Com esta nova lei pretendida por Joe Biden, que pode ser designada por Lei anti-cartel do sector petrolífero, com a sigla em inglês NOPEC, o Departamento da Justiça norte-americano pode processar, nos EUA, se vier a ser aprovada no Congresso, os membros da OPEP por manipulação de preços através do controlo da produção.

Joe Biden procurou ultrapassar os efeitos do programa de cortes e retoma da produção por parte da OPEP+, organização que junta desde 2017 os 13 países da OPEP mais 10 desalinhados liderados pela Rússia num esforço conjunto para equilibrar os mercados a seu favor, ao libertar parte das gigantescas reservas estratégicas dos EUA, juntando nesta resposta ao "cartel" a China, a Índia, a Coreia do Sul e o Japão.

O efeito foi célere e eficaz, com o barril a descer abruptamente nos mercados dos mais de 86 USD em meados de Outubro para os actuais 78,8 USD - perto das 10:40, hora de Luanda - no que diz respeito ao Brent, referência que determina o valor médio das ramas exportadas por Angola, mas Biden quer mais, porque entende, como o tem repetido à exaustão, que os preços altos do crude estão a bloquear o potencial de crescimento com a diluição dos efeitos da crise pandémica.

Biden chegou mesmo a pedir aos países da OPEP+, especialmente à Arabia Saudita e à Rússia, os gigantes mundiais da matéria-prima - que junta no pódio ainda os EUA, o maior produtor e a maior economia planetária - para aumentarem a produção face a uma evolução acelerada dos combustíveis nos Estados Unidos, que condiciona fortemente a recuperação económica apesar de a saída da crise do Sars CoV-2 estar a criar oportunidades que não se viam no mundo há décadas.

A resposta foi clara por parte da OPEP+, organização que integra Angola e mais 22 países exportadores: não vão ser inseridas alterações no actual programa de retoma da produção que passa por, até 31 de Dezembro, e desde Julho último, acrescentar, mensalmente, 400 mil barris por dia à produção global do "cartel".~

O que é pouco, dizem Washington, Pequim e Nova Deli, e nos EUA, Biden pode ir mais longe. Alias, bem mais longe, sendo a NOPEC, se algum chegar a ver a luz do dia no Congresso, considerada a "bomba atómica" porque as consequências de uma atitude deste tipo, claramente inamistosa para com os membros da OPEP+ são, segundo os analistas que estão a ser ouvidos pelos media internacionais especializados, indecifráveis.

Que tipo de penalidades seriam impostas judicialmente a países como a Arábia Saudita ou Kuwait, EAU ou Iraque, Nigéria ou Angola, todos, mesmo que em patamares distintos, com fortes investimentos na economia norte-americana? E que tipo de resposta seria dada por estes países? São algumas das questões que tal Lei poderia obrigar a conhecer as respostas...

Citado pela Bloomberg, Bob McNally, antigo assessor da Casa Branca para o sector, admite que se trata de uma bomba atómica com "impacto brutal mas incerto", porque as medidas permitidas por esta lei, ainda apenas conhecida pela proposta existente, vão, por exemplo, até ao congelamento de todos os bens dos respectivos países nos EUA.

Mas, no limite, o que esta Lei poderia transmitir como ideia maior é que os EUA admitem como razoável intrometer-se, através de ameaças severas, em questões de soberania de países soberanos que têm na exportação de crude o principal pilar das suas economias mas que Washington quer manipular através de mecanismos legais duvidosos do ponto de vista do Direito internacional.

Porém, mesmo que os países da OPEP+ quisessem aumentar a produção de forma célere e em grande quantidade, isso, provavelmente, seria impossível devido ao desinvestimento dos últimos anos, que levou à acentuada degradação do aparelho extractivo de uma boa parte dos produtores, como é disso bom exemplo Angola, cuja produção não parece querer parar de diminuir.

Mas, apesar de estar longe o dia em que tal Lei possa ser tornada realidade, a verdade é que o impacto de tal possibilidade nos mercados é bem real e traduz-se em centenas de milhões de dólares a menos nas receitas dos países da OPEP+, incluindo Angola, que estão a ver, dia após dia, o valor do barril a cair...

Recorde-se que Angola produz actualmente pouco mais de 1 milhão de barris por dia (mbpd), o que, de forma literal, quer dizer que, apenas hoje, o País está a perder, face ao dia de segunda-feira, perto de dois milhões USD.

No entanto, face ao valor de referência do OGE em vigor em 2021, o País está a obter uma folga relevante, que pode ser aproveitada estrategicsamente, tendo em conta que o documento centra, das contas do Estado foi elaborado com o barril a 39 USD como valor médio, enquanto para 2022, esse valor médio de referência subiu para os 59, oq eu permite uma .

E como pode Angola aproveitar este momento de preços, apesar de tudo, ainda altos?

Para países como Angola, cujas economias são extremamente dependentes das exportações de crude, este momento é, seguramente, gerador de derradeiras oportunidades para investir na diversificação das suas economias com os excedentes gerados pelos elevados preços da matéria-prima, escolhendo bem onde apostar.

