Para se perceber o que está por detrás desta bizarria, marcada por uma procura galopante, devido ao Natal, de bens produzidos em todo o mundo mas especialmente na China, a tal "fábrica do mundo", e a incapacidade de levar esses bens aos consumidores das grandes economias, dos EUA à Europa passando por Japão ou Austrália, não se pode passar ao lado do efeito gerado pela saída progressiva da crise pandémica.
Em síntese, é isto: com a saída da crise da Covid-19, a procura acelerou até ao ponto de a logística global deixar de ter capacidade de resposta, seja por falta de navios, seja por falta de contentores, seja por causa do seu preço crescente - um contentor que há um ano custava 3 mil USD da China a Angola, hoje custa até seis vezes mais -, ou ainda porque os portos ocidentais atrofiaram com centenas de navios gigantes à procura de doca segura apara descarregar e zarpar rapidamente para recarregar nos portos asiáticos.
Este nó no comércio mundial está cada vez mais apertado e, quando, normalmente, a maior procura deveria levar a maior produção, logo, a um maior consumo de crude, isso não está a acontecer devido a este afunilamento no transporte marítimo mundial, que está, pelo contrário, a provocar a suspensão de centenas de unidades fabris, nalguns casos por falta de componentes essenciais, substituíveis, à própria linha de produção.
E, ao mesmo tempo, enquanto o barril de crude, Brent ou WTI, está a perder valor, ainda assim considerados muito altos pelas grandes economias, como os EUA, Índia ou China, as restantes matérias-primas na área dos combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, atingem por estes dias valores recorde, o que contribui igualmente para apertar mais um bocadinho o nó no comércio mundial que foi transformado numa complexa teia interligada e interdependente em décadas de acelerada globalização.
E é por isso que o barril de Brent, vendido em Londres, estava hoje, perto das 14::20 de Luanda, a valer, nos contratos para Janeiro, 80,98 USD, menos 1,43% que no fecho de sexta-feira, e muito longe dos quase 86 à menos de um mês, a 20 de Outubro, enquanto o WTI, de Nova Iorque, estava a valer, à mesma hora, 79,81 USD, menos 1,3% e igualmente longe dos quase 85 de 26 de Outubro.
A ajudar a este cenário, outras ameaças surgem no horizonte tumultuoso do sector energético, já de si apertado pelas imposições da Cimeira Mundial do Clima, a COP26, que terminou no Domingo, em Glasgow, na Escócia, como sejam a possibilidade de as maiores economias do mundo, os EUA ou a China, abrirem a torneira à suas gigantescas reservas estratégicas para diluir os preços da matéria-prima. Mas não só.
Também a eventual aceleração das negociações, fortemente pressionadas por esta situação, entre os EUA e o Irão, sobre o acordo nuclear, que, a serem conduzidas com sucesso, como os analistas esperam que aconteça, poderão levar ao levantamento das sanções a Teerão e permitir que o seu crude volte a ser vendido nos mercados internacionais, o que significará mais até 1,5 milhões de barris por dia (mbpd) disponíveis no curto prazo, e até 3 mbpd no médio prazo.
O fortalecimento do dólar norte-americano também ajuda a esmagar o optimismo entre os países produtores/exportadores, como é o caso de Angola, que carecem da injecção de capital proveniente da exportação de petróleo para se libertarem da prolongada crise que já dura há mais de cinco anos, quer seja pela baixa do valor da matéria-prima, quer seja pelo impacto severo da pandemia da Covid-19.
E em pano de fundo, como sempre acontece nestes momentos, a indústria do fracking, ou petróleo de xisto, com os valores a que esta está por agora, começa a arregaçar as mangas para voltar a produzir em larga escala, considerando que o breakeven médio deste sector é elevado e só permite a laboração com o barril na casa dos 70 USD, com margens ligeiramente diferentes aqui e ali.
Tudo somado, da saldo negativo, como o atesta o facto de na passada semana a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ter revisto em baixa as suas perspectivas para estes derradeiros meses de 2021.
O "cartel" estima agora que o mundo consuma menos 330 mil barris por dia no último quadrimestre de 2021, precisamente por causa dos elevados preços, o imbróglio no comércio global e o arrefecimento subsequente da economia planetária nesta fase de fade out pandémico.
No entanto, segundo alguns dos mais reconhecidos analistas, ou mesmo as grandes companhias dos maiores produtores, como a russa Rosneft ou a Aramco, saudita, este momento de sobressalto será pouco mais que ligeiro contratempo para os países petrodependentes.
Isto , porque apenas vai contribuir para alargar o fosso entre a capacidade instalada de oferta, fortemente fragilizada por anos a fio de desinvestimento na procura de novas reservas ou mesmo na manutenção da infra-estrutura produtiva - Angola é um dos melhores exemplos, porque foram estas circunstâncias que levaram a produção nacional dos majestosos 1,8 mbpd em 2008 para os actuais pouco promissores 1,1 mbpd - , e a segura e certa subida na procura à medida que o nó que estrangula por estes tempos o comércio planetário for sendo aligeirado, como acontecerá inevitavelmente em semanas ou escassos meses.
Como pode Angola aproveitar este momento?
