Os problemas da Nigéria começaram há vários anos, com a queda do valor do petróleo - é o maior produtor subsaariano - em 2014, mas têm-se acentuado com o passar do tempo e, agora, quando o país se prepara para consolidar a sua democracia em mais um processo eleitoral com passagem de testemunho de forma pacífica, eis que a Naira, a moeda nacional, se está a evaporar daquela que é também a maior economia continental.
Esta semana, na terça-feira, as ruas das principais cidades nigerianas foram palco de violentos protestos, porque, com a medida, que muitos analistas consideram precipitada, do Governo de Muhammadu Buhari, de troca de notas no pais de uma só vez, e com o processo eleitoral a decorrer, o dinheiro esfumou-se das carteiras dos nigerianos.
Face à possibilidade de agravamento dos tumultos sociais, como tem sido noticiado nos media nacionais da NIgéria, o Chefe de Estado nigeriano, que deixará o cargo após as eleições de 25 de Fevereiro, por ter cumprido o limite de dois mandatos, anunciou já esta semana que vai manter a substituição das notas mas vai manter a nota de 200 nairas antiga - a mais usada nas pequenas compras diárias - como forma de garantir que as famílias têm acesso a dinheiro para as suas necessidades de primeira linha.
O país vive uma experiência ruidosa de escassez de dinheiro físico desde que o Banco Central da Nigéria começou a arrecadar as antigas notas e a fazer fluir à economia as novas, com mais garantias de segurança e robustez, embora sem garantir que a transição seria suave... e não foi.
Face a esta "seca" de dinheiro vivo, que já dura há semanas, em quase todas as importantes cidades nigerianas, milhões de pessoas vandalizaram os bancos e incendiaram edifícios públicos e bloquearam estradas com pilhas de fogo e barricadas...
Embora mantenha a defesa da utilidade da decisão de substituir as velhas notas de Naira pelas novas, o Presidente Muhammadu Buhari admite que o processo não foi suficientemente bem conduzido de forma a garantir que não haveria escassez de notas físicas nas mãos dos nigerianos, especialmente a de 200 Nairas, a mais comum e útil, embora também circulem de 500 e mil.
As antigas notas de 200 vão manter-se em circulação durante os próximos 60 dias, período que Buhari entende como suficiente para acalmar a situação e normalizar a circulação das novas notas.
O tema da escassez de notas tem sido um dos principais temas de conversa na campanha eleitoral, com a oposição, especialmente o maior partido da oposição, o Partido Popular Democrático a acusar o partido no poder, o Congresso de Todos os Progressistas, de responsabilidade pela crise, e vice-versa.
Na corrida à Presidência e com mais probabilidades de vitória estão três candidatos, Bola Tinubu, do partido no poder, e antigo governador de Lagos, Atiku Bubakar, do PDP, que foi vice-Presidente nos primeiros anos deste século, e, pelo Partido Trabalhista, Peter Obi, cujo lema de campanha é acabar com o já histórico bipartidarismo entre o Congresso de Todos os Progressistas e o Partido Popular Democrático.
O chão vai tremer debaixo dos pés de Assoumani
Azali Assoumani, Presidente das Comores, vai assumir o cargo de Presidente da União Africana este fim-de-semana, durante a 36ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, em Adis Abeba, Etiópia, mas vai ter pouco tempo para experienciar o momento que é ser o primeiro Presidente de um arquipélago a liderar a UA, porque 2023 é um ano excepcionalmente repleto de desafios, desde logo as dezenas de eleições que atravessam 30 países do continente, mas com situação fortemente marcadas a vermelho no mapa que, seguramente, terá no seu gabinete na sede da organização pan-africana.
Uma dessas eleições fundamentais acontece na Nigéria e serão já a 25 deste mês, com o país envolto numa tremenda crise económica e social.
Com 200 milhões de pessoas, a Nigéria é o mais populoso país em África, mas é também dos mais instáveis, com grupos de jihadistas e bandidos a atormentar quase todo o território, o mais rico em PIB e ainda um dos que enfrenta a crise económica mais séria por estes dias.
