Numa coisa, todos parecem estar de acordo: as eleições gerais de 30 de Dezembro na RDC decorram sob o signo do caos mas vão ficar para a história como aquelas em que Joseph Kabila deixou o poder que ocupava desde 2001, mas podem ainda fazer história como as primeiras onde é realizada uma transição de poder sem violência generalizada desde a independência do país, em 1961.
Se a Conferência Episcopal (CENCO), que agrega os bispos católicos congoleses, que representa cerca de 50 por cento dos mais de 80 milhões de habitantes, e que tiveram um sistema de observação eleitoral no terreno com mais de 40 mil pessoas, estiver certa, como afirmou este órgão em comunicado, então tudo correrá bem, porque um dos candidatos ganhou de forma clara as eleições, não deixando margem para dúvidas.
Os três principais candidatos foram Ramazani Shadary, ex-ministro do Interior e delfim de Kabila, Martin Fayulu, o homem escolhido pelos pesos-pesados Jean-Pierre Bemba e Moise Katumbi, ambos impedidos pelo regime de irem a votos, e Félix Tshisekedi, herdeiro político e filho do histórico opositor a Kabila, Etienne Tshisekedi.
Para os bispos católicos, segundo fontes do CENCO, oficiosas, citadas pela imprensa internacional, Martin Fayulu terá ganho as eleições sem margem para dúvidas, conseguindo, até ao momento, quase 50 por cento dos votos dos 39 milhões de eleitores que conseguiram vencer o cenário caótico em que decorreu a votação, deixando Tshisekedi em 2º lugar, comm cerca de 25% dos votos, mais 5% que o homem do regime, Ramazani Shadary.
Face a esta possibilidade, e sabendo-se que Joseph Kabila, depois de 18 anos no poder, onde "alocou" a conhecidos e familiares o grosso da economia congolesa, desde as companhias de telecomunicações, energia, petróleos, etc, dificilmente poderá largar mão, sem "luta", do império que juntou à sua volta.
As acusações de fraude eleitoral multiplicam-se e o mundo teme claramente que essa seja a solução encontrada por Kabila para garantir que, mesmo saído formalmente do poder, continua a ser a voz de comando na RDC, através do seu homem de confiança, Shadary.
E se isso assim acontecer, como a história tumultuosa da RDC (antigo Zaire de Mobutu Sese Seko), o pior dos cenários poderá passar de uma possibilidade para a perigosa realidade que, devido à localização estratégica e geoestratégica da RDC no continente, afectará a tudo e a todos, com destaque para os vizinhos, como é o caso de Angola.
E essa é a razão pela qual, da ONU à União Europeia, dos EUA à França, Reino Unido, da Conferência dos Grandes Lagos (CIRGL) à União Africana, da SADC à Comunidade Económica de Países da África Central (CEEAC)... todos têm manifestado apreensão e apelado à calma e à responsabilidade na RDC e aos seus protagonistas, do regime e da oposição.
Mais pragmáticos, como é costume, os Estados Unidos da América, por ordem do seu Presidentte, Donald Trump, enviou um contingente militar, que pode ultrapassar, numma primeira fase, a centena de tropas, para o Gabão, como prevenção para eventuais problemas em Kinshasa em resultado das dúvidas pós-eleitorais.
Para já, do lado africano, o mais robusto recado enviado aos protagonistas eleitorais na RDC foi emitido pelos Chefes de Estado da CIRGL e da SADC, que estiveram reunidos de emergência em Brazzaville - à qual faltou Kabila - exigindo contenção.
No entanto, esta Cimeira teve lugar dois dias antes das eleições de 30 de Dezembro, na capital da República do Congo, não tendo sido divulgada outra manifestação de inquietações depois desta por parte dos vizinhos regionais e sub-regionais da RDC, pais com que Angola partilha uma fronteira de mais de 2 000 quilómetros e que está claramente na linha da frente para aparar as consequências de eventuais tumultos em Kinshasa.
Isso mesmo ficou claro quando, em 2017, milhares de congoleses atravessaram a fronteira para Angola, oriundos do Kasai, para fugir à violência das milícias armadas de Kamwima Nsapu, que obrigaram à deslocação de 3 milhões de pessoas, mataram mais de 4 mil e provocaram mais de 40 mil refugiados na Lunda Norte.
O primeiro sinal de que algo não estará a correr bem na contagem e divulgação de resultados vai ser, claramente, dado já no Domingo, amanhã, 06, com o anúncio ou não dos resultados provisórios.
Mas, estranhamente, um dos argumentos oficiais para uma eventual prorrogação do prazo para divulgar resultados parciais é que está a ser difícil reunir informações oriundas de todo o país devido aos cortes na internet que o mesmo regime ordenou sob a justificação de que isso era essencial para travar e minimizar notícias falsas e apelos à violência através das redes sociais.