A Zâmbia é o vizinho de Angola com quem as relações são, oficialmente, menos importantes economicamente, sabendo-se que com a República Democrática do Congo (RDC), a Namíbia e a República do Congo os canais formais e informais estão a ser oleados há décadas devido à importância e volume de negócios.

Mas a Zâmbia, com um passado e uma história ainda pesada na memória de muitos angolanos desde o período da guerra, procura agora recuperar o tempo perdido entre dois vizinhos que, assim o indicam os dados, têm muito mais a ganhar juntos que cada um por seu lado.

O caminho-de-ferro que vai voltar a ligar Angola à Zâmbia

Um dos melhores exemplos é o corredor do Lobito e a ligação à Zâmbia a partir do Luão, na RDC, onde um ramal existente mas deteriorado deverá ser recuperado de forma a permitir que as milhares de toneladas de cobre produzidas anualmente naquele país - um dos maiores produtores do mundo integrando a cintura de cobre que abrange ainda o sudeste da RDC (Katanga) - possam ser mais facilmente exportadas por via marítima a partir da costa angolana e não, como sucede actualmente, pelo Índico, fazendo a viagem para a Tanzânia, do outro lado do continente.

Essa linha férrea, a Tazara Railway, embora estando mais operacionalizada que o Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), ligando directamente a região mineira zambiana de Kapiri ao porto de Dar-es-Salam, na Tanzânia, exige mais tempo e é muito mais dispendiosa do que será, quando esse passo for dado, o transporte do minério para o Porto do Lobito, em Benguela, restando agora avaliar a sua potencial rentabilização, até porque do outro lado do continente as coisas também se estão a movimentar, desde logo com as perspectivas impossíveis de ignorar geradas pelas promessas chinesas com a sua Nova Rota da Seda.

É muito provável que esta questão tenha agora, nas 48 horas de duração desta visita de Estado de Hichilema a Luanda, a resposta que todos os lados envolvidos pretendem, incluindo a RDC, que também beneficiará das melhorias que a linha CFB exige ao longo de quase toda a sua extensão devido aos sucessivos acidentes envolvendo composições nacionais.

Alias, a RDC já testou a opção Lobito em vários carregamentos por esta linha, quando, em Julho de 2018, depois de mais de três décadas de paralisação, os CFB voltaram a servir de via de acesso do minério, mais de mil toneladas de manganês, explorado no Congo, a um porto marítimo para exportação com destino à China e à Índia.

Resolver esse problema, que implica o envolvimento da RDC para que o ramal que, já no interior congolês, liga à Zâmbia, é uma das prioridades dos dois Presidentes, até porque João Lourenço e Hakainde Hichilema só têm a ganhar com a concretização deste velho e ambicioso projecto.

O primeiro, porque desembrulha, finalmente, uma das razões para o avultado investimento na recuperação dos CFB, mais de 2 mil milhões USD, entre 2005 e 2015, e o segundo porque ganhará uma via facilitada e menos custosa para a exportação do cobre, que representa a maior fonte de rendimento do país. E também a RDC só tem a ganhar com um melhorado e encurtado acesso da sua região rica em cobre, o Catanga, ao Atlântico, em Benguela (Lobito.

O oleoduto que pode lubrificar as relações entre Luanda e Lusaca

Desde 2016 que os Governos angolano e zambiano têm em cima da mesa um projecto ambicioso para a construção de um oleoduto orçado em mais de 5 mil milhões de dólares, à época, para ligar os dois países de forma a que a Zâmbia possa receber, em continuo e a muito menos custo, o petróleo angolano, existindo mesmo já um memorando de entendimento.

Este projecto, que está substanciado num acordo assinado em Novembro de 2017, entre Luanda e Lusaca, vai, se for, como se espera que agora, com esta visita, seja concluída mais uma etapa do processo negocial, permitir a Angola exportar directamente petróleo em bruto, estando ainda contemplada a componente de gasoduto, o que vai permitir igualmente a importação de gás natural angolano pelo país vizinho.

A inclusão da vertente gás natural nesta "artéria vital" para a economia dos dois países é um impulso extra para que Luanda invista politicamente neste projecto, visto que está agora a dar passos resolutos para impulsionar a produção de gás a partir da sua infra-estrutura petrolífera.

A ideia inicial partiu de uma iniciativa zambiana como forma de aliviar as suas contas de mais de mil milhões de dólares de importações anuais em produtos petrolíferos.

Na altura da assinatura deste acordo, entre os ministros dos Recursos Naturais e Petróleo de Angola e da Energia, da Zâmbia, Diamantino Azevedo e, então, Matthew Nkhuwa, respectivamente, em Lusaca, o governante zambiano disse aos jornalistas presentes que este oleoduto vai permitir ao seu país diminuir substancialmente o pesado fardo anual de importação de petróleo e derivados de petróleo.

Isto, porque, com a importação directa de crude em bruto a partir de Angola, a Zâmbia vai igualmente poder desenvolver e modernizar o seu complexo de refinação, ainda incipiente face às necessidades.

Depois do trabalho a desenvolver pelos especialistas, o projecto, designado pela sigla em inglês "MoU", deverá levar cerca de dois anos até estar construído, com um custo estimado em 5 mil milhões de dólares norte-americanos, mas a fase do projecto já se prolonga por quase o triplo do tempo previsto para a sua construção física, podendo agora receber um impulso decisivo, se as melindrosas negociações sobre o investimento necessário foram conduzidas com sucesso.

Isto, porque, segundo as informações disponibilizadas em Janeiro de 2019, foi constituída uma equipa mista de especialistas com a missão de discutir e agilizar questões como a contratação das empresas a envolver na construção do MoU, a definição do traçado do oleoduto/gasoduto, a estrutura empresarial e as respectivas quotizações, bem como o financiamento, que deverá envolver privados.

Actualmente, a Zâmbia obtém o seu petróleo em bruto através de um oleoduto que liga a capital tanzaniana, Dar-es-Salam, a Lusaca, pelo facto de a Zâmbia não ter acesso ao mar.

A agenda de Hichilema

Depois de chegar a Luanda, onde vai estar pouco mais de 48 horas, Hakainde Hichilema, que foi recebido pelo MIREX, Teté António, vai deslocar-se ao Memorial Agostinho Neto, e a seguir tem um encontro com o anfitrião, João Lourenço, no Palácio da Cidade Alta.

Ainda segundo o programa, divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores (MIREX), as delegações dos dois países vão trabalhar em vários acordos e documentos jurídicos.

O Presidente zambiano vai ainda discursar na Assembleia Nacional, como é da praxe, e tem prevista na pesada agenda uma deslocação a Benguela, com passagem demorada pelo Porto do Lobito.

Esta visita de HIchilema é uma retribuição à visita que João Lourenço efectuou a Lusaca em 2018.