As eleições de Domingo não correram bem, com milhões de eleitores impedidos de votar devido a problemas com as máquinas instaladas nas assembleias de voto ou por causa da violência e epidemias em algumas províncias, nas quais a ida às urnas foi adiada para Março.
Mas o pior pode ainda estar para vir porque os resultados parciais estão prometidos para o próximo dia 06 deste mês e os três principais candidatos já anunciaram a vitória, por antecipação e sem que quaisquer informações oficiais oriundas da Comissão Nacional Eleitoral Independente (CENI) tenham sido divulgadas.
Emmanuel Ramazani Shadary, ex-ministro do Interior e homem de confiança de Joseph Kabila, foi o primeiro a abrir as hostilidades quando, logo na manhã de Domingo, após ter votado na mesma mesa de voto que Kabila, disse que a vitória estava garantida.
Seguiu-se Félix Tshisekedi, candidato do maior partido representado no Parlamento, a UDPS, e filho do histórico Etienne Tshisekedi, falecido no início de 2017, que declarou não ter dúvidas de que iria ser o próximo Presidente congolês.
Martin Fayulu, um antigo gestor na área dos petróleos, escolhido pelos pesos-pesados da política congolesa, o antigo "senhor da guerra" e senador, Jean-Pierre Bemba, e pelo antigo governador do Katanga e milionário, Moise Katumbi, não se ficou e avançou igualmente com a "certeza" que de que o povo congolês o tinha acabado de escolher com o seu voto massivo para líder o país.
Só um pode ser Presidente
Sabe-se que a RDC, antigo Zaire, nunca assistiu a uma transição de poder pacífica na sua história enquanto país independente, em 1961, e que, por causa de eleições mal organizadas e fraudulentas, já viveu períodos de guerras atrozes, convulsões sociais e protestos de rua que produziram milhares de mortos e feridos e milhões de deslocados, que ainda hoje fazem da RDC um dos países mais violentos do mundo e com piores condições de vida para os cerca de 80 milhões de habitantes.
Com os três candidatos a declararem a vitória a destempo, os sinais que enviam para as populações não são os melhores indicadores de que se possam ser cumpridas as expectativas de que estas serão as primeiras eleições, com transição de poder, pacíficas na história da RDC, até porque não se vislumbram sinais de que os dois candidatos da oposição possam encetar negociações com Kabila para evitar novos banhos de sangue devido aos ódios intensos acumulados durante décadas.
Este é o cenário que levou as autoridades de Kinshasa a optarem por fechar a internet e os serviços de SMS, como explicou aos jornalistas um dos conselheiros próximos de Kabila, Barnabé Kikaya Bin Karubi, citado pelo The Guardian, avançando que esse passo era essencial para preservar a ordem e "evitar o caos" por causa das notícias falas postas a circular.
Para já, não existe um prazo para devolver o sinal de internet, nem tão pouco da Radio France Internationale (RFI), um dos principais emissores de informação para as populações rurais e urbanas em toda a RDC, que viu o seu sinal cortado ao mesmo tempo, bem como a expulsão do seu correspondente em Kinshasa porque, justificou o Ministério da Comunicação, esta emissora francesa emitiu resultados falsos fornecidos pela oposição.
Como resultado directo desta acção, o CENCO foi obrigado a adiar a divulgação do relatório preliminar sobre o seu trabalho de observação eleitoral.
Segundo o porta-voz dos bispos católicos congoleses, o corte da internet obrigou a equipa que está a trabalhar no documento a fazer as coisas por telefone, o que não só demora mais tempo como obriga a trabalho em duplicado.
Se o serviço de internet for reposto, o CENCO admite que possa divulgar o relatório preliminar sobre a observação eleitoral na quinta-feira.
Alguns analistas já admitiram que a subjugação da imprensa e o corte da internet pressupõem que existem sérios riscos de o poder estar disposto a recorrer à violência para se defender e garantir a oficialização da vitória do seu candidato, Ramazani Shadary.
Os mesmos analistas entendem que, como em quase todos os países africanos, o período de contagem de votos e anúncio de resultados é mais perigoso que durante a votação e campanha eleitoral.
O perigo é real e a história aconselha cautelas
Em 2016, Joseph Kabila realizou um célebre discurso no Parlamento onde adverte para o perigo real de a RDC servir de rastilho para desestabilizar todo o continente africano e mesmo o mundo, devido à sua dimensão, a sua localização estratégica no coração geográfico de África, por causa do seu passado violento e devido aos fortes interesses geoestratégicos gerados pelos imensos recursos naturais de que dispõe.
É igualmente conhecida a comparação que é feita entre o desenho das fronteiras congolesas no mapa de África e a forma de um revólver, recorrentemente utilizada para chamar a atenção para o perigo que este país representa para a estabilidade regional e continental, especialmente devido às suas complexas fronteiras no leste, com o Uganda, o Ruanda e o Burundi, mas também com o Sudão do Sul, a República Centro-Africana, a norte, o Congo-Brazzaville, a oeste e Angola e Zâmbia a sul/sudeste.
O caldo explosivo que representa a RDC mantém a atenção permanente das potências ocidentais, muitas delas com fortes interesses económicos no país, especialmente devido aos recursos minerais estratégicos que possui, como fica novamente demonstrado com a rápida reacção a este episódio do corte na internet, nas SMS e no sinal da RFI.
Os EUA, a França, o Reino Unido e a União Europeia apressaram-se a reagir, exigindo o restabelecimento das comunicações, acrescentando como elemento essencial para garantir que as eleições foram e são credíveis, o acesso dos observadores da Conferência Episcopal (CENCO) e do grupo de cidadãos denominado Symocel aos centros de contagem de votos.
Kabila não permitiu, recorde-se, a presença de observadores estrangeiros no decurso do processo eleitoral, que já dura há mais de dois anos, tempo que o ainda Chefe de Estado esteve no poder para além do prazo limite imposto pela Constituição.
As eleições deveriam ter sido realizadas em Dezembro de 2016 mas foram, por duas vezes, adiadas, através de expedientes, como a falta de recursos financeiros ou a ocorrência de situações de violência, como a que se viveu nos Kasai, no ano de 2017.
O mesmo Kabila que, numa intervenção difundida pela TV estatal, disse, na terça-feira, que as eleições correram de forma democrática e pacífica, sublinhando que os eleitores congoleses provaram que a RDC "não é só uma República, é também uma democracia plena".
Todavia, esta afirmação só será válida se os resultados - a partir de 06 de Janeiro - forem acolhidos como credíveis e respeitados por todos os candidatos, porque, até que isso suceda, o risco de tumultos permanece intacto.