E essa consolidação só é possível se na Nigéria, país com mais de 200 milhões de habitantes, não se repetir a ladainha que a cada ciclo eleitoral atravessa o continente africano, com raras excepções, que são as acusações de fraude, as ameaças de instabilidade ou mesmo erupções de desenfreada violência pós-eleitoral.
Mas, após o fecho deste ciclo, que termina já no Sábado, ou a 11 de Março com uma 2ª volta e a eleição dos 36 governadores estaduais, a democracia nigeriana exige ainda que o futuro Presidente inicie um ciclo de governação apostado em anular a tremenda crise económica que o país atravessa há anos, a insegurança que atravessa a quase totalidade dos estados, seja pelos jihadistas do Boko Haram, as guerrilhas no Delta do Níger, os rebeldes do Biafra ou os bandidos armados que aterrorizam o centro noroeste do país ou ainda a imagem robusta da Nigéria como um Estado dominado pela corrupção.
E essa tarefa, apesar de serem 18 candidatos, vai estar nas mãos de um destes três homens: Bola Tinubu, do Congresso de Todos os Progressistas, partido no poder, e antigo governador de Lagos, Atiku Bubakar, do Partido Popular Democrático, que foi vice-Presidente nos primeiros anos deste século, e, pelo Partido Trabalhista, Peter Obi, cujo lema de campanha é acabar com o já histórico bipartidarismo entre o Congresso de Todos os Progressistas e o Partido Popular Democrático.
Para já, algumas sondagens apontam como sendo Obi que lidera as preferências dos nigerianos, mas isso não é garante de nada, até porque são muitas as desconfianças sobre a credibilidade destes estudos de opinião, quase sempre financiados pelas campanhas dos candidatos.
Os três têm experiência de governação e também os vícios que o poder alimenta, o que faz com que seja quase certo que quem vai substituir, em Maio, o Presidente Muhammadu Buari, que completa dois mandatos de quatro anos, não tem o registo imaculado, alimentando um historial já agreste no que toca à probidade dos governantes do mais populoso e "rico" país em África.
Como lembra o Instituto para o Estudo da Segurança de Pretória, África do Sul, em causa estão suspeitas de desvio de dinheiro e corrupção, (Bola Tinubu), ou com citações abundantes em relatórios internacionais, como um do Senado dos Estados Unidos por branqueamento de capitais, (Atiku Abubakar) ou diversos crimes financeiros referidos nos Pandora Papers, (Peter Obi), o que todos eles negam ter fundamento, embora sem convencer a esmagadora maioria dos eleitores devido ao vasto currículo do próprio país.
Isto causa um problema acrescido para os eleitores, claramente já cansados de esperar por um futuro que não chega, de promessas por cumprir e de uma crise que não larga o país há largos anos.
Apesar disso, a democracia nigeriana tem conseguido lidar com as sistemáticas suspeitas sobre a idoneidade dos seus governantes... mas pode é não resistir à soma da dúvida com uma crise histórica que agrega desemprego, alta inflação, insegurança e agora a falta de dinheiro a circular.
A Nigéria é há mais de duas décadas um caso raro em África de cumprimento escrupuloso das normas constitucionais pelos seus Presidentes, que, pelo menos nas últimas duas décadas, cumprem os dois mandatos limite de quaro anos e deixam o poder para o sucessor, embora a corrupção, o peculato e a incapacidade de combater com eficácia a insegurança, possam desestabilizar o país neste período crucial.
À crise junta-se a falta de dinheiro a circular
Mas há neste processo eleitoral algo que o distingue dos passados: uma crise económica colossal, que começou mais ou menos ao mesmo tempo que a angolana, em 2014, com a queda abrupta do valor do barril de crude, ganhou tracção com a pandemia da Covid-19 e em nada melhorou com a guerra na Ucrânia, que é o desaparecimento de dinheiro físico de circulação desde que o banco Central da Nigéria iniciou, em Outubro de 2022, um processo de substituição de notas de Naira, retirando as existentes sem mostrar capacidade de distribuir as novas ou de impedir a sua acumulação ilegal.
Tudo somado gerou um desemprego historicamente alevado, inflação sem precedentes em muitos anos, mas com um novo "picante" que pode, como admitiram alguns analistas, embora essa seja uma hipótese remota, levar mesmo ao adiamento das eleições. O que não seria uma novidade, porque em 2019 foi isso que aconteceu, embora a razão tenha sido o desaparecimento de blocos de boletins de voto, como o Novo Jornal noticiou na ocasião.
Com isso, as famílias deixaram de poder fazer o seu dia-a-dia normal, porque, num país onde apenas pouco mais de 40% da população tem conta bancária, o dinheiro físico é essencial, e com os bancos a não terem como responder à demanda de notas, o Presidente Buari viu-se na obrigação de ordenar que as notas antigas de 200 Nairas fossem repostas em circulação por mais 60 dias... mas nem assim o problema parece estar a desaparecer e os tumultos sucedem-se em várias cidades.
Como se pode perceber da leitura dos media locais na Nigéria, ou nas agências de notícias, em várias cidades do país foram destruídas agências bancárias por grupos de pessoas cansadas de esperar pelo seu dinheiro, ocorreram tumultos em cidades como Lagos, com mais intensidade no final da Passada semana, mas alguns organismos ligados ao sector bancário admitem já que este problema possa crescer para Março, ou mesmo transformar o dia das eleições, Sábado, num vendaval nacional de protestos que inviabilizem a ida às urnas.
O exemplo para as 31 eleições em África durante 2023
No entanto, a Nigéria, apesar das muitas imperfeições, tem mantido uma regularidade eleitoral formal há mais de duas décadas, o que faz da sua uma das democracias mais robustas no continente.
E é esse exemplo que neste interessante ano de 2023 pode revelar-se fundamental para a democracia em todo o continente, com cerca de 30 eleições, entre referendos, legislativas e presidenciais.
A Nigéria agora e a República Democrática do Congo a fechar o ano, em Dezembro, dois dos mais importantes, mais populosos e problemáticos países continente, estão nas extremidades desta lista, com, claramente, o que se passar neste Sábado no país da costa ocidental a ter um efeito dissuasor ou impulsionador de perturbações...