A selvajaria deste bombardeamento sobre refugiados palestinianos indefesos resultou, mais uma vez, na condenação global, com poucas excepções, onde se incluem norte-americanos, britânicos e alemães, e foi justificado pelo primeiro-ministro israelita como um "erro técnico trágico" na sua preparação.

O que levou a que, desde logo um dos repórteres no terreno que sobrevive à purga israelita dos jornalistas em Gaza, onde, segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas, com sede em Nova Iorque, EUA, já foram mortos 107, tenha referido que muito dificilmente o mais sofisticado e poderoso exército do Médio Oriente tivesse falhado a pontaria, podendo ter, efectivamente, falhado na recolha de informações sobre o alvo a atingir.

Mas a questão colocada pelo jornalista da Al Jazeera é ainda menos corrosiva que algumas análises que podem ser encontradas nos media da região, porque o sublinhado vai para o facto deste ataque selvagem ter acontecido no dia em que o "garrote" da indignação global mais se apertou à volta do "pescoço" de Israel.

Ou seja, depois de o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ter ordenado Israel a parar a operação sobre Rafah, devido aos seus contornos de limpeza étnica, depois de o Tribunal Penal Internacional (TPI) ter emitido mandados de captura sobre lideres israelitas, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, por crimes de guerra e crimes contra a Humanidade, nomeadamente a procura de causar a exterminação do povo palestiniano, fome como ferramenta de guerra e a recusa de ajuda humanitária, assim como o alvejamento deliberado de civis.

E a somar a este aperto global sobre Israel, a Espanha, a Irlanda e a Noruega tinham acabado de anunciar que iriam reconhecer oficialmente a Palestina como Estado soberano.

É neste contexto que as Forças de Defesa de Israel (IDF) alvejam um campo de tendas onde estavam centenas de civis, na maioria mulheres e crianças, matando pelo menos 50 e deixando feridos e estropiados largas dezenas.

Sendo as IDF um dos exércitos melhor equipados do mundo, com uma sofisticação só acessível às maiores potências militares, apoio ilimitado dos Estados Unidos e uma plêiade de equipamentos sem paralelo regional, dificilmente pode este ataque ser justificado por uma "falha técnica".

O mais certo é ter-se tratado de uma vingança objectiva contra o "mundo" ou uma falha na recolha de informações sobre os alegados alvos, dois comandantes do braço militar do Hamas, as Brigadas Al Qasem, que alegadamente ali estariam escondidos.

A mais recente reacção chegou da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), que descreveu o ataque israelita em Rafah como um "massacre selvagem" que só pode ser considerado como "terrorismo de Estado organizado"

A OCI, que é a maior organização mundial a seguir às Nações Unidas, exige em comunicado divulgado nesta terça-feira que os responsáveis por este "crime de guerra" sejam "sem demora levados à justiça" para enfrentarem "a lei internacional" que se aplica a estas situações.

Porém, este brutal ataque contra civis, mais um num extenso e contínuo rolo compressor israelita sobre a população civil em Gaza, surge numa altura em que até os mais indefectíveis aliados de Telavive exigem contenção para reduzir o número de mortos entre civis.

Apelos aos quais o Governo israelita tem dedicado um evidente desprezo, o que só por si justifica que em sete meses de conflito em Gaza já tenham sido mortos mais de 36 mil civis, na maioria crianças (perto de 15 mil) e mulheres (mais de 10 mil) e idosos.

Isto, num território exíguo de 365 kms2, com 40 kms de extensão por nove de largura, habitado por mais de 2,3 milhões de pessoas, numa densidade populacional de mais de mais de 9 mil por km2, uma das maiores do mundo, onde 80% dos edifícios foram destruídos e os equipamentos sociais, como hospitais deixaram de funcionar total, a maioria, ou parcialmente, como é o caso de três dos 36 existentes antes desta fase da guerra israelo-palestiniana.

Porque insiste Netanyhau neste filme de terror?

Rafah, cidade em cima da fronteira de Gaza com o Egipto, é o último canto do território de Gaza onde as IDF ainda não entraram e destruíram tudo pelo caminho como fizeram no restante território, onde, além dos mais de 35 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, 90 mil feridos, mais de 75% dos edifícios estão destruídos, total ou parcialmente.

Mas é, também, para Benjamin Netanyhau e o seu Governo de radicais ideológicos e extremistas religiosos, a última nesga de esperança de conseguirem prolongar esta guerra que a maioria dos analistas entende que está a ser artificialmente estendida por razões políticas, porque todos os objectivos traçados a 07 de Outubro estão por alcançar.

Recorde-se que logo após o ataque do Hamas ao sul de Israel, onde os seus combatentes deixaram um rasto de destruição e morte, mais de 1000 mortos, na sua maioria militares, curiosamente (ver links em baixo nesta página), apanhados de surpresa nos quartéis, Benjamin Netanyhau traçou três objectivos para a "Operação Gaza".

E nenhum, ao fim de mais de sete meses de intensos bombardeamentos e avanços terrestres, foi alcançado:

- a libertação dos reféns levados para Gaza pelos combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica;

- destruir totalmente o Hamas

- e fazer de Gaza um território seguro para Israel, de onde nunca mais serão lançados roquetes contra Israel.

