secreta externa), do Shin Bet (secreta interna) e da AMAN (secreta militar) consideradas entre as melhores do mundo.

Este recente ataque israelita ao carro que transportava o comandante das Radwan do Hezbollah, Wissan al-Tawil, no sul do Líbano é claramente uma pedra de grandes dimensões que entrou abruptamente na complexa e difícil diplomacia norte-americana para o Médio Oriente.

Se o objectivo maior dos EUA, como sublinhou Blinken, é impedir a explosão desta estratégica região para os interesses de Washington e que, pelo menos parece muito, Israel está empenhado em dinamitar porque os seus interesses, neste momento, não coincidem com os norte-americanos.

E esta incandescente situação no Médio Oriente está a decorrer num momento especialmente melindroso para a Administração Biden, em ano de eleições, para as quais já decorrem acções de pré-campanha, como aquela em que, nesta segunda-feira, Joe Biden foi interrompido num discurso eleitoral por manifestantes presentes na sala exigindo um cessar-fogo imediato em Gaza, mostrando uma visível escalada da contestação popular ao apoio sem limites de Washington a Israel.

O momento foi especialmente melindroso porque Biden estava a falar da ausência de luz que o ex-Presidente e candidato às Presidenciais de Novembro próximo, Donald Trump significa para os EUA, quando uma manifestante lhe disse alto e bom sim que a ausência de luz em Gaza está a matar milhares de pessoas pela acção israelita que o Presidente dos EUA tem o poder de travar quando quiser.