Quadro geral que faz com que as eleições presidências marcadas para 25 deste mês sejam mais que um marco fundamental para a estabilidade interna da Nigéria, são um teste à democracia em todo o continente, que só em 2023 vai contar com corridas eleitorais renhidas num terço dos países.
Ao longo de 2023, entre legislativas, regionais, presidenciais e plesbicitarias, o continente africano vai às urnas por 31 vezes, incluindo alguns casos de extrema relevância, como as presidenciais no Sudão, em Julho, em Outubro, na Libéria ou, em Dezembro, na República Democrática do Congo, Chade, Gabão, Líbia, Sudão do Sul, Zimbabué e Madagáscar...
Bem dentro deste contexto surge ainda o referendo de Março, no Mali, que visa definir a nova Constituição, num contexto em que é uma junta militar que governa o país após uma sucessão de golpes de Estado, e, logo no início de 2024, em Fevereiro, as presidenciais malianas.
Com este contexto continental faiscante e uma realidade interna de crise séria, que ameaça mesmo a sua estabilidade política e social, a Nigéria vai enfrentar umas eleições presidenciais desafiadoras, que são decisivas para a consolidação da democracia em África considerando que serão vistas como um exemplo para o bem e para o mal.
Se a Nigéria não der o exemplo, o que pode bem acontecer, considerando que no noroeste, domina o terror dos jihadistas do Boko Haram, no sudoeste, o país treme sob o fogo das dezenas de grupos de bandidos que varrem localidades inteiras, no Delta do Níger, sobressaem as guerrilhas económicas, como os Vingadores, que exploram as fraquezas das perolíferas e a refinação ilegal de crude roubado, e milhões de jovens lutam por um emprego, com o custo de vida a subir diariamente, tumultos nas ruas em defesa de direitos políticos e sociais, então o mal social e político tem mais potencial para alastrar ao resto do continente.
E isso não parece muito difícil de suceder, porque em vários países vivem-se dramas contínuos há décadas, como na RDC, com as guerrilhas no leste, golpes sucessivos como no Mali e no Burquina Faso, ou na Guiné-Conacri e na Guiné-Bissau, guerras civis brutais como na Somália, na República Centro-Africana... rebeliões, como o norte de Moçambique, tentativas de golpes, como recentemente em São Tomé, Lesoto, Níger...
O facto de o Presidente Muhammadu Buhari não poder ser candidato por ter atingido o limite legal de mandatos, é uma abertura para que o processo eleitoral decorra sem grandes perturbações até que os resultados sejam divulgados, mas os analistas que estão a ser citados pela imprensa internacional, admitem que nada está garantido.
Um dos especialistas em democracia africana, ouvidos pelo The Guardian, Nic Cheeseman, professor na Universidade de Birmingham, entende que a Nigéria é uma espécie de charneira no continente, e se estas eleições correrem bem e forem vistas e apercebidas como democráticas e justas, esse exemplo será tendencialmente repetido, mas o contrário é igualmente verdade.
O mesmo pensa Idayat Hassan, director do Centro para a Democracia, em Abuja, que nota que se trata de um momento para ser visto com optimismo e também como um teste, o que "é um sinal de progresso, porque deixa em evidência os 24 anos seguidos de democracia com os presidentes a aceitarem os termos constitucionais do limite de mandatos.
Um dos riscos comummente notado pelos analistas é que a crise económica severa dos últimos anos, com a Covid-19 e com a guerra na Ucrânia como detonadores principais, a Nigéria vive momentos limite para a sua extensa população, que enfrenta dificuldades severas e existe o risco destes momentos serem rastilhos para perturbações mais sérias, social e politicamente falando.
E o mesmo acontece na generalidade dos países africanos, onde esta sucessão vertiginosa de eleições de vários patamares pode ser uma plataforma potenciadora de instabilidade social, política e militar.
Não se pode ainda esquecer neste contexto o potencial perturbador da influência que está a tentar ser exercida pelas potências ocidentais, cujos seus representantes, de ministros dos Negócios Estrangeiros a Chefes de Estado e de Governo, andam em sucessivos périplos pelas mais relevantes capitais africanas, onde Luanda tem estado em destaque.