Quando o ocidente dava o tiro de partida para expor a ausência de "verdade" nas eleições russas, onde Putin, de facto, nunca chegou a ter adversários, eis que, mais uma vez, em Paris, o Presidente Emmanuel Macron voltou a trocar as voltas mediáticas a Washington, Bruxelas e Berlim.
Depois de semanas em que Macron borbulhava em retórica belicista anti-Rússia, ameaçando mesmo uma III Guerra Mundial e o subsequente Armagedão nuclear, com o envio de tropas para a Ucrânia, já decorriam as eleições russas quando o "falcão" se transformou em "pomba".
De Paris chegou uma proposta de Macron, sensata e comum durante o decurso dos Jogos Olímpicos (JO 2024) sempre que estes coincidem no tempo com conflitos armados, que é um cessar-fogo entre 26 de Julho e 11 de Agosto, período em que decorrem as provas olímpicas na capital francesa.
Alguns analistas consideraram de imediato que se trata de mais uma provocação de Macron a Putin, porque, devido às sanções, a Rússia não vai estar nos JO 2024, o que seria razão suficiente para Moscovo ignorar a proposta do Presidente francês... mas não foi assim.
Vladimir Putin disse, logo após a declaração de vitória, que na Rússia sucede após estarem contados mais de 60% de votos, aos jornalistas que a proposta de Macron merece ser considerada mas advertiu que não vai ser ele a lançar as negociações, esperando antes para ver.
"Estamos sempre preparados para considerar quaisquer propostas mas estas são sempre abordadas na perspectiva da defesa dos interesses russos e no contexto da realidade no campo de batalha", disse.
"Eu já disse antes e digo agora de novo: nós somos sempre a favor de soluções negociadas e conversações de paz, mas estas não podem ter como objectivo permitir ao adversário ganhar tempo porque está a ficar sem capacidade de combater", acrescentou citado pela TASS.
E concluiu este tema com uma frase que contém muito mais informação que as escassas palavras que a constituem e exige apurada hermenêutica para a decifrar: "A questão de com quem vamos negociar uma eventual reconciliação com a Ucrânia permanece aberta"".
Duas interpretações possíveis: ou Putin está a apelar a uma mudança de regime em Kiev ou está a dizer que nos Estados Unidos dentro de alguns meses haverá um novo Presidente - as eleições Presidenciais são a 05 de Novembro e Joe Biden tem pela frente Donald Trump, o favorito segundo todas as sondagens.
E isto, porque, naquilo que foi outra possibilidade levantada de imediato por observadores do conflito no leste europeu, a proposta de Macron, ensaiada no meio do mais abrasivo discurso belicista anti-russo, teria como objectivo permitir aos ucranianos ganhar tempo.
E tempo parece ser o que Kiev mais precisa para gerir o esforço de guerra devido à escassez de voluntários e de recrutas para as fileiras militares, além da situação de lento mas sólido avanço das forças russas na linha da frente.
A isto, sendo já comum ler e ouvir nos media ocidentais a tese do iminente colapso da Ucrânia, junta-se a urgência de ganhar tempo para ver como se vão desenvencilhar os países europeus para substituir o apoio em armas e dinheiro que até aqui chegava a Kiev oriundo dos EUA.
E ainda o facto de ser igualmente alvo de notas em múltiplos canais pró-russos nas redes sociais e no YouTube a ideia de que Kiev está a preparar uma nova contra-ofensiva para esta Primavera, para a qual carece de tempo para organizar e planear sem a ameaça dos drones e dos misseis russos.
Alias, um dos mais credíveis canais do YouTube dedicados à guerra do lado russo, o Military Summary Channel, lançou este Domingo a tese de que a escassez de munições nas unidades ucranianas noticiada pelos media ocidentais é um dado falso e está a ser usado para gerar o efeito surpresa para a contra-ofensiva que deverá ser lançada entre Maio e Julho.
Nas declarações aos jornalistas que Putin fez logo após terem sido conhecidos os resultados oficiais, citado pela TASS, a agência estatal russa, ficou claro que o Kremlin tem em cima da mesa onde são planeadas as operações de guerra, a criação de um extensa zona-tampão dentro da Ucrânia ao longo de toda a fronteira.
Isto, porque, durante os três dias de eleições, de 15 a 17, forças ucranianas, alegadamente constituídas por 5 mil russos dissidentes, atacaram territórios russos fora da zona de guerra, como Belgorod e Kursk, procurado desestabilizar o eleitorado russo.
O chefe do Kremlin, que vai Governar até 2030 e pode ainda, constitucionalmente, ser candidato mais uma vez, até 2036, afirmou que a Federação Russa está a ganhar a guerra sem quaisquer dúvidas e que nada poderá reverter este cenário, sequer a entrada dos países da NATO na Ucrânia.
E sobre essa possibilidade, defendida claramente, pelo menos até lhe surgir a ideia das tréguas olímpicas, por Macron, e pelo Presidente da República Checa, Petr Pavel, Vladimir Putin voltou a dizer que todos os militares que estão na Ucrânia são inimigos e serão abatidos sem titubear.
Frisando que este resultado eleitoral, vitória estrondosa mas vista como irregular e não idónea pelo ocidente, torna a Rússia mais forte, o chefe do Kremlin insistiu saber bem que já há miliares da NATO na Ucrânia disfarçados de mercenários e de civis.
Garantiu que muitos deles estão mesmo a ser massacrados no conjunto das unidades ucranianas em certas áreas da linha de combate e que toda a iniciativa, lenta mas irreversível, pertence actualmente à Federação Russa e avisou americanos e europeus que não serão poupados se entrarem na Ucrânia.
Reafirmou também que nada teve a ver com a morte de Alexey Navalny, o opositor que morreu há duas semanas numa prisão da Sibéria, e que este estava a ser negociado no âmbito de uma troca com elementos da secreta russa detidos na Alemanha e noutros países ocidentais.
Nesta conversa com os jornalistas em Moscovo, na sede de campanha e não no Kremlin, o Presidente russo disse que não estava à espera de quaisquer palavras simpáticas do ocidente, porque "eles estão a lutar militarmente contra a Rússia" e não era de esperar nada diferente.
E aproveitou para abordar a questão que mais tinta fez correr e mais frames fez passar, que é a possibilidade de uma guerra total entre a NATO e a Federação Russa: "Penso que nada pode ser descartado no mundo actual", referindo-se a uma insensatez que parece espalhar-se sem freio.
"É óbvio para toda a gente que estamos já a um curto passo de da III Guerra Mundial mas também que esse cenário não interesse a ninguém", avisou, ao mesmo tempo que explanava como os objectivos na guerra estão a ser conseguidos ao mesmo tempo que a capacidade militar russa está a ser reforçada todos os dias.