Para países como Angola, cujas economias são extremamente dependentes das exportações de crude, este momento é, seguramente, gerador de derradeiras oportunidades para investir na diversificação das suas economias com os excedentes gerados pelos elevados preços da matéria-prima, escolhendo bem onde apostar.
Com o barril nos 82 USD, o Executivo angolano, que elaborou o OGE 2021 com 39 USD - o de 2022 está pensado, embora ainda não tenha sido aprovado, para os 59 USD - como valor de referência para o barril, conta com um bónus de 42/43 dólares, o que permite, mesmo que sejam gigantescos os compromissos com a dívida externa, colocar uma boa parte deste superavit na diversificação da sua asfixiada economia.
No entanto, para já, de forma a corresponder a urgências imediatas, como é o caso da redução dos gastos com a subsidiação dos combustíveis, gasolina e gasóleo, que leva dos cofres públicos quase 2 mil milhões USD/ano, o Governo tem colocado uma boa parte das fichas na aposta da construção de refinarias, contando com o abastecimento local e com a exportação de refinados para outros países do continente onde a transição energética, espera-se, venha a demorar mais a chegar.
Porém, como alguns especialistas têm vindo a chamar à atenção para isso, o calendário destes processos não obedece às leis a que estávamos habituados no passado e podem, de um momento para o outro conduzir a mudanças radicais de paradigma que deitem por terra tudo isso, face à já hoje evidente urgência de mudança, como lembrou na última Assembleia-Geral da ONU, o seu Secretário Geral, António Guterres, afirmando que o mundo vive o seu último curto intervalo temporal para levar a sério o "alerta vermelho" climático.
Ou seja, se não for nos próximos 2 a 3 anos, Angola terá, exponencialmente, mais e mais dificuldades em ter como investir na modernização da sua agricultura, na diversificação das fontes de rendimento, no aproveitamento do seu potencial mineiro...
Cenário de fundo
No entanto, este é o momento para aproveitar o que houver para aproveitar. Mas mesmo isso não está a ser fácil.
Se Angola, Nigéria, Líbia ou Argélia, os grandes produtores africanos, sofreram com a baixa do consumo, a recuperação não está a ser igualmente rápida, muito devido à fraca capacidade de resposta, de forma mais acentuada em Angola e na Nigéria, por causa da deterioração da sua infra-estrutura, do desinvestimento em pesquisa, em manutenção e já, também, resultado de uma desistência global do petróleo devido à poluição e o esforço mundial para uma transição energética que afaste a ameaça das alterações climáticas sobre a humanidade.
Mas o mesmo não se pode dizer dos países do Golfo, que tiveram melhor visão estratégica ao longo dos anos, investindo mais na diversificação e na manutenção dos seus campos, que, agora, estão a dar uma resposta adequada ao aumento da procura e a gerar optimismo entre os diversos sectores económicos, como é o caso da Arábia Saudita, cujo mercado bolsista cresceu mais de 42 por cento nos últimos 12 meses.
E mesmo as plataformas abandonadas para a extracção de crude, estão a ser transformadas em atracções turísticas com grande sucesso.
Este exemplo é ainda mais interessante porque o crescimento mais volumoso reflecte-se, segundo os media internacionais especializados, no sector não petrolífero, como as telecomunicações, o turismo, o comércio e a indústria química..., sendo que a petrolífera nacional, a ARAMCO, no último trimestre lucrou mais de 26 mil milhões USD, o que pode comparar negativamente com as continuadas perdas da Sonangol.
A ficar para trás
Entre os restantes exportadores de crude, a recuperação está a ser substancialmente mais lenta, como é o caso de Angola, onde a economia se debate com a pressão da inflação, que pode chegar, segundo o INE e o BNA, aos 27% nos próximos meses, uma crise social sem precedentes desde o fim da guerra, em 2002, e uma assinalável incapacidade para que os esforços da diversificação económica mostrem sinais de estar a produzir efeito.
Como pano de fundo para este cenário difícil, o País tem o acentuado declínio da sua produção de petróleo, que está actualmente abaixo dos 1,1 milhões de barris por dia e com tendência para diminuir ainda mais.
Tudo devido aos sobejamente conhecidos problemas do abandono de algumas das majors com investimentos no off shore nacional, face a uma "infecciosa" dependência do petróleo que, ao longo dos anos, criou uma inércia geral face à urgência de diversificar a economia apesar de ser bem conhecida essa urgência.
E o resultado é o que se sabia estar ao virar da esquina perante uma realidade em que o petróleo ainda é rei e senhor na economia nacional.
Sendo Angola um dos países na linha da frente das repercussões do sobe e desce dos mercados petrolíferos, devido à sua dependência das exportações de crude para o equilíbrio das suas contas - o petróleo ainda é responsável por mais de 94% das exportações e mais de 60 por cento dos gastos do Executivo e acima de 30% do PIB, este cenário de recuperação permite, ainda assim, algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.
A produção actual está em constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016, bem como devido ao esgotamento/envelhecimento dos campos mais activos.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção tem vindo a perder viço especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.
E com a transição energética a impor cada vez mais a sua vontade, com o crude e os restantes hidrocarbonetos a ser olhado como uma infecção perigosa e contagiosa, o País tem agora de fazer o que não fez nos últimos 20 anos: diversificar a sua economia o mais rápido possível, porque o petróleo tem os dias contados. E são cada vez menos.