Mas é: basta ler os jornais e sites online e ver as imagens das televisões por estes dias para se perceber que o risco de um conflito militar de larga escala entre os EUA e o Irão é mais que real, é uma situação em que as casas de apostas teriam dificuldade em perceber a tendência, porque, depois dos ataques contra petroleiros que atravessavam o Estreito de Ormuz, de e para o Golfo Pérsico e o Mar de Omã, em Maio e já este mês de Junho, todos os exércitos da região estão em alerta máximo e Washington não para de para ali enviar mais meios militares e mais homens.

Apesar de tanto o Irão como os EUA estarem a entremear ameaças bélicas com garantias de que não querem e não vão ser eles a disparar o primeiro tiro, o ciclo de escalada parece já ter entrado numa fase irreversível e o conflito surge como inevitável - embora possa ser contido - mesmo que os grandes blocos e países da comunidade internacional, da ONU à União Europeia, passando pela China e pela Rússia, ou Japão e Austrália, não se cansem de apelar à calma e a um baixar em uníssono do tom das ameaças.

Noutros tempos, como aqueles que anteciparam as intervenções dos EUA no Iraque, tanto na década de 1990 como já no século XXI, o barril de petróleo disparou e chegou a valores estratosféricos porque o perigo de interrupção do fluxo de crude destes países do Golfo para as grandes economias mundiais era real, mas, hoje, onde esse perigo, em caso de conflito, é igualmente real, até porque o Governo iraniano já disse que uma das medidas em caso de guerra é entupir o Estreito de Ormuz, por onde passam os petroleiros, o valor do barril de petróleo nos mercados não reflecte essa volatilidade.

Os mercados não estão a dar sinal de quaisquer inquietações, e, por exemplo, o Brent de Londres está hoje a subir ligeiramente 0,02%, para os 62,15 USD, cerca das 09:30, mas tem sido este o tom há já alguns dias, sobe e desde alguns cêntimos diariamente, depois de há cerca de um mês ter observado uma queda estrondosa de mais de 10 dólares em cerca de 10 dias.

Alias, os mercados parecem mesmo estar deliberadamente a ignorar a crise actual no Médio Oriente, mostrado estar muito mais interessados no evoluir da guerra comercial EUA-China.

E tanto assim é que a última subida, mesmo que ligeira, do barril, coincidiu com uma mensagem nas redes sociais de Trump onde este informa que já está agendado um encontro com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, à margem do encontro do G20 - as 20 maiores economias planetárias - em Osaka, Japão, marcado para 28 e 29 deste mês.

Isto, porque se os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo, não chegarem a um acordo para travar a guerra comercial, que, recorde-se, está a encaminhar a economia global para uma recessão, o petróleo sofrerá um tremendo impacto - com consequências dramáticas para Angola - com a subsequente perda de procura e, logo, perda de valor, havendo já quem estime uma queda até aos 30 USD por barril em 2020.

Contradições Bolton-Pompeo

Por outro lado, sendo essa outra razão para a forma minimalista com que esta crise está a ser digerida pelos mercados, segundo alguns analistas consultados hoje pelos sites especializados e pelas agências, é que, como as coisas estão a evoluir, apesar de ser reconhecida e séria a predisposição belicista de alguns dos falcões de Washington, como o Secretário de Estado Mike Pompeo, ou o Conselheiro para a Defesa do Presidente Trump, John Bolton, que estão em rotação máxima para verem o primeiro míssil a voar, a inconsistência das provas da autoria iraniana dos ataques aos petroleiros tende a estancar essa vontade guerreira, porque todos - Japão, União Europeia, ONU, China e Rússia - estão a exigir provas sólidas das acusações norte-americanas.

Provas essas que tardam a chegar e os mercados parecem, porque o petróleo não descola das margens dos 60 USD por barril, acreditar que os EUA não vão conseguir provar o que acusam o Irão de ter feito, até porque o Japão, um dos mais próximos aliados dos EUA, já veio dizer, preto no branco, que os meios sofisticados utilizados nos ataques também integram os arsenais da Arábia Saudita e de Israel, países que há muito pugnam por um ataque norte-americano a Teerão.

E, ainda por cima, as Nações Unidas, através do seu Secretário-Geral, António Guterres, veio meter ainda mais travão no ímpeto belicista de Washington ao exigir uma investigação independente aos ataques aos petroleiros, somando ainda mais desconfiança sobre quem, de facto, terá estado por detrás desses mesmos ataques, especialmente os dois últimos, um ao serviço do Japão e outro norueguês, dois países que, estrategicamente, o Irão não quereria importunar por serem seus aliados na procura de soluções pacíficas para o diferendo.