Com o barril quase nos 79 USD, o Executivo angolano, que elaborou o OGE 2021 com 39 USD como valor de referência para o barril, conta com um bónus de mais de 40 dólares, o que permite, mesmo que sejam gigantescos os compromissos com a dívida externa, colocar uma boa parte deste superavit na diversificação da sua asfixiada economia, acontecendo o mesmo em 2022, cujo OGE foi elaborado com o barril nos 59 USD de valor médio.

No entanto, para já, de forma a corresponder a urgências imediatas, como é o caso da redução dos gastos com a subsidiação dos combustíveis, gasolina e gasóleo, que leva dos cofres públicos quase 2 mil milhões USD/ano, o Governo tem colocado uma boa parte das fichas na aposta da construção de refinarias, contando com o abastecimento local e com a exportação de refinados para outros países do continente onde a transição energética, espera-se, venha a demorar mais a chegar.

Porém, como alguns especialistas têm vindo a chamar à atenção, o calendário destes processos não obedece às leis a que estávamos habituados no passado e podem, de um momento para o outro conduzir a mudanças radicais de paradigma que deitem por terra tudo isso, face à já hoje evidente urgência de mudança, como lembrou na última Assembleia-Geral da ONU, o seu Secretário Geral, António Guterres, afirmando que o mundo vive o seu último curto intervalo temporal para levar a sério o "alerta vermelho" climático.

Ou seja, se não for nos próximos 2 a 3 anos, Angola terá, exponencialmente, mais e mais dificuldades em ter como investir na modernização da sua agricultura, na diversificação das fontes de rendimento, no aproveitamento do seu potencial mineiro...

Cenário de fundo

No entanto, este é o momento para aproveitar o que houver para aproveitar. Mas mesmo isso não está a ser fácil.

Se Angola, Nigéria, Líbia ou Argélia, os grandes produtores africanos sofreram com a baixa do consumo, a recuperação não está a ser igualmente rápida, muito devido à fraca capacidade de resposta, de forma mais acentuada em Angola e na Nigéria, por causa da deterioração da sua infra-estrutura, do desinvestimento em pesquisa, em manutenção e já, também, resultado de uma desistência global do petróleo devido à poluição e o esforço mundial para uma transição energética que afaste a ameaça das alterações climáticas sobre a humanidade.

Mas o mesmo não se pode dizer dos países do Golfo, que tiveram melhor visão estratégica ao longo dos anos, investindo mais na diversificação e na manutenção dos seus campos, que, agora, estão a dar uma resposta adequada ao aumento da procura e a gerar optimismo entre os diversos sectores económicos, como é o caso da Arábia Saudita, cujo mercado bolsista cresceu mais de 42 por cento nos últimos 12 meses.

Este exemplo é ainda mais interessante porque o crescimento mais volumoso reflecte-se, segundo os media internacionais especializados, no sector não petrolífero, como as telecomunicações, o turismo, o comércio e a indústria química...

Mas esta lancinante recuperação, que já é vista como o milagre do Golfo, abrange ainda os Emirados Árabes Unidos, com o mercado bolsista a subir mais de 14%, com destaque para os sectores da saúde, da banca e do ensino privado, ou ainda das telecomunicações, entre outros.

E o cenário é muito semelhante, como se pode perceber pelos dados que estão a ser divulgados pelas agências, no Qatar, no Kuwait, Baharain ou mesmo no Irão, apesar deste país estar sujito à pressão adicional das sanções norte-americanas.

A ficar para trás

Entre os restantes exportadores de crude, a recuperação está a ser substancialmente mais lenta, como é o caso de Angola, onde a economia se debate com a pressão da inflação, que pode chegar, segundo o INE e o BNA, aos 27% nos próximos meses, uma crise social sem precedentes desde o fim da guerra, em 2002, e uma assinalável incapacidade para que os esforços da diversificação económica mostrem sinais de estar a produzir efeito.

Como pano de fundo para este cenário difícil, o País tem o acentuado declínio da sua produção de petróleo, que está actualmente abaixo dos 1,1 milhões de barris por dia e com tendência para diminuir ainda mais.

Tudo devido ao sobejamente conhecidos problemas do abandono de algumas das majors com investimentos no off shore nacional, face a uma "infecciosa" dependência do petróleo que, ao longo dos anos, criou uma inércia geral face à urgência de diversificar a economia apesar de ser bem conhecida essa urgência.

E o resultado é o que se sabia estar ao virar da esquina perante uma realidade em que o petróleo ainda é rei e senhor na economia nacional.

Sendo Angola um dos países na linha da frente das repercussões do sobe e desce dos mercados petrolíferos, devido à sua dependência das exportações de crude para o equilíbrio das suas contas - o petróleo ainda é responsável por mais de 94% das exportações e mais de 60 por cento dos gastos do Executivo e acima de 50% do PIB, este cenário de recuperação permite, ainda assim, algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.

A produção actual, em constante declínio, está abaixo dos 1,1 mbpd devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016, bem como devido ao esgotamento/envelhecimento dos campos mais activos.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção tem vindo a perder viço especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.

E com a transição energética a impor cada vez mais a sua vontade, com o crude e os restantes hidrocarbonetos a ser olhado como uma infecção perigosa e contagiosa, o País tem agora de fazer o que não fez nos últimos 20 anos: diversificar a sua economia o mais rápido possível, porque o petróleo tem os dias contados. E são cada vez menos.