Cada vez mais confrontado com o seu insucesso, e quando é já evidente o fracasso das IDF na "operação Gaza", Netanyhau virou-se para Rafah, primeiro como justificação para o insucesso, alegando que ali se refugiaram também milhares de combatentes do Hajas e da Jihad Islâmica, e depois como forma de prolongar este conflito para impedir os passos que se seguem a um cessar-fogo.

É que Benjamin Netanyhau, depois de décadas à frente de vários governos, antes desta nova fase de maior intensidade do conflito israelo-palestiniano, estava enterrado até ao pescoço em acusações de corrupção e peculato, com julgamento a correr nos tribunais israelitas e que foram, entretanto suspensos.

O primeiro-ministro estava ainda sob uma intensa pressão nas ruas das cidades de Israel, onde, todos os dias, milhares de pessoas exigiam a sua demissão, o que também foi suspenso após o 07 de Outubro, embora estes estejam já de volta com intensidade.

Ou seja, a sobrevivência do seu Governo está dependente de continuar a guerra, até porque, na frente política, Netanyhau está igualmente entre a espada e a parede.

Isto, porque os pequenos partidos radicais e extremistas religiosa e politicamente, fazendo deste o mais tenebroso Governo em Israel desde 1948, já o ameaçaram com a demissão, e, logo, a queda do Executivo, se não der continuidade à guerra e se não avançar em força sobre Rafah.

Os analistas, inclusive em Israel, como se pode compreender lendo o Haaretz, o mais independente dos jornais israelitas, defendem que esta é a única razão pela qual Netanyhau está há meses a fazer frente ao Presidente norte-americano, Joe Biden, e ao seu chefe da diplomacia, Antony Blinken.

É que tanto Biden como Blinken, que já esteve sete vezes na região em missões de "paz", apertados pelas questões de política interna, a meses das eleições de 05 de Novembro, onde o ex-Presidente Donald Trump segue como favorito nas sondagens, estão, pelo menso publicamente, empenhados em travar o avanço das IDF sobre Rafah, correspondendo aos cada vez mais ruidosos protestos nos EUA antiguerra.

Todavia, os sinais que existem é que ao discurso oficial em Washington não correspondem as práticas, porque, na verdade, os EUA não interromperam nem total nem parcialmente o fluxo de apoio em armas e financeiro a Israel.

E a mais recente notícia sobre isso vem do norte-americano The Wall Street Journal, que diz que a Administração Biden vai enviar nas próximas horas mais 1,16 mil milhões de dólares em armas para Telavive.

Mas há outra razão para Netanyhau manter a chama da guerra acesa

É que o primeiro-ministro israelita está entre os suspeitos, num processo que começa a ser cada vez mais sonoro nos corredores da política israelita de, pelo menos, ser o maior beneficiário político - diluição dos protestos de rua - e pessoalmente - redução da pressão judicial - da estrondosa falha da intelligentsia do Estado em antever e reagir ao ataque do Hamas de 07 de Outubro.

Desde que Israel lançou a sua operação em Gaza, a 08 de Outubro, depois do assalto do Hamas ao sul de Israel, a 07 desse mês, que existe um elefante na sala: como foi possível?!

Como foi possível as várias agências de segurança israelita, que dispensam apresentações, terem, ao mesmo tempo, falhado na detecção dos planos do Hamas, que foram elaborados durante meses, e não deram conta da entrada de milhares de combatentes na fronteira de Gaza com Israel.

Em causa, nem mais nem menos, está a Mossad, a intelligentsia israelita para o exterior, vista como insuperável no mundo, a AMAN, a secreta militar, igualmente no top mundial, e o Shin Bet, a agência que vela para segurança interna, com igual prestígio global.

Desde os primeiros dias que várias teses foram levantadas e nenhuma delas contestada pelo Governo do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyhau, desde um "complot" para justificar o ataque a Gaza, até a um ardil interno visando o próprio chefe do Governo de Telavive.

Mas, até agora, a condução da guerra levou a que essas suspeitas não fossem investigadas, e pouco ou nada faladas nos media israelitas, com excepção de alguns casos esporádicos, como no Haaretz, tal como levou a uma redução substantiva dos protestos de rua antigovernamentais.

Todavia, o primeiro sinal sério de que o tema da "cegueira" das agências secretas israelitas está a aquecer foi com a demissão do líder da AMAN, general Aharon Haliva, que admitiu que era obrigação da "sua" agência ter sabido dos planos do Hamas.

E o assunto ganha agora nova tracção, provavelmente até mais séria, com o anúncio por parte do líder do Shin Bet, Ronan Bar, de que vai ser aberto um processo investigatório sobre o falhanço na antecipação do 07 de Outubro.

Bar disse que se trata de uma investigação profunda às inacreditáveis falhas dos Serviços Gerais de Segurança de Israel, compostos pela Mossad, Shin Bet e AMAN.

Vai mesmo, segundo Ronan Bar, ser uma "investigação dolorosa e significativa" que, com esta antevisão, dificilmente deixará de expor os responsáveis pelas falhas que ninguém acredita que possam ter outra justificação que não seja uma "cabala" interna, faltando apenas perceber que objectivos perseguia e que alvos visava.