Recorde-se que todo este cenário pré-guerra começou a ser construído com a eleição de Donald Trump para a Casa Branca - ainda ontem lançou a campanha para a sua reeleição em 2020 -, que de imediato, em 2016, anunciou a saída unilateral do acordo nuclear com o Irão - assinado em 2015 pelo seu antecessor, Barack Obama - por entender que este país não se está a desviar-se do acesso à bomba atómica, apesar de a Agência de Energia Atómica, que supervisiona o acordo, garantir que Teerão não se desviou do acordado um milímetro sequer.

E é ainda de ter em linha de conta que, com a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irão, que foi ainda assinado pela União Europeia, China e Rússia, Trump retomou as sanções económicas a Teerão, impedindo as vendas de crude, essenciais para a sua economia debilitada fortemente por anos a fio de restrições impostas pela comunidade internacional, obrigando as empresas europeias, por exemplo, a deixar de negociar com o Irão sob ameaça de serem varridas do mercado norte-americano, numa chantagem por todos condenada mas, devido ao que está em causa - o negócio -, por todos acatada.

Mas, a guerra é a guerra...

Mas, a verdade é que tudo aponta para uma estratégia bem definida por parte de Washington para, finalmente, encontrar a justificação para a declaração de guerra, como os seus aliados na região, sauditas e Israel, inimigos intemporais de Teerão, há muito desejam e incentivam, os primeiros devido a questão de natureza económica e religiosa - O irão é xiita e a Arábia Saudita e sunita -, e os segundos devido ao medo de que os iranianos possam mesmo aceder à arma nuclear, desmoronando a vantagem que os israelitas possuem na região por serem os únicos detentores desse elemento dissuasor.

Uma possibilidade avançada por vários analistas, e a mais evidente, até porque Mike Pompeo disse isso mesmo, é que os EUA consigam encurralar entre a espada e a parede o Irão a ponto de este ter de disparar o primeiro tiro, dando a justificação ansiosamente aguardada para um confronto total, até porque Trump acaba de enviar mais mil militares para a região onde já tem posicionada a sua 5ª frota, que inclui porta-aviões, navios de apoio e dezenas de aviões de guerra, para além das várias bases militares que possui na Arábia Saudita, no Qatar, entre outras.

E esse tal passo que os EUA querem que o Irão dê por estar encurralado pode muito bem ser através do seu programa nuclear, até porque as autoridades de Teerão já ameaçaram com um aumento substancial da quantidade de urânio produzida, o que é um passo largo a caminho da construção de uma arma nuclear, extravasando o disposto no acordo nuclear, mas dando azo a que isso possa ser usado como justificação para o combate.

Por detrás dessa possibilidade está outra consequência das sanções norte-americanas ao Irão, que é o facto de a União Europeia e as empresas europeias estarem a deixar de negociar e a comprar petróleo iraniano com medo das represálias dos EUA, bem como o Japão ou mesmo a Índia, apesar de alguma resiliência destes países às exigências de Trump.

No fim, o que querem os EUA?

Washington quer tudo e o seu contrário. Segundo John Bolton, os EUA querem uma mudança de regime pura e simplesmente, acabando com o poder dos aiatolas, que são a autoridade suprema, apesar de o Presidente ser democraticamente eleito, mas, de acordo com Mike Pompeo, os EUA querem "uma mudança de comportamento" do Irão, sem mudança de regime, entanto Donald Trump, umas vezes diz o que Bolton pensa, outras, o que Pompeo admite ser o objectivo da política norte-americana apontada a Teerão.

Mas é Trump quem aparece com a faca menos afiada, especialmente depois de ter conversado com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que é um defensor da manutenção das relações comerciais com o Irão, que exige contenção dos EUA e que admite mesmo que um eventual ataque contra o Irão seja montado em cima de uma mentira.

Isso mesmo ficou claro quando Abe foi ao Irão - no momento em que teve lugar o ataque ao petroleiro japonês, gerando ainda mais dúvidas pelo non sense óbvio - e transmitiu ao Ayatollah Ali Khamenei uma mensagem de Donald Trump admitindo negociações directas so alguns pressupostos, que foi rejeitada por Khamenei alegando este que o Presidente dos EUA "não é um homem em quem se possa confiar".

Já o Presidente iraniano, um dos mais moderados políticos iranianos, Hassan Rouhani, sublinhou a bizarria da situação mas atribuindo-a ao facto de por detrás desta perigosa escalada estarem "políticos americanos pouco experientes".

Certo, certo, neste momento, é que, face a este furacão de ameaças, metaforicamente visto, o Irão não pode colocar recrutas inexperientes na linha da frente, porque um tiro por descuido pode ser o rastilho directo ao barril de pólvora.