Nos protestos que, com mais vigor nos últimos dois meses, varreram o país, face ao inesperado anúncio por parte da entourage de Sall de que iria "furar" a constituição para acomodar a sua vontade de se manter no poder, morreram dezenas de pessoas, milhares de detidos e levou o Senegal a deixar de ser o farol da democracia africana que era até então.

O Senegal é há décadas uma referência de democracia na África ocidental, onde tem desempenhado um papel de vigilante regional da Carta da União Africana, intervindo mesmo militarmente para repor o regular funcionamento das instituições.

Isso mesmo sucedeu na Gâmbia, em 2016, onde enviou um contingente militar, em nome da organização regional CEDEAO, para obrigar o então Presidente, Yahya Jammeh, derrotado por Adama Barrow, a aceitar os resultados e abandonar o poder, sendo que sempre que na África ocidental ocorrem golpes ou tentativas de golpe, tem sido Dacar que mais se insurge contra.

Agora ficou claro que Macky Sall vai sair de cena nas eleições de 2024, tendo o próprio feito esse anúncio, pondo cobro a uma situação que tinha potencial para resvalar para uma catástrofe social no país.

O mais curioso é que esta opção em nome da estabilidade só foi clarificada depois de longos meses de um silêncio estratégico sobre o assunto, gerindo esse silêncio ao mesmo tempo que analisava, segundo os analistas políticos do país, se a sua disponibilidade para um 3º mandato seria bem acolhido pelo povo senegalês...

A resposta foi clara e inequívoca, com tumultos como o país nunca vira, o que o levou agora a acabar com o "mistério", até porque só lhe seria possível contornar a normalidade procedendo a uma alteração constitucional para a qual não tinha apoio parlamentar suficiente.

Estes tumultos coincidiram com uma das mais graves crises económicas no Senegal em décadas, afogado em inflação e desemprego, como, de resto, uma boa parte do continente africano enfrenta.

E foi com uma frase consistente com a tradição democrática deste país da África ocidental que Sall acabou com as dúvidas: "Meus queridos cidadãos, a minha decisão, após uma longa ponderação, é de não me candidatar às eleições de Fevereiro de 2024".

Numa declaração à Nação transmitida pela televisão senegalesa, Macky Sall acrescenta que "o Senegal é mais que capaz de encontrar um Presidente que lhe garanta a continuidade do seu desenvolvimento".

A Constituição senegalesa, que sofreu uma alteração em 2016, só permite dois mandatos consecutivos, tendo Macky Sall, de 61 anos, cumprido um de sete anos entre 2012 e 2019, e, depois, mais um de cinco anos, tendo demonstrado agora um apego ao poder que surpreendeu tudo e todos, até pela forma como se tem posicionado face à irregularidades que foram surgindo através do continente, como nos vizinhos Mali, Burquina Faso ou na Guiné-Bissau.

Esta incerteza é ainda mais ruidosa porque Sall foi um acérrimo opositor à anunciada pretensão do seu antecessor, Abdulaie Wade, de tentar um 3º mandato, o que também não conseguiu face aos protestos, embora menos severos que os dos últimos meses.